Acesso à página inicial.

Artes - Letras - Ciências
Suplemento do n.º 271 do "Litoral"
Dezembro de 1959, Ano I, n.º 4
págs. 11 e 12

 

crítica crítica crítica crítica crítica

 

ONDE A NOITE SE ACABA
de
José Rodrigues Miguéis

Embora desconhecida do grande público, esta admirável colectânea reproduz com pequenas alterações, uma edição que se fez no Brasil em 1946. O leitor médio, que apenas tomou um contacto mais ansioso com o escritor depois da atribuição do «Prémio Camilo Castelo Branco», facilmente localizará em «Onde a Noite se Acaba» todos os caracteres definidores da arte de Miguéis — incluindo certa variedade temática e formal que, ao invés de propiciar conclusões dissonantes, permite uma globalizada compreensão da maleabilidade, da pujança, do cosmopolitismo do autor. «Enigma» — o primeiro conto e um dos pontos altos do livro — contém, nas suas breves páginas, todo o virtuosismo dum narrador de histórias por excelência, consabidamente servido por um estilo de raiz queiroziana, mas irmanando-se, na técnica evolucionada e sedutora, aos maiores mestres da «short-story» universal. Paradoxalmente, as influências descortináveis em Rodrigues Miguéis — influências que adquirem um curioso cunho deambulatório, pululante, des­pontando aqui para se extinguirem acolá e reaparecerem mais além — determinaram uma validez pessoal que sempre se destaca do seu heterogéneo substrato; e não impedem que situações e personagens venham manobradas com uma agilidade e beleza que, dizemo-lo convictamente, não têm par em quanto conhecemos no actual panorama da nossa ficção. Realizações tão diferentes como «Cinzas de Incêndio» — vigoroso conflito onde a consciência do dever comum se opõe ao intenso fascínio do sonho individual — e «Acidente», — dramatização poderosa e sintética dum caso de rua — denunciam uma força narrativa exuberante, corredia, que pode ambientar-se diversamente sem perder nada de si própria. Numa época timbrada pelo fluxo desigual de umas tantas correntes — e até, de algum modo, como resultante dessa época... — R. M. aparece a comprovar um fenómeno quase cíclico. Emergindo do turbilhonar das ideias, do torvelinho das ambições e da confusão estética, é o talento essencial que vincadamente se afirma. Editorial Estádios (Colecção Latitude) — Lisboa. J. M. L

 

TANTA GENTE MARIANA...
de
Maria Judite de Carvalho

Muito raro acontece verificarmos na estrela dum escritor a afirmação duma origi­nalidade artística tão vincada e tão seguramente realizada como nesta primeira obra de Maria Judite de Carvalho. Se na maior parte das vezes o que estamos habituados a observar é a tentativa fracassada do principiante logrado pelas pri­meiras emoções — facto que tem grande número de origens em desregramentos só permitidos em épocas como a nossa: a protecção aos génios precoces, o culto das capelinhas, o descaro publicitário — precisamente o oposto acaba de suceder com esta autora. E a verdade é que tal facto além de conferir-lhe um cunho de seriedade, pode abonar-lhe as proporções dum caso singular. Com trinta e tal anos de idade, à boa maneira dum Anatole, só agora Maria Judite de Carvalho achou ser tempo de demonstrar os resultados duma experiência, decerto de tanto labor como de tão longo amadurecimento. E assim, a par duma marca estilística, duma segurança de técnica, dum poder de penetração e de comunicabilidade emo­cional, está a revelação dum domínio sobre fórmulas e especulações ainda não exploradas, numa obra suficiente para lhe garantir entre os nomes principais da nossa literatura contemporânea, um relevante lugar. Tratando-se apenas de uma recolha de contos, mas onde uma estrutura ideológica se define arrojadamente, e onde o tema da solidão humana é tratado com exaustão — «Tanta Gente, Mariana…» — encerra a força bastante para levar a celebridade dum nome a qualquer época e latitude, ainda que houvesse de ficar, numa bibliografia da autora, tão solitária como o soneto de Arvers... Editora Arcádia, L.da. J. C.

 

O LUGRE
de
Bernardo Santareno

O teor insaciado das muitas críticas produzidas, até hoje, à volta de Bernardo Santareno, não está longe de conduzir a um raciocínio definitivo: o de que o jovem dramaturgo, senhor duma potencialidade criadora que rejeita os valores formais estabelecidos, acabará por conquistar o lugar que merece. Em «O Lugre», Santareno mantém todas as virtudes anteriormente reveladas — e que não são poucas —: o mesmo lineamento extremamente dúctil, a mesma violência nimbada de poesia, o diálogo que transcende a sua faceta popular intrínseca em razão dum natural e formosíssimo sentido imagístico. A introdução do Mar como fulcro do conteúdo dramático parece resultar num gigantismo épico que supera o escopo originário, fornecendo, aprioristicamente, a indicação de que tudo se dilui numa carência de limites; atente-se, porém, na circunstância da viagem do lugre corresponder a uma autenticidade que, sobrepondo-se às vulgares e aferidas trasladações dimensionais do real, se concretizará por símbolos agudamente vivos. Esta necessidade de síntese sem perda de vigor, satisfá-la Bernardo Santareno com ânsia incontrolada, desfibrando o conflito numa sequência de episódios saturados de trágica exacerbação; e daí afigurar-se-nos que a epopeia, desmedida na garra avassa­lante dos seus trâmites, se frustra pela própria natureza exígua da explanação teatral. Tanto não nos priva de reafirmar, contudo, que a B. S. trilha uma senda capaz de rasgar consoladores horizontes à modorrenta dramaturgia portuguesa. Já o provou suficiente­mente, mau grado as restrições que se devem pôr à sua genialidade ainda em vias de maturação, e outras que acintosamente lhe inventam determinados corifeus da maledicência tipografada... Edições Ática — Lisboa. - J. M. L.

 /página 12/

ENTRE O PAVOR E A ESPERANÇA
de
Loys Masson

Entre o Pavor e a Esperança é um livro de pesadelo. Loys Masson conta-nos a história de dois grupos de jovens condenados (um grupo de homens, outro de mulheres) transportados para uma ilha deserta e separados durante meses por barreira de arame farpado guardada por carcereiros já próximos da senilidade. Durante o período de preparação destas cobaias humanas, o desejo atormenta-os até ao desespero. Mas a barreira só poderá ser destruída depois de conspurcados pela nuvem silenciosa da poeira radioactiva. Eles foram escolhidos precisamente para procriar os monstros que permitirão o estudo dos efeitos genéticos trazidos pelas bombas atómicas. Além de incontestável actualidade, esta obra, escrita com desespero, é servida por uma di­mensão poética invulgar. Edição de Publicações Europa-América, de Lisboa. V. B.

 

UMA FENDA NA MURALHA
de
Alves Redol

Com o aparecimento de Gaibéus, Alves Redol lançaria um grito de renovação na vida literária portuguesa em face à literatura da época. Escritor de admi­ráveis méritos e possuidor de uma forte concepção humanista, tem vindo, desde então, a impor-se através de uma obra intensa em que se ressalva o seu poder criador, a sua fidelidade ao movimento literário que iniciou, em romance, e, a sua lealdade aos problemas humanos. E assim, com «UMA FENDA NA MURALHA», Alves Redol vem confirmar as suas qualidades de romancista, já na sua maturidade, debruçado sobre a vida, desde há muito justamente consagrado, com 300 páginas duma descrição empolgante e de grande tensão dramática que não contém apenas «uma análise do medo em oito homens diferentes — desde os que dominam aos que são tomados de pânico» — mas, também, os problemas dos homens do mar, do nosso litoral, num documento vibrante de humanidade para além do interesse pitoresco e turístico com que a vida desses homens fica ofuscada. Colecção Contemporânea — Portugália Editora-Lisboa. A. S.

 

 

A CIÊNCIA ATÓMICA E A HISTÓRIA DO MUNDO
de
Alberto Ducrocq

O livro A Ciência Atómica e a História do Mundo, de Albert Ducrocq, foi agora traduzido por Alberto Candeias para a Enciclopédia LBL. Trata-se de uma obra impor­tante de divulgação, escrita com notável simplicidade, o que realmente é raro, por um especialista em física-electrónica e cibernética. Através das páginas deste trabalho, assistimos à elaboração do calendário geológico, auxiliada, hoje, por métodos e técnicas novas, mas, às vezes, coincidentes com outras ultrapassadas. Capítulos dignos de nota os que se referem à atribuição de datas pelo carbono 14, à dendrocronologia, à geocronologia. Edição de Livros do Brasil, de Lisboa. V. B.

 

O CAIS DAS COLUNAS
de
Tomaz Ribas

Embora desconheçamos o restante da obra do autor, temos a impressão de que O CAIS DAS COLUNAS, saído agora na apreciada «Colecção Autores Portugueses», da Arcádia, não acrescentará grande coisa ao seu valor global, mas também não desmerecerá. Apesar de não concordarmos com as sucessivas repetições de frases que o autor adopta, não há dúvida que Tomás Ribas tem o seu estilo e escreve bem. Algumas das personagens do romance estão, psicologicamente, muito verdadeiras. O autor dá-lhes uma emoção que nem uma ligeira quebra de ritmo, na segunda parte do romance, consegue roubar. A acção decorre nos primórdios da última Grande Guerra, focando um problema actualíssimo: a inconformidade duma juventude, vítima dos erros alheios. É um livro que merece ser lido. A capa muito sugestiva e atraente é da autoria do arquitecto Vítor Palla. - P. da S.

 

LUÍS DE CAMÕES
de
A
ntónio José Saraiva

No prosseguimento de uma obra de investigação histórico-literária, que é a mais notável entre nós feita depois da de Teófilo Braga, António José Saraiva acaba de nos dar o seu ponto de vista sobre Camões, através dum ensaio, que uma antologia completa, em que uma nova luz incide sobre alguns dos mais obscuros problemas camonianos. Como é de regra em todas as obras de Saraiva, a riqueza e a profundidade deste livro não perturbam a clareza e a simplicidade da exposição, acessíveis a qualquer um, o que é um dos raros dons do seu autor, que tomou a sua História da Literatura Portuguesa um dos livros mais populares e mais meditados, no género, em Portugal e no Brasil. Colecção Saber, Publicações Europa-América. - M. S.

 

As imagens têm voz Entrevista com Mário Braga Correspondência dos Leitores Três Poemas de William Carlos Williams Rodolfo da Cantuária Crítica literária Carta a Mário Sacramento Considerações gerais sobre "factos" Carta a Luís Francisco Rebello Uma exposição de monotipias de Emanuel Macedo e José Paradela Digesto de Notícias Lembrança de Raul Brandão Ilusões (conto) Entrevista com o Dr. José Pereira Tavares Concerto do Silêncio (crónica) Do infinitamente pequeno ao infinitamente grande Poemas EscamasAsas cortadas Fac-símiles

 

Página anterior Página inicial Página seguinte