BOLETIM   CULTURAL   E   RECREATIVO   DO   S.E.U.C.  -   J.  ESTÊVÃO


PÁGINA 1
Editorial
Henrique J. C. Oliveira
PÁGINA 2
Repensar as
medidas pedagógicas

João Paulo C. Dias
PÁGINA 3
Jornais Escolares
Henrique J. C. Oliveira
PÁGINA 4
Contos populares
portugueses

Dá-me o meu meio tostão
PÁGINA 5
Dia da Poesia com
Rui Grave

HJCO e Paula Tribuzi
PÁGINA 6
Divulgação
HJCO e J. Paulo C. Dias
PÁGINA 7
Computadores e Prof2000
HJCO
PÁGINA 8
25 de Abril de 1974 - Uma leitura possível
Alcino Cartaxo
PÁGINA 9
De alienação em alienação
Isabel Bernardino
PÁGINA 10
O destino - Já traçado?
Sérgio Loureiro
PÁGINA 11
Dia da África
Alunos PALOP
PÁGINA 12
Escrita da Casa e Humor
Diversos
PÁGINA 13
Hora do Recreio
HJCO
PÁGINA 14
Fac-símile da versão impressa
 

<<<

Eram talvez umas vinte horas, que não podemos precisar, porque não olhámos para o relógio, quando se iniciou a entrevista ao poeta e jornalista Rui Grave.

Enquanto aluno da escola, Rui Grave participou no concurso «Prémio Literário José Estêvão», em 1995. Obteve o primeiro lugar na modalidade de poesia. Tal como referimos no suplemento destacável que enriquece este número do jornal, os dez poemas, que constituem o trabalho «O Império do Horizonte», ficaram como que a fazer concorrência ao vinho do Porto. Ficaram a envelhecer e a aguardar este momento de serem declamados a todos os que estiveram na Biblioteca, E, sobretudo, ficaram a aguardar esta excelente ocasião de poderem ser lidos por todos, com agrado do “Alternativas”, que viu assim as suas páginas valorizadas com uma brilhante inspiração poética.

Durante a sessão dedicada à poesia, tivemos a oportunidade de ouvir não só os dez poemas que obtiveram o primeiro lugar da modalidade em 1995, mas também outras composições inéditas e uma interessante entrevista ao poeta, conduzida pela professora Paula Tribuzi.

Para os nossos leitores que não tiveram a possibilidade de ouvir as palavras em directo, este jornal apresenta alguns extractos e um suplemento destacável do interior do jornal, que deverão dobrar pelas marcas numeradas de modo a formar um pequeno livro de 24 páginas em formato A5.

Passemos à entrevista a Rui Grave. Falou-nos de poesia. Falou-nos desta arte ancestral que permite aproximar o Homem dos deuses. E brindou-nos, ao mesmo tempo, com a leitura de alguns poemas.

Da entrevista, conduzida pela professora Paula Tribuzi, transcrevemos somente aqueles excertos que nos parecem mais significativos, já que a transcrição global do registo magnético seria tarefa árdua para nós e ocuparia certamente o resto desta publicação, impedindo-nos a inclusão de outros trabalhos de professores e alunos.

 

PT — Ao pensar em Rui Grave, pensei numa dupla faceta: a de jornalista e a de poeta. Vamos começar pela sua faceta de jornalista.

RG — É curioso, porque a minha primeira faceta é a de poeta. Quando enveredo pelo jornalismo, vou já numa idade avançada, com 26 anos. Bacheralato de Jornalismo e depois também Relações Públicas, por acréscimo...

PT — E relativamente à poesia, vai brindar-nos com alguns dos seus poemas. Por onde quer começar? Pelo prémio literário? Gostaríamos de ouvir os poemas com que concorreu ao «Prémio Literário José Estêvão»...

RG — E pretendem ouvi-los todos?

PT — Sim, até porque são só dez poemas. E gostaríamos também de ouvir outros que escreveu posteriormente.

Seguiu-se a leitura comentada dos dez poemas escritos em 1995, que estão ligados à temática do mar e relacionados com os descobrimentos portugueses. Dos comentários mais significativos do autor, passamos a transcrever uma pequena selecção.

CRONISTA — Este poema foi considerado por R.G. como uma espécie de auto-dedicatória, na medida em que constitui como que um prenúncio do jornalista que depois veio a aparecer.

IMPÉRIO — É uma composição de índole tradicional, na medida em que se trata de um soneto e está em parte relacionado com o problema do V Império focado por Fernando Pessoa na Mensagem.

SOLDADO DE PALHA — É um poema mais sentimental e temporalmente mais próximo de nós, porque tem a ver com o problema da guerra do ultramar.

SAUDADE — Neste poema temos Portugal a falar na primeira pessoa. O seu conteúdo tem a ver com a descolonização.


RG — A seguir a ter recebido o prémio literário José Estêvão, a minha carreira de poeta sofreu uma explosão, porque mde senti galvanizado com o prémio, me senti quase que impelido a escrever. Escrevi imensa poesia. Certo dia fui convidado a escrever para o prémio Guerra Junqueiro, com um desafio um pouco diferente, porque eram exigidos 100 poemas. Fiz um grande esforço e escrevi cerca de 130. Mandei para lá e não recebi prémio nenhum. Curiosamente, recebi uma carta de felicitações e convite para participar no próximo ano. É uma colectânea chamada Confissão. É uma abordagem muito ousada da vida de Cristo, antecipando-me ao Evangelho segundo Jesus Cristo de Saramago.

A partir do momento em que Jesus Cristo é pregado na cruz até à sua morte, por flashback, Ele vai-se recordando de tudo, numa tentativa de traduzir os sentimentos que lhe terão passado pela cabeça.

Da obra referida por Rui Grave e da qual reproduzimos no suplemento alguns poemas, foi efectuada pelo autor a leitura de «A última cedia», «Resignação», «Ai que prazer», «Salomé».

PT — Desvende-nos um bocadinho como é a construção de um poema.

RG — Há diferentes formas de construir um poema. Hoje constrói-se um poema assim, amanhã de outra maneira. Mas há poemas que requerem esboços, preparação, meditação, confirmação de determinados elementos, de determinados pormenores que nós vamos aprimorando com o tempo. E amanhã, se lhe pegarmos, voltamos a mexer-lhe. Há outros que não. Há outros que exigem uma folha de papel virgem, inspiração momentânea e não mexas mais no poema. Por muito mau que ele esteja, ele saiu de dentro de ti naquele instante. Logicamente, a quem é que cabe esta opção? Só ao autor. Eu tenho muitos poemas em que não volto a mexer. E tenho outros que vou dissecando, vou cortando, vou limando, vou rebarbando. Os de que gosto mais são os que me saem espontaneamente. Os que às vezes são mais eficazes são aqueles que deram algum trabalho a escrever. O poema Salomé foi um dos que me exigiram algum trabalho. Exigiu que encontrasse as aliterações certas. Obrigou-me a algum esforço de raciocínio para que elas fizessem algum sentido dentro do contexto que queria imprimir ao próprio poema. Quantas horas leva isto a fazer? Não sei! Cinco minutos, dez, meia hora? Pouco importa! (...)

PT — Desvende um pouco mais ainda.

RG — Quer saber se faço poemas por simpatia...

PT — Quero saber quais são as suas motivações.

RG — O que posso dizer sobre isso? Gosto mais de escrever em situações de depressão. Não é depressão crónica, pronto a ser internado. Quando a vida não está a correr bem, quando por qualquer motivo fiz alguma coisa que não queria e depois me estou a sentir mal comigo mesmo. São situações em que nós temos mais necessidade de um refúgio intocável. Agora é o computador. Antigamente era o papel. Aquele nosso espaço onde vamos despejar é quase um diário sem obrigatoriedade de se escrever lá todos os dias e muito menos dessa forma descritiva. Talvez sejam essas situações em que estou mais deprimido, que eu sou menos lógico, sou menos pragmático, que não ligo tanto a essa necessidade de ser exacto, a essa necessidade de exactidão que o jornalismo exige na vida prática e que não me deixa extravasar os sentimentos.

Poderá haver outro tipo de pessoas que gostem mais de escrever quando estão contentes, quando estão alegres, quando estão bem dispostas. Eu não! Quando estou bem disposto, é o jornalismo. Quando estou mal disposto, é a poesia.

PT — A temática é sempre variada?

RG — A temática é sempre variada. É lógico que aquilo que Fernando Pessoa diz é muito certo. O poeta é um fingidor. Tanto escrevemos porque pensamos, como supomos que pensamos e não pensamos, mas sabemos que alguém pensa; portanto, é possível escrever aquilo, ou seja, tudo serve de matéria prima para fazer um poema. Às vezes, sabemos por antítese que eu penso assim e vou escrever assado. Não tem nada a ver com isto. Ou vou escrever parecido, primeiro. Isso é que confere também à própria poesia alguma dinâmica e deixa um espaço de manobra a quem lê, porque adapta precisamente a essência da poesia. Não é preciso olhar para o ornamento, é preciso olhar para a essência da poesia e interpretá-la à nossa forma. É a mesma coisa que dar um papel para ler a um actor de teatro. Se der ao fulano A, ele vai interpretar da forma que acha conveniente. Se der a B, ele vai interpretar de uma forma diferente. E, no entanto, é o mesmo texto. (...)

PT — Projectos de publicação de poesia?

RG — Eu nunca tive, curiosamente. Também porque se calhar gostaria de fazer uma coisa diferente, com mais rigor, com mais tempo, talvez uma compilação. Eu não sou muito adepto daquele tipo de ideia de que tenho uma colecção engraçada, vou fazer um livrinho. É ponto de partida para quem quiser criar alguma continuidade. Ter o livro publicado, um livro só, esporadicamente, para guardar e um dia mostrar aos netos. Quando tiver netos, «vês, o avô publicou um livro...» Isso aí eu vou-lhes mostrar duzentos jornais e eles não sabem o que hão-de fazer a tanto jornal.

HJCO/PT


Página anterior     Primeira página     Página seguinte