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Artes - Letras - Ciências
Suplemento do n.º 271 do "Litoral"
Dezembro de 1959, Ano I, n.º 4
pág. 20

 

UMA    EXPOSIÇÃO    DE    MONOTIPIAS

de

EMANUEL MACEDO
e
JOSÉ PARADELA

no

ILLIABUM CLUBE


S
em favor, Ílhavo é uma terra de marujos e, talvez paradoxalmente, de artistas. Tornou-se consabido que grande parte da sua gente anda sôbolas águas do mar, embora passe um tanto despercebido o gosto com que ela se dá a percorrer os caminhos arejados e arejantes da Arte e da Cultura.

Para ilustrar a tese, ser-nos-ia fácil arrolar boa mão-cheia de pintores, escultores e ilustradores, de ensaístas, jornalistas e poetas. Isto, independentemente ainda de inumeráveis artífices-artistas cerâmicos, tão fartos de talento como condenados a doloroso anonimato... Desta maré-alta de sensibilidade que estua permanentemente na terra dos ílhavos, emergiram agora mais dois valores, ou, concretizando melhor, dois jovens que são valores autênticos — Emanuel Macedo e José Paradela. Rondando, qualquer deles, os vinte anos, apareceram discretamente, para não dizer timidamente, nas salas do Illiabum Clube. E falamos de tal sorte porque nem se deram à canseira de editar um modestinho catálogo... Para cúmulo, computaram as monotipias expostas — cerca de meia centena — em quantias assaz irrisórias.

Claro se torna que a Arte, pão para o espírito, deve ser, como o pão para a boca, acessível à bolsa de todos. Modelado no mesmíssimo barro, humilde e glorioso, ao Homem cabem, é mister que caibam, fatias de cada um deles.., O genial Abel Salazar, por exemplo, assim pensava, vendendo a preços populares, nos certames a que concorria, os seus desenhos e óleos, metais e guachos, esculturas e águas-fortes.

Mal aquilatando dos próprios méritos e surgindo, como dissemos, só por aparecer, José Paradela e Emanuel Macedo sujeitaram-se a que passasse despercebida a sua exposição. Há asas que se libram sem que ninguém delas dê fé... O público, felizmente, atentou no certame, principiou a afluir, de começo por mera curiosidade, logo em seguida com insofismável interesse.

Desprovido embora de frequentes manifestações culturais e artísticas, susceptíveis de lhe inocularem espírito crítico, o Povo como que possui o instinto supremo de adivinhar onde mora a beleza e onde reside o mau gosto... Postas estas atinentes divagações, cumpre-nos aludir à obra de cada um dos expositores, na certeza de que, tendo aparecido de braço-dado, denotam contudo personalidades bem diferenciadas.

Paradela, aluno do primeiro ano de arquitectura e ceramista autodidacta é, quiçá, menos abstractivo do que figurativo, precisamente ao invés de Macedo, que jamais frequentou qualquer escola de pintura. Mas se, nos trabalhos deste, o Homem, do qual os artistas nunca se devem afastar em demasia, está mais vezes ausente, alguns angustiantes problemas humanos dos nossos dias são trazidos ali à flor do papel...

Em 1950, salvo erro, Germaine Joumard, ao expor pintura de tema nuclear, despertou, em Paris, vivas e compreensíveis atenções. Um crítico — Robert Kemp — foi ao ponto de a dizer, então, «visionária do invisível». Não vimos o certame, como Macedo, que contava então apenas dez ou onze anos, o não viu... A verdade, porém, é que os bons espíritos se encontram e o jovem ilhavense soube colocar-nos, ele também, diante de mundos sonhados, ou entressonhados, de mundos espaciais, sem nos deixar inclusivamente de pôr frente aos olhos, numa visão de autêntico pesadelo, as terrificantes explosões atómicas.

 

Implicitamente, há transbordante humanidade nos trabalhos dos dois artistas, onde o desenho de assinalável ritmo se casa à música das cores, a poesia anda enaipada com o real... Nestes aspectos, a raiz artística mostra-se comum, talvez influenciada pelo mesmo solo ilhavense. Poderá redarguir-se, sem dúvida, que Paradela é sobretudo pintor de superfícies, aliás sem superficialidades, e que Macedo possui o culto dos volumes. Mas isto será de somenos, dado meios diferentes propiciarem não raro a consecução de idênticos fins.

Pena é que o Museu de Ílhavo, possuidor de maravilhoso recheio, não permita, instalado como está em prédio exíguo e impróprio, a recolha de trabalhos destes e doutros destacados artistas locais. Mas esse é outro problema, magno problema de índole regional e até nacional. O que importava por hoje, e isso fizemos, era noticiar pura e simplesmente uma espécie de dupla aleluia artística.

João Sarabando

EM CIMA - «Semântica do amarelo e encarnado», de José Paradela.
EM BAIXO -
«Daflamagração» de Emanuel Macedo

 

As imagens têm voz Entrevista com Mário Braga Correspondência dos Leitores Três Poemas de William Carlos Williams Rodolfo da Cantuária Crítica literária Carta a Mário Sacramento Considerações gerais sobre "factos" Carta a Luís Francisco Rebello Uma exposição de monotipias de Emanuel Macedo e José Paradela Digesto de Notícias Lembrança de Raul Brandão Ilusões (conto) Entrevista com o Dr. José Pereira Tavares Concerto do Silêncio (crónica) Do infinitamente pequeno ao infinitamente grande Poemas EscamasAsas cortadas Fac-símiles

 

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