Permitam-me que
lembre algumas “dicas” sobre este território já de
cabelos brancos, mas em rejuvenescimento permanente, que
foram pronunciadas por celebridades:
● Platão
afirmou, um dia, que “o filósofo tagarela com o bico
no ar”;
● Marx
dizia que “o homem vulgar pensa que não diz nada de
extraordinário, quando afirma que as maçãs e as
pêras existem. Ora, o filósofo, ao exprimir essa
existência de forma especulativa, disse algo de
extraordinário. Fez um milagre”;
● O ”filósofo,
para as elites, é um comerciante de sono”, dizia
Alain.
●
Nietzche afirmava: ”o padre despadrado, o filósofo”;
● “A
filosofia continuará a ser por muito mais tempo, ainda,
um labor feminino, um bordado de solteirona estéril?”,
afirmava Paul Nizan (filosofia chique);
● E
Montesquieu avançava com esta: “ex-traordinário que
qualquer sistema filosófico assente nestas três
palavras: «estou-me nas tintas»”;
● “Poderemos
resumir toda a filosofia na laboriosa procura daquilo
que conhecemos de modo natural”, afirmava Paul Valéry;
● E
Schopenhauer declarava: “os professores de filosofia
não têm tempo para se instruir, por que se têm de
dispersar por demasiadas actividades. São
funcionários, fazem política, viajam. Quem quiser, de
facto, aprender algo, tem de levar uma vida mais
controlada”, numa imagem do filósofo como cábula.
Foram
filósofos a falar do seu espaço e do seu ofício. Não
sei se poderemos, hoje, adoptar a mesma linguagem e o
mesmo estilo. Alguns estudos feitos sobre o estado da
“nação” filosófica, no ensino secundário,
revelam dados curiosos:
● A sua inutilidade;
● O seu carácter
demasiado teórico e abstracto;
● A sua incapacidade para
resolver os problemas da vida;
● O seu discurso vago;
● A sua linguagem algo
hermética;
● A ausência de espaço
para o saber e a reflexão numa
mentalidade
tecnocientífica.
Estas
representações ou imagens que foram ganhando espaço
nas mentalidades, transformando-se, em certo sentido, em
norma institucionalizada, continuam a percorrer os
nossos corredores cerebrais. Marcas do tempo, de um
tempo subordinado a uma tecnologização acelerada do
quotidiano humano. Não pretendemos, com isto, expulsar
a técnica do universo humano. Ela veio, de alguma
forma, emancipar o homem da sua subjugação às
circunstâncias da natureza. No entanto, a obsessão
pelo cronómetro e a tirania do imediato e do
instantâneo deixam escassas alternativas para outras
profundidades de pensamento e para outras ocupações do
quotidiano. Hoje, estamos mergulhados numa espécie de
orfandade do tempo, não obstante a nossa obsessão por
ele, somos invadidos e submergidos pelos problemas da
gestão do tempo. A consciência do tempo vai-se
diluindo nos diferentes espaços pessoais e sociais que
constituem a nossa agenda quotidiana. Urge repensar a
velocidade louca dos nossos dias. É por aqui que
poderá avolumar-se a “arena” dos excluídos
de toda a espécie. O fazer tornou-se o ideário dos
dias que passam, uma ideologia mesmo. Os projectos e as
cidadanias constroem-se nas experiências que pudermos
partilhar, constroem-se na consciência do tempo/dos
tempos que interiorizarmos, constroem-se na
consciencialização da duração, para que o
instantâneo e o imediato não nos abafe.
No entanto, a
palavra Filosofia abunda nos discursos feitos nas mais
diversas situações e em múltiplas circunstâncias.
Exemplos: filosofia da OPEP, filosofia de jogo,
filosofia do orçamento, filosofia da guerra das
estrelas, filosofia do projecto, filosofia de formação
do governo, filosofia táctica, filosofia disto e
daquilo. Este recurso ao substantivo “filosofia”
poderá significar a sua sacralização como a sua
banalização. Inclinamo-nos mais para a segunda
hipótese.
Neste nosso
tempo, em que a cultura, o saber e as emoções se
transformaram numa mercadoria, num tempo marcado por um
individualismo egoísta, a presença da Filosofia
poderá constituir uma oportunidade para reflexões e
para a construção de consciências eventualmente
disponíveis para ensaios de reflexão, de
interpretação e de acção. Não falamos de soluções
milagrosas, mas tão só de formações e de cidadãos
mais atentos à realidade que passa por aqui, cidadãos
que reservem um lugar para os questionamentos e as
problematizações sugeridas pelos acontecimentos. Ela
poderá revelar-se benéfica para a sociedade humana,
sobretudo na nossa civilização técnica, em que o
indivíduo se encontra, sem defesas, à mercê das
forças económicas e sociais. De passagem, diga-se que
não se trata, necessariamente, de uma catástrofe de
sentido. Não se trata do grau zero dos valores. Os
debates e a necessidade de uma assunção de
responsabilidades e de compromissos conservam, em muitos
lugares da sociedade de hoje, os seus púlpitos. (...)
Alcino Cartaxo