A reforma Veiga Simão e com ela os primeiros
passos no sentido da "democratização/massificação" da Escola foi
precisamente o ponto de partida para a contextualização do tema
anunciado: o processo de alunização e a crise da Escola, ressalvando
logo no início que a crise pode ser, também ela, geradora de
criatividades.
Partindo dos princípios fundadores da Escola, MM traçou uma panorâmica
das grandes transformações que se têm vindo a verificar, e das tensões
que elas geram entre família e escola, entre ser jovem e ser aluno,
entre ideia de presente e de futuro. Referiu as estratégias pedagógicas
que decorrem destas diferentes concepções de Escola e terminou com uma
questão: Para que serve o saber escolar, hoje?
Neste último ponto, aquilo que pareceu gerar maior perplexidade e
consequente vontade de ver mais largamente desenvolvido diz respeito às
diferentes tipologias de alunos, de acordo com um estudo que está a ser
realizado pela Universidade do Porto junto de diferentes escolas da
cidade.
Assim, chegaram à conclusão que hoje, apenas uma pequena percentagem de
jovens chega "alunizada" ao ensino secundário:
– Os que são portadores de uma herança cultural obtida no seio da
família, para quem o discurso da escola está em perfeita consonância com
o discurso de casa e que acreditam que a concretização das expectativas
em relação ao futuro depende do sucesso escolar;
– Outros, ainda que, embora não portadores desta herança, apresentam
características de determinação e vontade de aceder às oportunidades
abertas pela escola, o que facilmente lhes permite identificar-se com o
papel que ela lhes propõe.
Mas, por razões sócio-políticas diversas, de que resultam medidas
pedagógicas e administrativas várias e referidas nos momentos iniciais
da palestra, a rápida expansão do ensino obrigatório e, por extensão, do
Ensino Secundário, fez e faz chegar às escolas "vagas de jovens para
quem não é ainda muito claro como dar sentido ao seu trabalho".
É neste contexto que se fala de "experimentação social e estranheza
escolar por parte de uma grande percentagem de alunos deste grau de
ensino, alunos que não cumpriram o percurso, difuso e flutuante, de
vivências de situações que se consideram indispensáveis ao trabalho de "alunização".
Sendo esta "estranheza uma modalidade de relação que tende ao não
reconhecimento mútuo entre o mundo do outro (que ainda não é aluno ou
nunca chegará a sê-lo) e o mundo da escola".(1)
É nesta trivalência – professor/ aluno/ saber (dependendo de onde se
coloca o enfoque) que se joga o papel da Escola. Esse jogo é tanto mais
complexo quanto é certo que, em nome da autonomia, lhe é atribuída a
responsabilidade de solucionar todo o tipo de problemas, definindo
estratégias e práticas ajustadas a condicionalismos únicos e
irrepetíveis. E, todavia, paradoxalmente, quanto mais elevado e
"democrático" é o poder que o Estado simula conferir aos professores,
mais se reserva o direito de os controlar externamente através de
"rankings", exames e outros processos que parecem, afinal, desaconselhar
essas mesmas práticas.
Curiosamente, num curto período de intervenções a encerrar a palestra,
foi recordado que um passo essencial para o reconhecimento mútuo,
concretamente do professor para o aluno (embora não fosse
desaconselhável da administração para os professores) está na capacidade
de não falhar nas promessas que se fazem. Na verdade, a condição
necessária para que se estabeleça a cumplicidade suscitadora do desejo
de conhecer e de saber, é que esta confiança não seja traída.
Em Outubro, se for possível e tal como nos foi prometido, cá estaremos
para ouvir mais e, certamente, fazermo-nos ouvir mais, também.
Nota: Foi precisamente em Águeda, que conheci o Professor Manuel
Matos e com ele comecei a aprender o ofício de professora. Trinta e seis
anos decorridos, agradeço, de coração, à Escola e ao seu jornal o
privilégio de lhe poder dedicar estas linhas e, publicamente, dizer-lhe:
obrigada! n
Aveiro, Junho de 2006 |