Mas, reconsiderando, se fosse-mos marionetas, não nos seria dado o
privilégio de as termos também e de, em criança (e não só)
brincarmos com elas…
Não encontro solução para este problema, que se torna, a cada dia,
mais impertinente e perturbador.
Como é que posso ter a certeza de que este momento é, de facto, real
ou se estarei a sonhar e daqui a poucos minutos vou acordar com
aquele som horrível do despertador?
Despertador…bem, ouvimo-lo todos os dias, mas será que nos desperta
realmente para alguma coisa? Um objecto tão insignificante
(julga-mos nós) e que, para qualquer ser humano tem apenas uma única
função, "ACORDA!!! São horas se ires para o teu ciclo vicioso onde
não te questionas sobre nada"… Mas tem um nome…Será que, esse
objecto insignificante, não é apenas um objecto insignificante, e
tenta, todos os dias, exaustivamente "despertar-nos" para o que está
para além da nossa rotina? Se assim for, duvido que algum dia tenha
sucesso. Não conheço ninguém que não tenha medo do que não conhece,
mesmo inconscientemente.
E por falar em medo…começo também a ficar com medo de realmente não
existir!
Mas, para existir, para ser humano, não teremos que ter sentimentos?
Já que nos auto-intitulamos como a única espécie racional...
Ok! Podemos até ser a única espécie, de todas as que conhecemos, a
construir pensamentos, mas não acredito que sejamos a única a
sentir. Portanto, lá por sentir medo, não posso ter a certeza que
realmente existo.
Dúvidas, muitas dúvidas, dúvidas infinitas encheram agora esta sala
(quase) vazia. Quer dizer, se não existir ela está vazia, mas se não
existo, para que servem as salas?
Se alguém ou alguma coisa entrasse também com as duvidas e me desse
a escolher entre ficar aqui sem nunca questionar nada e conhecer a
realidade, algo que, julgo eu, não se pareça em nada com o nosso
dia-a-dia, com a rotina da qual não queremos sair por acreditarmos
que não existe mais nada para além disso. Que escolheria eu?
Provavelmente não acreditaria em nada do que me estariam a dizer e
pensaria " não vás ao psiquiatra, não, que vais ver como é que
ficas…" Contudo, decerto que ficaria a pensar no que me tinham
acabado de dizer… "Será que adormeci por instantes enquanto escrevia
e sonhei a coisa mais absurda do mundo!?...", "e se aquele doido tem
mesmo razão", " se acreditamos num Deus que comanda tudo e nos
observa, porque não acreditar que somos fantoches na mão de alguém,
desse Deus, por exemplo?"…
Lá vêm elas, as duvidas, mais e mais e mais…Quase me sufocam, mas
tenho a certeza que vão chegar muitas mais.
Se me basear no que suponho que realmente conheço sei que esta sala
é real. Engraçado… agora tenho a sensação que já não sei… São as
dúvidas, estão a tornar-se demasiado impertinentes!
Deixem-me em paz, só um bocadinho!
Ora, onde é que eu ia? Ah! Se me basear nas provas, nas experiências
feitas por milhares de cientistas ao longo dos anos, sei que sou
constituída por ADN, ossos, pele, músculos, sangue (e cá está uma
prova que eu posso experimentar: se me cortar, sangro, logo, o
sangue faz parte de mim), já começo a acalmar-me… Já tenho mais
razões para acreditar que realmente existo. Mas, espera lá, e se
tudo isto em que acredito for falso?
Não. Eu acredito que existo, embora não possua provas e
justificações suficientes para que isso seja mesmo verdadeiro.
Ignoro completamente o meu futuro e tenho provas, adquiridas da
minha experiência pessoal, para além de acreditar, que nunca o
conhecerei, só realmente quando o vivo. Porque é que dizemos para
viver o presente se, passado um segundo já estamos no futuro?
Acredito que vivemos mais no futuro do que no presente, mas como não
passa de uma crença não posso persuadir ninguém a acreditar nela
também pois não possuo provas que possam justificar os meu
argumentos.
Bem, se acredito e tenho provas de que não poderei conhecer o
futuro, tenho algo em que se pode acreditar e que é, para alem de
necessário, suficiente.
Bolas! Mas será que vocês não me deixam em paz? Pronto, está bem,
não, não tenho a certeza de quase-nada! Só de estar a ser atacada,
quase agredida por vocês… Dúvidas e dúvidas e dúvidas, estão a fazer
com que comece a acreditar que sou uma total e completa ignorante e
que realmente não conheço nada.
Mas eu quero conhecer! Finalmente, falei mais alto que vocês!!!
Sei que há um número infinito de coisas que ignoro e julgo conhecer,
mas também sei, que sei algumas coisas… ou se calhar não sei nada…
Sou real e tudo à minha volta é real. Chiu! Calem-se, deixei-me
acreditar sem duvidar! Durmam uma sesta, vocês nunca se cansam?
Sei do que gosto e do que não gosto, embora isso mude
constantemente. Sei que estou numa escola e que às cinco horas tenho
que ir embora, contudo, não sei que horas são.
Se estou a escrever, a sentir, a pensar, se sei que tenho um corpo
(que vejo) e vou conhecendo, então é porque existo. E, usando ideias
de Descartes ou dúvidas, é porque tenho que ter cérebro para o
fazer. Ora, os cérebros não andam por aí a passear sozinhos e por
isso, e se estou a escrever (para além da caneta) com alguma coisa
é. Posso concluir que tenho um corpo e uma alma que faz com que veja
tudo com uma certa subjectividade e que me ajuda a compreender que
não basta dizer "eu conheço" para realmente conhecer. Então, não
posso afirmar que existo, mas também não posso afirmar que não
existo.
Contudo, acredito e tenho provas justificadas para afirmar: eu
existo!
Ai! Ainda aqui estão? Ok, ok, têm razão. Mas não vou, por agora,
explorar profundamente a essa ideia, até porque duvido que algum dia
tenha a certeza.
Será que existo mesmo…?