ONDE A
NOITE SE ACABA
de
José Rodrigues Miguéis
Embora desconhecida do grande público,
esta admirável colectânea reproduz com pequenas alterações, uma edição
que se fez no Brasil em 1946. O leitor médio, que apenas tomou um
contacto mais ansioso com o escritor depois da atribuição do «Prémio
Camilo Castelo Branco», facilmente localizará em «Onde a Noite se Acaba»
todos os caracteres definidores da arte de Miguéis — incluindo certa
variedade temática e formal que, ao invés de propiciar conclusões
dissonantes, permite uma globalizada compreensão da maleabilidade, da
pujança, do cosmopolitismo do autor. «Enigma» — o primeiro conto e um
dos pontos altos do livro — contém, nas suas breves páginas, todo o
virtuosismo dum narrador de histórias por excelência, consabidamente
servido por um estilo de raiz queiroziana, mas irmanando-se, na técnica
evolucionada e sedutora, aos maiores mestres da «short-story» universal.
Paradoxalmente, as influências descortináveis em Rodrigues Miguéis —
influências que adquirem um curioso cunho deambulatório, pululante,
despontando aqui para se extinguirem acolá e reaparecerem mais além —
determinaram uma validez pessoal que sempre se destaca do seu
heterogéneo substrato; e não impedem que situações e personagens venham
manobradas com uma agilidade e beleza que, dizemo-lo convictamente, não
têm par em quanto conhecemos no actual panorama da nossa ficção.
Realizações tão diferentes como «Cinzas de Incêndio» — vigoroso conflito
onde a consciência do dever comum se opõe ao intenso fascínio do sonho
individual — e «Acidente», — dramatização poderosa e sintética dum caso
de rua — denunciam uma força narrativa exuberante, corredia, que pode
ambientar-se diversamente sem perder nada de si própria. Numa época
timbrada pelo fluxo desigual de umas tantas correntes — e até, de algum
modo, como resultante dessa época... — R. M. aparece a comprovar um
fenómeno quase cíclico. Emergindo do turbilhonar das ideias, do
torvelinho das ambições e da confusão estética, é o talento essencial
que vincadamente se afirma. —
Editorial Estádios (Colecção Latitude) — Lisboa. J. M. L
TANTA
GENTE MARIANA...
de
Maria Judite de Carvalho
Muito raro acontece verificarmos na
estrela dum escritor a afirmação duma originalidade artística tão
vincada e tão seguramente realizada como nesta primeira obra de Maria
Judite de Carvalho. Se na maior parte das vezes o que estamos habituados
a observar é a tentativa fracassada do principiante logrado pelas
primeiras emoções — facto que tem grande número de origens em
desregramentos só permitidos em épocas como a nossa: a protecção aos
génios precoces, o culto das capelinhas, o descaro publicitário —
precisamente o oposto acaba de suceder com esta autora. E a verdade é
que tal facto além de conferir-lhe um cunho de seriedade, pode
abonar-lhe as proporções dum caso singular. Com trinta e tal anos de
idade, à boa maneira dum Anatole, só agora Maria Judite de Carvalho
achou ser tempo de demonstrar os resultados duma experiência, decerto de
tanto labor como de tão longo amadurecimento. E assim, a par duma marca
estilística, duma segurança de técnica, dum poder de penetração e de
comunicabilidade emocional, está a revelação dum domínio sobre fórmulas
e especulações ainda não exploradas, numa obra suficiente para lhe
garantir entre os nomes principais da nossa literatura contemporânea, um
relevante lugar. Tratando-se apenas de uma recolha de contos, mas onde
uma estrutura ideológica se define arrojadamente, e onde o tema da
solidão humana é tratado com exaustão — «Tanta Gente, Mariana…» —
encerra a força bastante para levar a celebridade dum nome a qualquer
época e latitude, ainda que houvesse de ficar, numa bibliografia da
autora, tão solitária como o soneto de Arvers... Editora Arcádia, L.da.
J. C.
O
LUGRE
de
Bernardo Santareno
O teor insaciado das muitas críticas
produzidas, até hoje, à volta de Bernardo Santareno, não está longe de
conduzir a um raciocínio definitivo: o de que o jovem dramaturgo, senhor
duma potencialidade criadora que rejeita os valores formais
estabelecidos, acabará por conquistar o lugar que merece. Em «O Lugre»,
Santareno mantém todas as virtudes anteriormente reveladas — e que não
são poucas —: o mesmo lineamento extremamente dúctil, a mesma violência
nimbada de poesia, o diálogo que transcende a sua faceta popular
intrínseca em razão dum natural e formosíssimo sentido imagístico. A
introdução do Mar como fulcro do conteúdo dramático parece resultar num
gigantismo épico que supera o escopo originário, fornecendo,
aprioristicamente, a indicação de que tudo se dilui numa carência de
limites; atente-se, porém, na circunstância da viagem do lugre
corresponder a uma autenticidade que, sobrepondo-se às vulgares e
aferidas trasladações dimensionais do real, se concretizará por símbolos
agudamente vivos. Esta necessidade de síntese sem perda de vigor,
satisfá-la Bernardo Santareno com ânsia incontrolada, desfibrando o
conflito numa sequência de episódios saturados de trágica exacerbação; e
daí afigurar-se-nos que a epopeia, desmedida na garra avassalante dos
seus trâmites, se frustra pela própria natureza exígua da explanação
teatral. Tanto não nos priva de reafirmar, contudo, que a B. S. trilha
uma senda capaz de rasgar consoladores horizontes à modorrenta
dramaturgia portuguesa. Já o provou suficientemente, mau grado as
restrições que se devem pôr à sua genialidade ainda em vias de
maturação, e outras que acintosamente lhe inventam determinados corifeus
da maledicência tipografada... Edições Ática — Lisboa. - J. M. L.
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ENTRE
O PAVOR E A ESPERANÇA
de
Loys Masson
Entre o Pavor e a Esperança
é um livro de pesadelo. Loys Masson conta-nos a história de dois grupos
de jovens condenados (um grupo de homens, outro de mulheres)
transportados para uma ilha deserta e separados durante meses por
barreira de arame farpado guardada por carcereiros já próximos da
senilidade. Durante o período de preparação destas cobaias humanas, o
desejo atormenta-os até ao desespero. Mas a barreira só poderá ser
destruída depois de conspurcados pela nuvem silenciosa da poeira
radioactiva. Eles foram escolhidos precisamente para procriar os
monstros que permitirão o estudo dos efeitos genéticos trazidos pelas
bombas atómicas. Além de incontestável actualidade, esta obra, escrita
com desespero, é servida por uma dimensão poética invulgar. Edição de
Publicações Europa-América, de Lisboa. V. B.
UMA
FENDA NA MURALHA
de
Alves Redol
Com o aparecimento de Gaibéus, Alves
Redol lançaria um grito de renovação na vida literária portuguesa em
face à literatura da época. Escritor de admiráveis méritos e possuidor
de uma forte concepção humanista, tem vindo, desde então, a impor-se
através de uma obra intensa em que se ressalva o seu poder criador, a
sua fidelidade ao movimento literário que iniciou, em romance, e, a sua
lealdade aos problemas humanos. E assim, com «UMA FENDA NA MURALHA»,
Alves Redol vem confirmar as suas qualidades de romancista, já na sua
maturidade, debruçado sobre a vida, desde há muito justamente
consagrado, com 300 páginas duma descrição empolgante e de grande tensão
dramática que não contém apenas «uma análise do medo em oito homens
diferentes — desde os que dominam aos que são tomados de pânico» — mas,
também, os problemas dos homens do mar, do nosso litoral, num documento
vibrante de humanidade para além do interesse pitoresco e turístico com
que a vida desses homens fica ofuscada. Colecção Contemporânea —
Portugália Editora-Lisboa. A. S.
A
CIÊNCIA ATÓMICA E A HISTÓRIA DO MUNDO
de
Alberto Ducrocq
O livro A Ciência Atómica e a
História do Mundo, de Albert Ducrocq, foi agora traduzido por
Alberto Candeias para a Enciclopédia LBL. Trata-se de uma obra
importante de divulgação, escrita com notável simplicidade, o que
realmente é raro, por um especialista em física-electrónica e
cibernética. Através das páginas deste trabalho, assistimos à elaboração
do calendário geológico, auxiliada, hoje, por métodos e técnicas novas,
mas, às vezes, coincidentes com outras ultrapassadas. Capítulos dignos
de nota os que se referem à atribuição de datas pelo carbono 14, à
dendrocronologia, à geocronologia. Edição de Livros do Brasil, de
Lisboa. V. B.
O CAIS
DAS COLUNAS
de
Tomaz Ribas
Embora desconheçamos o restante da obra
do autor, temos a impressão de que O CAIS DAS COLUNAS, saído agora na
apreciada «Colecção Autores Portugueses», da Arcádia, não acrescentará
grande coisa ao seu valor global, mas também não desmerecerá. Apesar de
não concordarmos com as sucessivas repetições de frases que o autor
adopta, não há dúvida que Tomás Ribas tem o seu estilo e escreve bem.
Algumas das personagens do romance estão, psicologicamente, muito
verdadeiras. O autor dá-lhes uma emoção que nem uma ligeira quebra de
ritmo, na segunda parte do romance, consegue roubar. A acção decorre nos
primórdios da última Grande Guerra, focando um problema actualíssimo: a
inconformidade duma juventude, vítima dos erros alheios. É um livro que
merece ser lido. A capa muito sugestiva e atraente é da autoria do
arquitecto Vítor Palla. - P. da S.
LUÍS
DE CAMÕES
de
António José Saraiva
No prosseguimento de uma obra de
investigação histórico-literária, que é a mais notável entre nós feita
depois da de Teófilo Braga, António José Saraiva acaba de nos dar o seu
ponto de vista sobre Camões, através dum ensaio, que uma antologia
completa, em que uma nova luz incide sobre alguns dos mais obscuros
problemas camonianos. Como é de regra em todas as obras de Saraiva, a
riqueza e a profundidade deste livro não perturbam a clareza e a
simplicidade da exposição, acessíveis a qualquer um, o que é um dos
raros dons do seu autor, que tomou a sua História da Literatura
Portuguesa um dos livros mais populares e mais meditados, no género,
em Portugal e no Brasil. Colecção Saber, Publicações
Europa-América. - M. S. |