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Artes - Letras - Ciências
Suplemento do n.º 266 do "Litoral"
Novembro de 1959, Ano I, n.º 3
págs. 22 e 23

 

DIGESTO de NOTÍCIAS

 

Literatura

A Sociedade Portuguesa de Escritores dirigiu um apelo ao Embaixador dos E. U. da América do Norte a favor do escritor americano Caryl Chessman, autor do livro «2455 - Cela da Morte», recentemente publicado em Portugal, no sentido de que «ao prisioneiro inocente ou culpado, seja concedido o direito à vida e o de legar aos homens um emocionante documentário do mundo da culpa e de arrependimento». 

Por iniciativa do povo da Moimenta da Beira e com o patrocínio de muitas outras individualidades, vai ser edificada naquela vila uma biblioteca pública com o nome de Aquilino Ribeiro, em homenagem ao escritor de Soutosa, nascido no região. O quinzenário «Correio Beirão», que lançou a ideia, fez o elogio das qualidades literárias e de carácter do consagrado romancista de «Quando as Lobos Uivam», e acrescenta: «Mostremos aos vindouros, através de uma obra útil, o prazer, o orgulho e a gratidão que devemos à personalidade de Aquilino Ribeiro».

Começaram em Roma os trabalhos para o estudo dos estatutos da Comunidade Europeia de Escritores, de cuja comissão fazem parte, entre outros, Albert Camus André Chamson, T. S. Elliot e Jorge Guillen e «que tem como objectivo promover, acima das divergências políticas e ideológicas, a estreita colaboração entre os escritores europeus, quanto aos problemas profissionais, favorecer a livre circulação de livros, organizar reuniões e apoiar todas as iniciativas que tenham por alvo assegurar a dignidade e autoridade dos escritores».

No Brasil, o último romance de Jorge Amado, «Gabriela, cravo e canela», que acaba também de conquistar o «Prémio Dolores Barbosar», no valor de trinta mil cruzeiros, atingiu agora a casa das 100.000 exemplares, número quase sem par na literatura brasileira.

No regresso do Brasil, onde foram constantes as manifestações de carinho pessoal e de viva simpatia pela sua obra de profundo sentido humano, não só da parte do povo, como das individualidades mais representativas, Ferreira de Castro anunciou que vai escrever um livro, já planeado há muitos anos e que será um «documentário da admirável empresa de pacificação entre os índios, executada sob a égide do marechal Rondon, no mais vasto sentido de compreensão, tolerância e amor pelo semelhante. Sem nunca se afastar das inquietações do povo, fraternalmente solidário com todos os homens, seus irmãos, como diz a propósito um dos jornalistas que o entrevistaram à sua chegada, o portentoso jornalista português não limitou a sua visita, como se vê, a uma simples viagem de turismo para «brasileiro ver».

O romance «A Selva» de Ferreira de Castro, segundo uma adaptação feita por Mimoso de Freitas, que já mereceu a aprovação do autor, vai ser transmitido, em folhetins, através do Rádio Clube Português, num dos já consagrados programas especiais de Igrejas Caeiro.

Ainda a respeito da estadia em terras do Brasil do grande romancista de «A Curva da Estrada», este escritor, falando num dos muitos jantares de homenagem que lhe foram oferecidos e que «reuniu uma série de nomes grados nas letras, nas artes, na política e nos meios sociais da colónia portuguesa e brasileiros, entre os quais o embaixador Chateaubriand», saudou, em dada altura, todos os que no Brasil e em Portugal se consagram aos valores do espírito, e acrescentou: «A literatura deve estar acima de todas as paixões que nos possam dividir. A vossa presença é um sinal de fraternidade. Eu vo-la agradeço.»

O escritor Joaquim Paço d’Arcos também foi ao Brasil, onde permaneceu cerca de quatro meses, tendo sido alvo de expressivas homenagens e de artigos críticos acerca da sua obra. Entrevistado por inúmeros jornais, Paço d'Arcos afirmou, com referência à sua peça teatral «A Ilha de Elba Desapareceu» que a espera ver representada em Lisboa e no Brasil: «Como toda a minha obra, constitui um protesto contra a violência, contra as guerras e contra tudo o que no mundo moderno desumaniza o homem e o escraviza.

Vieram a público ultimamente, entre outras, as seguintes obras: «Teatro», segundo voI, de Luís Francisco Rebelo ● «Ensaios de Domingo», do nosso cooperador e colaborador Mário Sacramento, que tem em preparação um outro volume de «Ensaios de Segunda Feira» ● «Poemas de Holderlin», segunda edição, traduzida e com prefácio de Paulo Quintela ● «Antologia da Terra Portuguesa», consagrada a Trás-os-Montes e Alto Douro, por Amândio César ● «A Música Portuguesa e os seus Problemas», segundo vol. e «lgor Stravinsky e Bela Bartok», de F. Lopes Graça ● «Tanta gente, Mariana...», novela de Maria Judite de Carvalho ● «Cidade Solitária», contos de Fernando Namora ● «Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa», organizada por Maria Alberta Meneres e Melo e Castro ● «Onde a Noite se Acaba», contos, segunda edição, de José Rodrigues Miguéis, «Folhas de Xisto», de João de Araújo Correia.

Próximas publicações: «Romanceiro Geral do Povo Português», organizada por Alves Redol e Fernando Lopes Graça ● «As Regras do Jogo», novelas do nosso colaborador e cooperador Vasco Branco ● «O que é o Cinema», de Ernesto de Sousa ● «As Monstruosidades Vulgares, 4.º vol., do ciclo «A velha casa», de José Régio ● «A Feira das Vaidades», de Artur Portela (Filho) ● «Suão», romance de Antunes da Silva ● «O Cais das Colunas», de Tomás Ribas ● «Cântico Final» e «Aparição», romances de Vergílio Ferreira ● Segundo também se anuncia, Egito Gonçalves trabalha na organização de uma antologia da moderna poesia espanhola, de que esperamos publicar alguns poemas e estão para breve mais dois ensaios sobre Fernando Pessoa, de António Quadros e Alfredo Margarido. Natércia Freire organiza uma selecção de poemas de Bocage, a publicar no Brasil, e as escritoras Agustina Bessa Luís e Fernanda Botelho escrevem novos romances.

 

artes plásticas

Encerrou em S. Paulo a 5.ª Bienal de Artes Plásticas, tão sensacionalmente anunciada nos jornais do Brasil por «12 quilómetros quadrados de pintura abstracta», nela tendo figurado pintores de 47 países e, entre eles, Van Gogh e o português Amadeu de Souza-Cardoso. Tal como na 1.ª Bienal Internacional dos Jovens Artistas que acaba de realizar-se em Paris, a impressão geral é a de que um novo academismo se implantou no domínio das artes plásticas, através de um «mecanismo» e de um mesmo conceito de arte não figurativa que pouco difere de quadro para quadro. Chamada por muitas de simples arte de transição, dizem os críticos que, ainda hoje, se não descortinam os métodos estéticos da piantura de amanhã.

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Também em Portugal, a propósito do 2.º Salão de Arte Moderna, aberto até há poucos dias na Sociedade Nacional de Belas Artes e que parece ter-se especialmente caracterizado pela ausência de visitantes, um nosso crítico foi levado a escrever, sensatamente, que «deverão estar alerta os organizadores de exposições de pintura, porque o público está num período de reacção que poderá ser perigoso para aquelas manifestações de arte».

Por iniciativa da Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses, encontra-se aberta na Soc. Nacional de Belas Artes, uma exposição de vinte e oito artistas gravadores que apresentam trabalhos em xilogravura, calcografia, litografia e serigrafia, através dos quais pode apreciar-se a evolução na gravura portuguesa contemporânea. Entre outros, estão representados Cipriano Dourado, Navarro Hagan, João Abel Manta, Ribeiro de Pavia, Júlio Pomar, Querubim Lapa, Júlio Resende, Rogério Ribeiro e Nkias Scopinakis. É a primeira exposição inteiramente dedicada à nossa gravura e que inclui uma selecção de mais de cem peças, representativas de diferentes técnicas e tendências, sendo muito de aplaudir a acção renovadora desenvolvida, nos últimos anos, pelo sociedade promotora do certame.

 

teatro

Continua em cena no teatro de D. Maria lI (e infelizmente só em Lisboa!), a peça «O Lugre», de Bernardo Santareno, que representa, sem dúvida, um dos acontecimentos artísticos de maior evidência nesta temporada e tem suscitado da crítica e dos espectadores as mais desencontradas e, por vezes, menos esclarecidas reacções, às quais, no entanto, o corajoso autor deu já a devida resposta, explicando que o seu único objectivo fora a verdade artística, não o documentário. 

O Teatro Experimental do Porto recomeçou a sua actividade artística, agora no antigo Cine-Teatro Nun’Álvares, com a reposição da peça «O Mar», de Miguel Torga, a que se seguirá a representação do novo original de Bernardo Santareno, «O Crime da Aldeia Velha», inspirado num crime autêntico, ocorrido, há anos, em Soalhães (Marco de Canaveses). Note-se que foi também o TEP que representou pela primeira vez a tão discutida peça «A Promessa», de B. Santareno, cuja retirada da cena, como se sabe, foi imposto pouco depois.

 

cinema

A Cinemateca Nacional levou a efeito a «II Retrospectiva do Cinema Português», exibindo mais três filmes mudos de há cerca de 40 anos: «Os Fidalgos da Casa Mourisca», de Pallu; «Malmequer», de Leitão de Barros e «Os Lobos», de Rino Lupo.

Continuam os trabalhos de filmagem da nova produção nacional sobre «As Pupilas do Sr. Reitor», de Júlio Dinis, que será a terceira versão cinematográfica daquela obra, desta vez realizada a cores e em cinemascópio, por Perdigão Queiroga.

Financiado por uma produtora organizada por alguns escritores e pela Cooperativa do Espectador, Ernesto de Sousa continua a trabalhar para a realização do anunciado filme «Dom Roberto», cujo argumento — segundo diz — assenta em bases verídicas, pois que nos conta a vida de um artífice de fantoches que vai de terra em terra, levando aos ombros a sua desconjuntada barraquita e fazendo rir com a sua arte as crianças e os adultos, assim vivendo e sonhando até que o encontro com a realidade lhe mostra que esta é mais rica do que o sonho.

 

música

Causou sensação na Ópera de Paris, a nova interpretação dada pelo conhecido director de cena, Raymond Rouleau, à ópera «Cármen», de Bizet, fazendo dela uma obra de vanguarda, pela montagem de um espectáculo grandioso e diferente, num palco de 24 metros de comprido, em que desfilaram 100 figurantes, um coro de 100 elementos, 40 bailarinas espanholas, um bando de autênticos ciganos, maior número de toureiros, carruagens, 13 cavalos, um cão e dois burros, tudo isto regido por uma orquestra de 104 elementos.

Ainda este ano será cantada em S. Carlos a ópera «La voix humaine», de Francis Poulenc, baseada na célebre peça de Jean Cocteau, com o mesmo nome.

É curioso notar que, segundo um inquérito feito por uma revista francesa, os discos mais vendidos em França, no corrente ano, são: «O Ouro do Reno», de Wagner; «Concerto para flauta e harpa», de Mozart e «Sonatas», de Beethoven, além de outros.



ESTOS POZOS

OSCUROS...

 

 

 

 

 

poema
de
JUAN CERVERA-SANCHIS

Lora Del Rio – Sevilla – España

Estos posos oscuros no me pueden
apagar esta trenza de la sed
que ardida me estrangula. Señor,
si me muriera romperia los enigmas? 

Ansia incógnita, vago por la tierra
como un sueño sonámbulo, quimérico,
sumergido en angustias vegetales,
sin encontrar mi verde clorofila... 

Señor, quizá ser Hombre no es más que
enredarse en sombrías cabelleras
sobre nucas de amargos pensadores,
esperando milagros, e imposibles 

auroras de manzanas luminosas,
donde incar nuestros dientes amarillos
buscando celestiales pulpas vírgenes
para ponerle punto aparte al hambre 

de Verdad y de amor que nos consume,
y volver a pintar los horizontes
con lápiz de colores, cual si aun
fuésemos blancos niños sobre el mundo.

 

Considerações gerais sobre factos Poesia versus versos Jean Cocteau e a sinceridade na arte O cinema japonês Poesia Mosca na vidraça (crítica)  – A crítica, uma segunda criação Teatro e o problema das adaptações Insurreição Carta a Fernando Namora Digesto de Notícias Fac-símiles

 

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