boletim cultural e recreativo da tertúlia joão sarabando

 

João Sarabando - Um ano de reconfortante saudade


Bom dia, João Sarabando! Bom dia camarada, amigo ou companheiro. Bom dia! Um ano depois de teres abandonado o nosso convívio, aqui estamos junto de ti, relembrando-te como sempre foste, um homem probo e fraterno, uma alma invulgarmente generosa e tolerante, um cidadão de Aveiro e do mundo que, amando a sua terra como poucos, nela amava os homens e o mundo duma forma tão simples quanto íntima, que é a melhor maneira de amar quando o amor pelos outros se alberga no coração sem dar nas vistas, com vergonha até de ofender os que não fazem profissão de fé desta feição rara de estar entre os outros. Desculpa a justeza destas palavras, João! Só agora as posso dizer, pois sei bem que, se as pudesses ouvir, ficarias desconfortada e sem jeito, e capaz até de teres uma daquelas tuas iras tão límpidas e inocentes.

Bom dia, João Sarabando! Bom dia, amigo, Companheiro ou camarada! Que o foste de cada um de nós, na tua forma de cidadão impoluto que sabia escutar os mais novos, que tinha sempre uma palavra de ânimo para os que, como alguns de nós, começavam a marinhar a custo as escarpas da escrita e da assunção política, a bater-se pelo sonho de seguirmos, afinal, na tua esteira multímoda do diálogo franco e sempre sem ambiguidades. Contigo e em ti, aprendemos a navegar nos esteiros da Ria, a brancura dos cones de sal, a deambular pelas ruas antigas da tua urbe, a entoar as cantigas e versos do Cancioneiro de Aveiro, os despiques de escárnio e maldizer do Marques Sardinha e Maria Barbuda ao Desafio, livros teus que todos guardamos entre os livros mais benquistos das nossas estantes. Contigo, e na tua magia de fazer jornalismo, aprendemos a gostar do desporto, de que, aliás, foste praticante na juventude, buscando o paradigma do «mens sana in corpore sano" de que tanto nos fala Juvenal nas Sátiras.

Bom dia, João Sarabando! Bom dia, companheiro, camarada ou amigo! Aqui te recordamos, não com a saudade roxa de momentos lutuosos, mas com a alegria confortante e radiosa de te havermos conhecido, de termos convivido e festejado momentos de júbilo, de havermos aprendido com a tua companhia a ser mais cidadãos, a amar as auras que enfunam a nossa coragem; contigo, aprendemos a escandir em toda a sua dimensão esta quadra que um preso deixou algures numa masmorra da Pide: "Um homem em seu segredo / tem um segredo profundo; / nunca está só nem tem medo / quem ama os homens e o mundo". Apesar de já não viveres entre nós, João, tu não estás só, porque, como o homem desta quadra anónima, tu amaste os outros e o mundo, porque deixaste em cada um de nós-um cravo vermelha se sangue e de ânimo para te continuarmos, para dizermos não àqueles que, aqui e além, esquecem por vezes percursos exemplares de vida como aquele que nos legaste.

Obrigado, João Sarabando!

Voltaremos de novo e sempre ao teu convívio.

IDALÉCIO CAÇÃO,
in: "Litoral" de 13/2/1997


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