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— Como foi levado a frequentar o
Curso Superior de Letras? Que recordações guarda dessa Escola? Qual
a influência dos que a cursaram, na nossa Literatura?
Terminado o Curso
Geral dos Liceus em Aveiro, segui para o Liceu de Alexandre
Herculano, a fim de aí tirar o Curso Complementar de Ciências,
necessário para a formatura em Medicina.
No começo do 7.º
ano, porém, desisti dessa carreira e resolvi abraçar a do Magistério
Secundário, que mais se adaptava ao meu feitio.
Depois de fazer,
no ano imediato, o exame do Curso Complementar de Letras no Liceu de
D. Manuel II, matriculei-me no Curso Superior de Letras, que
constava de três anos com cadeiras obrigatórias para todos os
futuros professores, e de mais um ano de especialização, conforme o
grupo que cada um escolhia: Português e Latim (1.º grupo), Português
e Francês (2.º), Inglês e Alemão (3.º) História e Filosofia (4.º),
História e Geografia (5.º). |
Era isto em 1910. As
aulas, que costumavam abrir em 2 de Outubro, só vieram a iniciar-se no
dia 17, em virtude da visita oficial de Hermes da Fonseca, Presidente
eleito do Brasil, e da revolução que determinou a mudança das
Instituições Políticas.
Foram meus
professores: Teófilo Braga (Literatura Portuguesa); José Maria Rodrigues
(Latim e Filologia Latina); Adolfo Coelho (Filologia Portuguesa,
Pedagogia e Didáctica e História da Pedagogia); José Leite de
Vasconcelos (Filologia Românica); David Lopes (Francês e Literatura
Francesa); Alfredo Apell (Inglês); Gustavo Ramos, antigo aluno (Alemão);
Silva Teles (Geografia); Agostinho Fortes (História Universal); Oliveira
Ramos (História de Portugal); Silva Cordeiro (Filosofia e História da
Filosofia); Queirós Veloso, director (Legislação e Organização do Ensino
Secundário).
Tendo as Faculdades
de Letras de Lisboa e Coimbra, criadas pelo Governo Provisório da
República, começado a funcionar no ano lectivo de 1911-1912, pertencia,
portanto, à última camada dos diplomados pelo Instituto que D. Pedro V
fundara e que aquelas vinham substituir.
Foram de grande
proveito os ensinamentos e a orientação que nos transmitiram aqueles
Mestres, alguns da mais alta categoria intelectual. Os benefícios
recebidos reflectiram-se no ensino, cujos primeiros progressos,
verdadeiro revolução nos métodos docentes, se ficaram devendo aos
diplomados por aquela Escola.
E, para mostrar que
esses benefícios também se fizeram sentir na Literatura, bastará citar
os nomes, admirados e respeitadíssimos, dos seguintes alunos: António do
Prado Coelho, Damião Peres, Fidelino de Figueiredo, Hernâni Cidade,
Vieira de Almeida.
— Quando principiou a interessar-se pela
publicação de textos de autores portugueses? Tenciona prosseguir nesse
labor?
Comecei a minha carreira de professor
no Liceu de Viseu, onde estive desde 16 de Fevereiro a 31 de Outubro de
1916. Transferido para o Liceu de Aveiro, logo esbarrei com uma grande
dificuldade ao ensinar Literatura Portuguesa: a falta de textos de
muitos dos nossos escritores. Ao alcance do estudioso, pouco mais havia
do que os volumes publicados pelo Doutor Mendes dos Remédios na sua
colecção dos «Subsídios /página
30/ para o Estudo da História da Literatura Portuguesa».
Ao pôr em ordem, a
pedido do reitor Álvaro de Eça, a biblioteca do Liceu, nela encontrei as
«Obras Métricas» de D. Francisco Manuel de Melo (1665), que totalmente
eram desconhecidas. Com todo o entusiasmo me entreguei ao estudo da
parte portuguesa e logo me lembrei de organizar um volume de
vulgarização desse autor como poeta, a que pus o título de — «O Poeta
Melodino (D. Francisco Manuel de Melo) — Rimas Portuguesas e
Orações Académicas» —, que a Companhia Portuguesa Editora, do Porto,
me publicou (1921). Trabalho muito pobrezinho, fruto da inexperiência de
um professor que na altura apenas tinha cinco anos de serviço...
No entretanto, ia
condimentando a minha acção docente com a resultante da criação de um
grupo cénico de alunas e alunos, que levaram à cena, em Aveiro e fora de
Aveiro, além de teatro ligeiro, peças de Gil Vicente e cenas do Teatro
de D. Francisco Manuel de Melo e de António José da Silva.
Em 1924, fui
encarregado pelo Doutor Joaquim de Carvalho, administrador da Imprensa
da Universidade, de preparar para publicação o texto da edição príncipe
das Églogas de Rodrigues Lobo, que vieram a ser editadas em 1928.
Entre este ano e o de
1931, organizei para a «Colecção Lusitânia», da Livraria Lelo & Irmão,
do Porto, além do volume intitulado «Poetas do Amor» (Égloga Crisfal, de
Cristóvão Falcão; «Marília de Dirceu», de Tomás António Gonzaga, e
«Folhas Caídas», de Garrett), os volumes relativas a peças de Gil
Vicente, Teatro de Camões, poesias de Sá de Miranda, e «Peregrinação»,
de Fernão Mendes Pinto (excertos).
Em 1940, preparei
para a colecção dos «Clássicos do Estudante», da Livraria Sá da Costa, o
volume dos «Historiadores Alcobacenses», e no ano imediato o volume de
«Poesias» (selecção), de Filinto Elísio, da Colecção de Clássicos Sá da
Costa.
Por ocasião do
primeiro centenário da morte de Almeida Garrett (1954), saiu, na mesma
colecção, o volume das «Viagens na Minha Terra»; e, a seguir, já depois
da minha aposentação, ordenei os quatro volumes das «Obras Completas»,
de António José da Silva, o «Judeu» (1958).
Finalmente, acabam de
ser publicados pela mesma livraria os dois volumes de os «Apólogos
Dialogais», de D. Francisco Manuel de Meio — essa notável obra do famoso
escritor do século XVII, que pouca gente conhece, pois não é vulgar, há
muitos anos, a segunda edição portuguesa, de 1900.
Em resumo: fui
naturalmente levado a contribuir para a vulgarização de obras de autores
portugueses, primeiro por minha própria iniciativa e depois por generosa
incumbência de editores. E assim, qualquer trabalho da mesma natureza
que venha a empreender será, dentre os indicados por casa editora,
aquele para cuja preparação sinto alguma competência.
— Como estudioso da nossa História
Literária, o que se lhe oferece dizer sobre o panorama actual da
Literatura Portuguesa, depois de um rápido confronto com outras épocas
literárias? E que época lhe parece ter sido mais fecunda?
É geralmente sabido
que os períodos de maior relevo da Literatura Portuguesa são o da
Renascença e o do Romantismo e Realismo.
Disse-o lapidarmente
Fidelino de Figueiredo no seu estudo — «Depois de Eça de Queirós
(1900-1933)» —: «Sem a «étape» romântica (1825-1865) e a «étape»
realista (1865-1900), a literatura portuguesa seria essencialmente o seu
século XVI, ainda mais pelo seu cunho nacional extra-clássico, reflexo
da navegação e conquista, que pelo seu acabamento artístico, Gil Vicente
e Camões exceptuados. Não bastariam as suas prioridades no lirismo
peninsular, a criação do auto, alguns líricos italianizantes, a
cooperação na novelística espanhola, a historiografia colonial, os
prosadores do século XVII e a gestação da literatura brasileira para
remontar as letras portuguesas da modesta esfera académica e erudita. Só
os grandes escritores do século XIX a franquearam a todas as correntes
de pensamento e sensibilidade, a fizeram instrumento obediente para
exprimir todas as emoções e ansiedades, todos os problemas de
consciência e prazeres estéticos do homem moderno, que na leitura busca
mais a expansão e a aprendizagem da vida que a erudita interpretação de
passados mortos. — Essa pujança literária do século XIX é um documento
vivo do idealismo português, porque a galeria dos grandes nomes que a
compõem brotou de um meio que não oferecia os estímulos compensadores da
popularidade e a glorificação de uma crítica interpretadora. —... E foi
esta grande literatura — Garrett, Herculano, Camilo, Júlio Dinis, João
de Deus, Antero, Junqueiro, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Ramalho,
Fialho... — a segunda coisa grande que Portugal realizou no século XIX».
Sem embargo da
existência de autênticos valores e da afirmação de cultura da parte da
gente moça, acho ainda cedo para se formular juízo seguro e definitivo
acerca do actual panorama literário, posto em confronto com os acima
apresentados.
— Nunca se sentiu atraído a escrever
obras de ficção?
Como orientador de
grupos cénicos de alunos do Liceu de Aveiro e dado o entusiasmo que
sempre tive pela literatura dramática, vi-me arrastado para a elaboração
de peças ligeiras, destinadas às festas escolares que organizei ou em
que colaborei.
Dessa actividade
resultaram bastantes composições, umas que raparigas e rapazes do Liceu
/página 32/ exibiram
— algumas levadas à cena por organizações escolares de fora de Aveiro —;
outras, ligeiras ou de intuitos mais ambiciosos, que não sei se têm
algum valor artístico, pois só a ribalta e o público o poderiam
averiguar... Uma dessas produções é um episódio dramático que se prende
à execução de Gravito e doutros liberais, após a repressão da revolta de
Aveiro contra D. Miguel, em 1828, outra, um drama rústico em três actos,
no qual se patenteia a miséria a que pela avareza é levado um lavrador
rico.
Tenciono publicar,
talvez só para amigos e antigos intérpretes de peças minhas, um pequeno
volume com algumas das mais típicas produções desse Teatro de amador, já
exibidas, ou apenas lançadas ao papel.
— Tem, a respeito de gramáticos e de
bibliógrafos, o desdém manifestado por muitos escritores, ou acha-os
merecedores da nossa estima?
São já muito antigas
as diatribes contra os gramáticos; mas, afinal, não é propriamente
contra eles que os ataques se dirigem, pois não há ninguém, embora
avesso a regras, que não reconheça a necessidade de se observarem,
quando se fala ou escreve, certas normas de linguagem. Os ataques visam
a maneira como muitos professores ensinam a gramática: obrigando os
alunos a decorar todas as regras; não admitindo que se afastem do que o
compêndio regista; considerando, em suma, a gramático, não como meio,
mas como fim.
Justificam-se tais
críticas e censuras, porquanto a boa pedagogia exige que as regras
gramaticais se fixem praticamente, isto é, durante a leitura e
interpretação dos bons autores, e que a gramática não seja mais que
livro de consulta.
Considero como
beneméritos e merecem-me, portanto, todo o respeito e admiração os bons
gramáticos e demais linguistas, — que os tivemos desde os primeiros,
Fernão de Oliveira e João de Barros, do século XVI, até à actualidade.
Igualmente beneméritos são todos quantos nos dão ensinamentos acerca de
bibliografia, antiga e moderna, como, entre nós, Diogo Barbosa Machado,
autor da Biblioteca Lusitana (séc. XVIII), e Inocência Francisco da
Silva, organizador do Dicionário Bibliográfico Português (séc. XIX), que
Brito Aranha actualizou. |