Registos ou
Registros, ou Resistos, Maquinetas, Lapelas, Saudades,
Santinhos, Lâminas, Caixinhas, Medalhas, tantos nomes
para designar um trabalho com carácter popular ou
erudito, onde os materiais são sempre sobras ou
aproveitamentos, que vão dos pequenos papelinhos e
pratinhas até aos riquíssimos paramentos bordados a
ouro e prata.
Um Registo
implica acção, por isso, quando se realiza um Registo,
marca-se uma lembrança, factos especiais ou uma
devoção. Foram e devem ser feitos por devoção
própria ou de outrem que os pedem aos mais habilidosos,
sempre agradecendo auxílios implorados, vazando no
Homem o retrato fiel da eterna e mítica carência do
Divino. A maior parte destas pequenas obras obriga-nos a
reparar que existe sempre uma intenção escondida,
inquieta-nos num acto de vigília que sai do Homem para
o Divino e vice-versa.
Importante
será sublinhar que considero que a minha pesquisa, nos
supracitados assuntos, conseguiu alcançar algumas metas
de certo valor. Concluí ter encontrado Registos
apelidados forçosamente de Religiosos (reflexos de
devoção religiosa e amor espiritual), e outros que os
quero designar como Registos não Religiosos (reflexos
de amor terreno).
Antes de passar
à minha designação das espécies e seus respectivos
géneros, estrutura taxológica ou classificação,
aconselho todos os que se interessam por esta matéria a
não ficarem pelo que os livros dizem, pois só dessa
forma me poderão compreender em relação às divisões
classificativas que estipulei. Visitem museus, falem com
quem ainda possa transmitir saberes de antanho e
analisem as razões das formas e materiais.
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Facilitou-me
já ter alguma fundamentação genérica vinda de
Escola. Durante os estudos universitários, pude
constatar que o trabalho criativo é sempre uma
tentativa de fazer "transpirar" emoções das
obras. Um efeito técnico, por si só, tem um valor
relativo se não for portador de conteúdo/mensagem. Por
isso, fui sempre tentado a descobrir o que a natureza me
devolve, a subjectividade perturbadora da cor, as
pessoas que me escutam atentamente e o mar que me
rodeia. As obras, quando ainda estão nas mãos dos
criadores, são sempre segredos à espera de quem os
consiga desvendar, ou mesmo o desejo de mãos
desavergonhadas que marcam encontro com formas e
volumes. Não é só o desejo de retratar a face certa
de nós, mas também um jogo de comunicação num
esconde-esconde de prazer e desafio. Aqui, os restauros
de trabalhos degradados são sempre pérolas que me
deliciam os sentidos.
Tento fazer os
meus trabalhos de uma maneira pensada e rigorosa, para
apresentarem um conjunto de formas, que vão do plano à
estrutura volumosa e saliente, com linhas e texturas
várias. Assim, chamam a atenção do leitor para se
deixarem levar no jogo de elementos que referenciam as
devoções, provocando contrastes ou harmonias nas
formas e nas cores com ou sem ligação. A temática dos
elementos leva-nos sempre a reflectir sobre os caminhos
que o Homem percorreu e percorre, para chegar tanto ao
"mais alto e sublime" como ao mais "baixo
e profundo". E creio que tudo isto está bem
patente em todos os trabalhos por mim realizados, desde
Tapeçarias aos Registos, dos Acrílicos às Flores, da
Colagem à Cenografia, da Coreografia à Encenação.
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Há Registos
que são referência de determinados locais, tais como
os de Marvão, feitos em pele de castanha e que se
chamam "Saudades" ou "Memórias"
pois a sua feitura teve como base uma fotografia de um
ente querido. Como não possuem qualquer referência
religiosa, julgo ser mais acertado incluí-los nos
"não Religiosos". Os de Ílhavo, pelo
contrário, são feitos em caixas de vidro com uma
figura religiosa envolvida em conchas que o mar nos dá,
e pinturas como agradecimento de promessas feitas. A
"Caixa dos Amores" é um caso especial de
Registo não Religioso. Refiro-me a uma caixa de
madeira, composta por duas partes octogonais e
diferentes na decoração interior. São unidas por
dobradiças de metal. Os fundos são decorados com
material vindo do mar, a gosto do artesão. Uma das duas
partes, tem sempre um coração no meio das outras
formas. Eram feitas por marinheiros Ilhavenses, no alto
mar ou em terra. Separavam-na, para levarem só uma
parte quando partiam de viagem, deixando a outra metade
a um familiar, pelo que as duas partes da caixa só se
uniam, só se voltavam a encontrar, aquando do regresso
dos marinheiros. A única referência em relação à
religiosidade, da qual não possuo provas, está ligada
ao testemunho das pessoas mais idosas que, em conversa,
me disseram ser usual oferecer esta caixa ao Senhor
Jesus dos Navegantes de Ílhavo (como ex-voto), quando a
safra ou a viagem eram coroadas de verdadeira fartura de
pesca e saúde. Este era um objecto adorado e de
contemplação, com um simbolismo afectivo forte, por
parte de quem a possuía (quantas vezes se ficava pela
metade, ficando a ser o que restava de alguém...).
Há Registos
que eram usados como insígnias dos Círios, grupos de
peregrinos, ou como uma identificação conferida ao seu
portador num lugar hierárquico no funcionamento de uma
Festividade ou Romaria. São as chamadas
"Medalhas" que eram usadas pelos Festeiros e
respectivas famílias e também pelo Fogueteiro nalgumas
regiões do Ribatejo. Estas composições religiosas,
com fantasias decorativas mais ou menos rebuscadas,
comportavam sempre características estéticas do local
ou das pessoas que a confeccionavam. Sabe-se que alguns
Registos correspondiam à necessidade de confrarias,
irmandades, mordomos e devotos, para angariarem verbas
para o culto do santo exposto no registo. Neste caso, o
registo era trocado no peditório antes e durante a
festa. Quem adquirisse um Registo testemunhava a sua
devoção, o que lhe traria um contacto quotidiano com o
significado da imagem. Os Registos eram entendidos como
objectos que patenteavam as indulgências que ganhavam,
quem os possuía. Aplicavam-se (ainda hoje) conforme a
sua estrutura de execução. Usavam-se como simples
recordação que se guardava, como um marcador de livros
devocionais, como um suporte principal para decorar um
oratório, nas bandeiras dos círios, ao peito bem
presos no vestuário de confrades, peregrinos ou dos
pescadores, como o era em Ílhavo.
Símbolo
carismático de oração em determinadas partes da casa,
(em ricas salas e quartos de casas abastadas, ou na
cozinha como os da aldeia do Pego), era ou é, sempre,
um objecto de personalidade inalienável, mediadora
entre o Céu e a Terra, ouvinte de súplicas a
interceder pelos Homens junto do Divino.
No entanto, é
imperioso lembrarmos que os Registos não têm um
nascimento datado e específico. Existem alguns do Séc.
XVI que se apresentam feitos a partir de pequenas
figuras ou altos-relevos de carácter religioso e em
cera pura. Quem sabe quando se começaram a fazer? Uma
Pintura Rupestre não será um Registo? Porém, não me
interessa unicamente a execução de trabalhos só
dentro dos contextos culturais da sua proveniência, e
quem conhece o meu trabalho certamente o sabe. Teria
limitações se assim fosse, e um criador não gosta
muito de limites. Sempre se fizeram Registos em muitas
terras, e essas habilidades nasceram porventura em
conventos de amor e dedicação. E Ílhavo não fugiu à
regra: Em Abril de 1876, Ílhavo foi a terra escolhida,
em Portugal, pelas primeiras Franciscanas Missionárias
de Nossa Senhora. Foi nesta terra de gentes do mar que a
Congregação fundou, de raiz, em Portugal, a primeira
casa, onde funcionou o Noviciado e uma escola onde era
ministrada gratuitamente a educação a meninas,
sobremaneira filhas de pescadores. Poucas peças destas
obreiras chegaram até aos nossos dias ... Todavia,
coube-me a mim a herança feliz de ter conhecido
"resultados" da sua missão em Ílhavo. Agora,
crio e recrio outras composições e formas, incluindo
as minhas colagens a que chamei PROMESSAS, destinados a
novos contextos para outras leituras, desviando-me de um
perfil técnico fixo, ancestral, sem desrespeitar os
grandes valores do passado. Tento ser criterioso na
escolha de materiais, formas, imagens, sem descuidar as
técnicas de desenho, recorte, colagem, modelagem,
vincagem e bordado. Continuo a (re)criá-los... umas
vezes fiel a referências específicas, outras
personalizando as obras com formas, materiais, técnicas
e estéticas novas. Penso estar em constante procura de
vida que sinto em cada pedaço realizado, ultrapassando
o que em mim é vulnerável, frágil e doloroso, estando
sempre a ser alertado, implacavelmente, para querer
"ser e estar na vida" com amor. Procuro sempre
que os meus registos sejam jogos perturbantes de
comunicação num prazer e desafio de conteúdo.
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