|
|
Artes - Letras - Ciências
Suplemento do n.º 254 do
"Litoral"
Setembro de 1959, Ano I, n.º 1
págs. 8, 9 e 20
|
|
|
|
Inquérito
sobre o prémio |
CAMILO
CASTELO BRANCO |
|
|
1 - Em que medida a atribuição dum prémio com
as características do «Prémio Camilo Castelo Branco» poderá
favorecer a actividade artística dos nossos escritores?
2 - A experiência obtida com o «Prémio Camilo
Castelo Branco» de 1959 sugere-lhe quaisquer remodelações para os
anos futuros?
3 - Respondendo a uma pergunta já formulada em
certos meios literários, diga-nos: «Parece-lhe que deva ser o
artista a procurar o prémio ou o prémio a procurar o artista? |
|
|
Responde JACINTO DO PRADO COELHO |
|
|
1. Obviamente, um prémio é um
estímulo, eficaz na medida em que a literatura não deriva apenas da
chamada «inspiração», mas também da iniciativa e do esforço continuado
do escritor; estímulo tanto mais forte quanto mais o prémio se
prestigiar (não falando já no seu montante em escudos...) pelo acerto e
equidade com que for atribuído. Além de estímulo, vale como indicação,
pode contribuir (como aliás a actividade crítica expressa, e na
atribuição do prémio implícita) para criar uma justa consciência da
hierarquia dos nossos valores – o que, para o escritor, redunda em
estímulo também. Esperemos ainda que vá desenvolvendo entre os nossos
escritores o espírito de colaboração sem preconceitos partidários (no
júri este ano constituído trabalhou-se com uma franqueza e uma harmonia
tais, que por elas me senti reconfortado) e um mínimo de humildade e
fair play necessários para aceitarem que o seu livro, o livro que
apresentaram a concurso, não seja unanimemente considerado o melhor de
todos. Para já, quanto ao prémio Camilo Castelo Branco, temos o seu
elevado montante e as garantias dadas pelo processo de constituição do
júri. Oxalá ele venha incentivar de modo sensível a nossa prosa de
ficção, nos últimos tempos já em franco progresso. Este ano, começou por
se prestigiar pelo número das obras concorrentes e pelo nível de meia
dúzia delas.
2. Penso que, em muitos casos, é
impossível, comparar adequadamente obras de géneros diferentes, como
romance e conto; por isso, acharia preferível destinar o prémio,
alternadamente, a romance e a novela ou conto (em qualquer dos casos
abrangendo a produção vinda a lume nos dois anos anteriores). Isto,
apesar de subsistir a dificuldade de classificar certas obras de
«romance» ou de «novela»; algumas poderiam, até, concorrer sob uma e
outra rubrica, deixando ao júri o encargo de as situar no quadro dos
géneros.
3. Depende. A Sociedade Portuguesa
de Escritores, aberta como está a todos os escritores deste país, sejam
quais forem as suas convicções políticas ou religiosas, garante
suficientemente uma escolha independente e honesta do premiado, e só
pode significar o reconhecimento dum mérito literário excepcional, como
sucedeu com Léah. Foi essa convicção que levou 23 escritores,
tantos deles consagrados, a concorrerem este ano. Portanto, parece-me
que, no caso presente, são reduzidos os inconvenientes da
obrigatoriedade da candidatura (note-se mais que só o nome do premiado é
tornado público); e o sistema tem a vantagem de saber o júri que só está
a avaliar aqueles que confiaram na sua idoneidade e acharam que o
prémio, de todos os modos, valia a pena – porque haverá também os
consagrados que, pela idade e pela glória alcançada, se julguem
insusceptíveis das contingências dum concurso. |
|
|
|
pág. 9 |
1. Desculpe. Mas terei de
responder deste modo: como pode fazer-se tal pergunta? Não parece, com
efeito, que o ambiente cultural português seja tão florescente e
estimulante, que ofereça dúvida a importância que nele virá a ter,
precisamente sob o aspecto artístico, um prémio destinado a distinguir
um livro, exclusivamente, pela sua qualidade literária e a recompensar o
seu autor com uma quantia – cinquenta mil escudos – a que nenhum outro
prémio até hoje ascendera. Diz-se muito – e muitas vezes em ar de amarga
queixa – que o escritor português não goza de nenhuma espécie de
«protecção». É isto verdade e, quanto a mim, não há que lamentá-lo. É
bom que assim seja. Ai do escritor que aceita «protecções e, assim,
compromete, quando não perde de todo, a sua indispensável independência.
As artes «protegidas» corrompem-se, estiolam-se, morrem. São caricaturas
de arte. São subprodutos, que ignoram o clima de inconformismo e de
risco e o destino de enriquecimento humano que a verdadeira arte
implica. Mas, se qualquer protecção é nociva à criação literária e, por
isso, indesejável, há que pensar precisamente o contrário do estímulo
que sempre representa o ambiente de compreensão e de simpatia que se
possa criar em volta dos autores, no qual não pode deixar de avultar a
demonstração pública de admiração que um prémio é, se isentamente
atribuído. Isto favorece, sem dúvida, a criação artística. A Sociedade
Portuguesa de Escritores e o Grémio Nacional de Editores, ao criarem o
seu prémio «Camilo Castelo Branco», confessaram-se «animados pelo desejo
de estimular a criação e expansão da literatura nacional». O júri, a que
tive a honra de pertencer – ao lado de personalidades bem conhecidas e
de formação e orientação bem diversas: João Gaspar Simões, Jacinto do
Prado Coelho, Óscar Lopes, David Mourão-Ferreira -‘escolhendo, de entre
vinte e três obras, algumas das quais de alto nível, o belo livro «Léah»,
de um dos mais notáveis escritores portugueses actuais, José Rodrigues
Miguéis, correspondeu bem, creio eu, àquele desejo. O prémio não foi
atribuído por unanimidade, mas por grande maioria, e só foi decidido na
última reunião. Se lhe disser, além disso, que, quer na primeira
selecção, quer na discussão sobre as obras que chegaram à selecção
final, nem um momento se atendeu a pessoas ou tendências, a simpatias
pessoais, ou a outras afinidades, mas sempre, exclusivamente, aos livros
que havia que julgar, ter-lhe-ei dito o essencial sobre as razões da
esperança que se pode pôr nas consequências deste prémio na «actividade
artística dos nossos escritores». É verdade que o prestígio dum prémio
e, portanto, a sua capacidade de estímulo, não provém apenas da
importância monetária e da isenção com que o júri trabalha. O papel da
imprensa, por exemplo, seria muito grande, se ela estivesse disposta a
preocupar-se com acontecimentos «com as características do Prémio Camilo
Castelo Branco». Mas a grande /página
20/ imprensa resolveu manter um quase silêncio sobre esta
iniciativa da Sociedade de Escritores e do Grémio de Editores, que tem
de ser considerado, pelo menos, estranho. Sobretudo quando confrontando
com o grande realce dado a outros prémios que, quer sob o aspecto do
número de obras concorrentes, quer sob o aspecto da recompensa material,
são na verdade bem modestos...
2. Quanto ao modo de funcionamento
do júri, nenhumas. Quanto ao regulamento do concurso, suponho que a
Sociedade de Escritores admite algumas. Por mim, a que reputo mais
importante é aquela que o júri propôs à Direcção daquela Sociedade.
Refere-se ela a não mais serem admitidos conjuntamente romances, contos
e novelas. O júri deste ano viu-se na situação, um tanto embaraçosa, de
comparar grandezas de natureza diferente. Se a nossa sugestão de
alteração for aceite, passará a haver um Prémio Camilo Castelo Branco
para o romance e um outro para conto e novela, a atribuir
alternadamente. Conseguir-se-iam, assim, melhores condições de confronto
e selecção e um material muito mais vasto a avaliar, pois passaria a
concorrer a cada um destes prémios a produção de dois anos de cada um
dos géneros.
3.
Eis um problema sobre o qual não tenho, neste momento, uma opinião
definida ou definitiva. Será preferível que o júri escolha entre
todos os livros publicados, em vez de escolher entre os dos
escritores que resolvam concorrer? Talvez, do ponto de vista do
autor (e do editor, que poupa os seus seis exemplares...) que não se
queira sujeitar ao desaire de perder. O seu amor-próprio não será
posto em perigo. É este decerto um ponto a ter em conta. Mas, se se
tratar de um prémio merecidamente considerado, com um júri que
ofereça todas as garantias de competência, de verdadeiro amor à
coisa literária, de isenção, perder será um desaire? Não deverão,
por outro lado, os autores contribuir para o prestígio do prémio, do
seu prémio, dando-lhe a prova de confiança que iniludivelmente é o
facto de a ele concorrerem? |
|
|
José Rodrigues Miguéis |
|
|
|
Ao zarpar
–
Poesia versus versos
–
Colóquio com José Régio
–
Lurçat e o homem
–
Três Romances de
Kazantzaki
–
Inquérito sobre
o «Prémio Camilo Castelo Branco»
–
O testemunho de Dante
–
Variações quase sentimentais sobre
uma
cidade
–
Poemas
–
O fantasma
(conto)
–
Escrever um romance, realizar um filme
–
O Teatro-arte, o Teatro
de intriga-escola de títeres e o anti-Teatro de Ionesco
–
O Povo, mestre minimizado, mestre
desconhecido
–
Fac-símiles
|
|
|
|
|