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Eram talvez
umas vinte horas, que não podemos precisar, porque não
olhámos para o relógio, quando se iniciou a entrevista
ao poeta e jornalista Rui Grave.
Enquanto aluno
da escola, Rui Grave participou no concurso «Prémio
Literário José Estêvão», em 1995. Obteve o primeiro
lugar na modalidade de poesia. Tal como referimos no
suplemento destacável que enriquece este número do
jornal, os dez poemas, que constituem o trabalho «O
Império do Horizonte», ficaram como que a fazer
concorrência ao vinho do Porto. Ficaram a envelhecer e
a aguardar este momento de serem declamados a todos os
que estiveram na Biblioteca, E, sobretudo, ficaram a
aguardar esta excelente ocasião de poderem ser lidos
por todos, com agrado do “Alternativas”, que viu
assim as suas páginas valorizadas com uma brilhante
inspiração poética.
Durante a
sessão dedicada à poesia, tivemos a oportunidade de
ouvir não só os dez poemas que obtiveram o primeiro
lugar da modalidade em 1995, mas também outras
composições inéditas e uma interessante entrevista ao
poeta, conduzida pela professora Paula Tribuzi.
Para os nossos
leitores que não tiveram a possibilidade de ouvir as
palavras em directo, este jornal apresenta alguns
extractos e um suplemento destacável do interior do
jornal, que deverão dobrar pelas marcas numeradas de
modo a formar um pequeno livro de 24 páginas em formato
A5.
Passemos à
entrevista a Rui Grave. Falou-nos de poesia. Falou-nos
desta arte ancestral que permite aproximar o Homem dos
deuses. E brindou-nos, ao mesmo tempo, com a leitura de
alguns poemas.
Da entrevista,
conduzida pela professora Paula Tribuzi, transcrevemos
somente aqueles excertos que nos parecem mais
significativos, já que a transcrição global do
registo magnético seria tarefa árdua para nós e
ocuparia certamente o resto desta publicação,
impedindo-nos a inclusão de outros trabalhos de
professores e alunos.
PT — Ao
pensar em Rui Grave, pensei numa dupla faceta: a de
jornalista e a de poeta. Vamos começar pela sua faceta
de jornalista.
RG — É
curioso, porque a minha primeira faceta é a de poeta.
Quando enveredo pelo jornalismo, vou já numa idade
avançada, com 26 anos. Bacheralato de Jornalismo e
depois também Relações Públicas, por acréscimo...
PT — E
relativamente à poesia, vai brindar-nos com alguns dos
seus poemas. Por onde quer começar? Pelo prémio
literário? Gostaríamos de ouvir os poemas com que
concorreu ao «Prémio Literário José Estêvão»...
RG — E
pretendem ouvi-los todos?
PT — Sim,
até porque são só dez poemas. E gostaríamos também
de ouvir outros que escreveu posteriormente.
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Seguiu-se a
leitura comentada dos dez poemas escritos em 1995, que
estão ligados à temática do mar e relacionados com os
descobrimentos portugueses. Dos comentários mais
significativos do autor, passamos a transcrever uma
pequena selecção. |
CRONISTA —
Este poema foi considerado por R.G. como uma espécie de
auto-dedicatória, na medida em que constitui como que
um prenúncio do jornalista que depois veio a aparecer.
IMPÉRIO — É
uma composição de índole tradicional, na medida em
que se trata de um soneto e está em parte relacionado
com o problema do V Império focado por Fernando Pessoa
na Mensagem.
SOLDADO DE
PALHA — É um poema mais sentimental e temporalmente
mais próximo de nós, porque tem a ver com o problema
da guerra do ultramar.
SAUDADE —
Neste poema temos Portugal a falar na primeira pessoa. O
seu conteúdo tem a ver com a descolonização.
RG — A seguir
a ter recebido o prémio literário José Estêvão, a
minha carreira de poeta sofreu uma explosão, porque mde
senti galvanizado com o prémio, me senti quase que
impelido a escrever. Escrevi imensa poesia. Certo dia
fui convidado a escrever para o prémio Guerra Junqueiro,
com um desafio um pouco diferente, porque eram exigidos
100 poemas. Fiz um grande esforço e escrevi cerca de
130. Mandei para lá e não recebi prémio nenhum.
Curiosamente, recebi uma carta de felicitações e
convite para participar no próximo ano. É uma
colectânea chamada Confissão. É uma abordagem muito
ousada da vida de Cristo, antecipando-me ao Evangelho
segundo Jesus Cristo de Saramago.
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A partir do
momento em que Jesus Cristo é pregado na cruz até à
sua morte, por flashback, Ele vai-se recordando de tudo,
numa tentativa de traduzir os sentimentos que lhe terão
passado pela cabeça.
Da obra
referida por Rui Grave e da qual reproduzimos no
suplemento alguns poemas, foi efectuada pelo autor a
leitura de «A última cedia», «Resignação», «Ai
que prazer», «Salomé».
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PT —
Desvende-nos um bocadinho como é a construção de um
poema.
RG — Há
diferentes formas de construir um poema. Hoje
constrói-se um poema assim, amanhã de outra maneira.
Mas há poemas que requerem esboços, preparação,
meditação, confirmação de determinados elementos, de
determinados pormenores que nós vamos aprimorando com o
tempo. E amanhã, se lhe pegarmos, voltamos a mexer-lhe.
Há outros que não. Há outros que exigem uma folha de
papel virgem, inspiração momentânea e não mexas mais
no poema. Por muito mau que ele esteja, ele saiu de
dentro de ti naquele instante. Logicamente, a quem é
que cabe esta opção? Só ao autor. Eu tenho muitos
poemas em que não volto a mexer. E tenho outros que vou
dissecando, vou cortando, vou limando, vou rebarbando.
Os de que gosto mais são os que me saem
espontaneamente. Os que às vezes são mais eficazes
são aqueles que deram algum trabalho a escrever. O
poema Salomé foi um dos que me exigiram algum trabalho.
Exigiu que encontrasse as aliterações certas.
Obrigou-me a algum esforço de raciocínio para que elas
fizessem algum sentido dentro do contexto que queria
imprimir ao próprio poema. Quantas horas leva isto a
fazer? Não sei! Cinco minutos, dez, meia hora? Pouco
importa! (...)
PT — Desvende
um pouco mais ainda.
RG — Quer
saber se faço poemas por simpatia...
PT — Quero
saber quais são as suas motivações.
RG — O que
posso dizer sobre isso? Gosto mais de escrever em
situações de depressão. Não é depressão crónica,
pronto a ser internado. Quando a vida não está a
correr bem, quando por qualquer motivo fiz alguma coisa
que não queria e depois me estou a sentir mal comigo
mesmo. São situações em que nós temos mais
necessidade de um refúgio intocável. Agora é o
computador. Antigamente era o papel. Aquele nosso
espaço onde vamos despejar é quase um diário sem
obrigatoriedade de se escrever lá todos os dias e muito
menos dessa forma descritiva. Talvez sejam essas
situações em que estou mais deprimido, que eu sou
menos lógico, sou menos pragmático, que não ligo
tanto a essa necessidade de ser exacto, a essa
necessidade de exactidão que o jornalismo exige na vida
prática e que não me deixa extravasar os sentimentos.
Poderá haver
outro tipo de pessoas que gostem mais de escrever quando
estão contentes, quando estão alegres, quando estão
bem dispostas. Eu não! Quando estou bem disposto, é o
jornalismo. Quando estou mal disposto, é a poesia.
PT — A
temática é sempre variada?
RG — A
temática é sempre variada. É lógico que aquilo que
Fernando Pessoa diz é muito certo. O poeta é um
fingidor. Tanto escrevemos porque pensamos, como supomos
que pensamos e não pensamos, mas sabemos que alguém
pensa; portanto, é possível escrever aquilo, ou seja,
tudo serve de matéria prima para fazer um poema. Às
vezes, sabemos por antítese que eu penso assim e vou
escrever assado. Não tem nada a ver com isto. Ou vou
escrever parecido, primeiro. Isso é que confere também
à própria poesia alguma dinâmica e deixa um espaço
de manobra a quem lê, porque adapta precisamente a
essência da poesia. Não é preciso olhar para o
ornamento, é preciso olhar para a essência da poesia e
interpretá-la à nossa forma. É a mesma coisa que dar
um papel para ler a um actor de teatro. Se der ao fulano
A, ele vai interpretar da forma que acha conveniente. Se
der a B, ele vai interpretar de uma forma diferente. E,
no entanto, é o mesmo texto. (...)
PT —
Projectos de publicação de poesia?
RG — Eu nunca
tive, curiosamente. Também porque se calhar gostaria de
fazer uma coisa diferente, com mais rigor, com mais
tempo, talvez uma compilação. Eu não sou muito adepto
daquele tipo de ideia de que tenho uma colecção
engraçada, vou fazer um livrinho. É ponto de partida
para quem quiser criar alguma continuidade. Ter o livro
publicado, um livro só, esporadicamente, para guardar e
um dia mostrar aos netos. Quando tiver netos, «vês, o
avô publicou um livro...» Isso aí eu vou-lhes mostrar
duzentos jornais e eles não sabem o que hão-de fazer a
tanto jornal.
HJCO/PT