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Artes - Letras - Ciências
Suplemento do n.º 266 do "Litoral"
Novembro de 1959, Ano I, n.º 3
págs. 10 e 11

 

O cinema japonês

Apontamentos de

VASCO GRANJA


 

A cinematografia japonesa é porventura a mais importante de todo o mundo. No entanto continua sendo inexplicavelmente desconhecida em Portugal. Com efeito, de uma média anual de 500 filmes só conseguiram ser estreados no nosso país quatro ou cinco películas após o fim da última guerra. E não há dúvida de que os filmes japoneses apresentados entre nós suscitaram um amplo movimento de curiosidade por parte do público e da crítica. «As Portas do Inferno», «Amores de Samurai» e «Demónio Dourado», este último vergonhosamente mutilado pelo distribuidor português, são recordados com saudade pelos espectadores atentos que ficaram sensíveis a um ritmo de interpretação diferente daquele que nos é dado admirar no cinema ocidental.

Datam de 1900 as primeiras produções nipónicas, de carácter documental umas, meras filmagens de Kabuki, o teatro nacional, outras. Desde então, sempre num crescendo, que diversas crises e a concorrência dos filmes estrangeiros só temporariamente logram suspender, o cinema japonês firma-se como um dos primeiros do mundo, embora praticamente desconhecido do Ocidente.

 

Um nível elevado de produção

Seis grandes companhias produtoras, Shochiku, Toho, Daiei, Shin Toho, Toei e Nikkatsu, são responsáveis por cerca de 90% de toda a produção japonesa. Os restantes 10% são representados por pequenos grupos produtores, na sua maioria trabalhando em base cooperativista, sistema que goza de particular estima no Japão.

Desde 1957 que todos os estúdios se encontram devidamente apetrechados para a produção de filmes de qualquer formato ou técnica especial. Uma grande parte desta produção é filmada a cores e nós, em Portugal, já tivemos oportunidade de admirar a extraordinária qualidade da cor japonesa. A manufactura é inteiramente local, satisfazendo-se as necessidades da indústria tanto na qualidade como na quantidade.

As receitas obtidas em 1957 elevaram-se a 188 milhões de dólares, o que não causará espanto se soubermos que existem no Japão 7000 salas públicas. Só em Tóquio funcionam 700 cinemas. Estatísticas recentes afirmam que cada japonês vai ao cinema anualmente 12,1 vezes e este número está aumentando constantemente, Isto representa que na totalidade se vendem 1100 milhões de bilhetes anualmente.

Embora a produção nacional seja extraordinariamente elevada, o público japonês tem possibilidade de conhecer os melhores filmes produzidos no mundo inteiro, pois 190 películas são importadas anualmente dos Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália, Alemanha e outros países.

Não se pense no entanto que o grande número de filmes produzidos no Japão e destina a um público unicamente preocupado com umas horas de evasão dos problemas quotidianos. Pelo contrário, o público japonês é muito exigente e só assim se justifica a constante qualidade desta cinematografia.

 

O campeão dos festivais

De 1951 a 1954, o cinema japonês espantou o mundo ocidental, que o recebeu como uma verdadeira revelação. Uma série notável de filmes, de que salientamos «A Porta do Inferno», «A Vida de O’Haru», «Contos da Lua Vaga», «Pescadores de Caranguejos», «Amores de /página 11/ Samurai», «Os Sete Samurais», «O Intendente Sansho», «Viver», «A Rua sem Sol», «Hiroshima» e dezenas de outros provocaram a maior admiração nos festivais cinematográficos, obtendo os prémios mais importantes conferidos nestes certames.

Muitos críticos afirmaram na época que a maioria destes filmes eram produzidos unicamente com a intenção de ganhar os prémios. Puro engano, pois a produção dos anos seguintes veio confirmar que a cinematografia japonesa se define essencialmente por um grande respeito pelo público, mantendo a tradição milenária da sua cultura, sem dúvida uma das mais antigas do mundo.

 

Cinema experimental

Na produção fílmica abordam-se variadíssimos temas da vida do Japão de hoje, como os conflitos entre gerações, a destruição de Hiroshima e Nagasaki e o perigo atómico, militarismo e antimilitarismo, além de outras produções mais recreativas, desportivas, musicais, policiais, etc., merecendo destaque a importância que nela desempenham os jovens. Só se lastima que nos seja quase desconhecido o cinema mais produtivo do mundo, o cinema dum país onde as escolas têm aulas obrigatórias para o seu estudo.

Pode-se afirmar com segurança que a produção cinematográfica japonesa se caracteriza por um tipo de produção experimental, pois os realizadores e argumentistas gozam de inteira liberdade para a concepção dos seus filmes. Talvez pareça estranho que uma cinematografia dominada por seis grandes empresas favoreça o desenvolvimento de uma produção de qualidade. É o que sucede no Japão onde as companhias produtoras permitem o aparecimento de obras dignas. Nenhum grande realizador guarda na gaveta projectos de filmes irrealizáveis. A acepção do filme «maldito» não existe no Japão. Os grandes inovadores (Kurosawa, Mizoguchi, Gosho, Kinugasa, Imai, Shindo) jamais conheceram a menor dificuldade na concretização dos seus projectos. E todos os filmes destes grandes criadores obtiveram sucesso público.

Os realizadores sentem-se apoiados pelo público que os encoraja a novas obras audaciosas e inconformistas.

Para esta valorização do espectáculo cinematográfico contribui decisivamente o facto do cinema exercer uma grande influência na educação do povo. Neste país, sob tantos pontos de vista exemplar, o cinema faz parte integrante da disciplina escolar. O estudo do cinema inicia-se aos cinco anos de idade e prolonga-se pela vida fora. Existe uma produção de filmes para crianças que tem em conta a mentalidade do público para que se dirige. Não admira portanto que o cinema ocupe um lugar destacado na formação cultural do povo japonês.
 

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