Em tempos muito recuados, em que era
o escudo ainda a moeda em vigor, havia o meio tostão,
que depois deixou de existir. E havia a coroa. E certos
costumes monetários, como dizer um cruzado por quatro
tostões ou quarenta centavos, por exemplo, e cinco
coroas por vinte e cinco tostões. O escudo extinguiu-se
para dar lugar ao euro. Mas do tempo em que se pelejava
nas compras com o escudo ficou-nos o conto, com o qual o
“Alternativas” mantém a tradição, ainda de curta
duração, de transcrever nas suas páginas contos
tradicionais portugueses. Este foi recolhido, segundo
Teófilo Braga, no Porto, existindo versões similares
noutros países. Passemos à história e deixemo-nos de
conversas fiadas.
Um compadre perseguia outro por uma
dívida. Todas as vezes que lhe passava pela porta
dizia:
— Dá-me o meu meio tostão.
O devedor, vexado, disse para a
mulher que se ia fingir de morto, e que ela o carpisse
muito, para ver se, quando o compadre passasse, lhe
perdoava pela sua alma o meio tostão. Assim fez! A
mulher pranteou e depenou-se, mas o compadre veio ao
acompanhamento do enterro e, quando o corpo se depositou
na igreja, deixou-se ficar escondido debaixo da eça.
De noite, os ladrões entraram na
igreja. E como viram a luz das tochas alumiando o morto,
entenderam que ali era lugar seguro para repartirem o
dinheiro e fizeram os quinhões do que tinham roubado.
Quando estavam nisto, desavieram-se, porque todos
queriam umas certas jóias que o capitão dos ladrões
reservava para si. Faziam muita bulha. O que se fingia
morto na eça e o compadre, que estava escondido,
passaram sustos medonhos e não se mexiam.
Por fim, disse o capitão dos
ladrões:
— Eu cá não faço questão deste
quinhão; mas quem o quiser há-de ir espetar esta faca
no morto que está ali naquela eça.
Dizia um: «Vou eu!» Outro também
queria ir; mas o que se fingiu defunto, sem saber como
se havia de ver livre da situação desesperada,
sentou-se no caixão, e disse com terror:
|
Acudam-me aqui os defuntos,
E venham já todos juntos.
|
Os ladrões fugiram todos espavoridos
e deixaram o dinheiro ao pé da eça. O compadre que se
fingia morto desceu da tumba e começou a juntar o
dinheiro espalhado pelo chão. Quando estava nisto,
sai-lhe debaixo da eça o credor, que nem à borda da
cova o largava, e começou a repetir-lhe sem parar:
— Dá-me o meu meio tostão! Dá-me
o meu meio tostão!
E não se tirava disto. Os ladrões,
por fim, envergonharam-se da sua covardia e mandaram um
mais valente à igreja, para ver se podiam ir buscar o
dinheiro. O ladrão veio sorrateiro, escondeu-se por
detrás de uma porta a escutar, e ouvia só:
— Dá-me o meu meio tostão!
Desatou a fugir, e foi dizer aos
companheiros:
— Está tudo perdido; andam lá
tantos defuntos, que não cabe meio tostão a cada um.
Os ladrões conformaram-se com esta desgraça, e o
compadre assim é que pagou a dívida e ficou rico.
(Porto)