boletim cultural e recreativo da tertúlia joão sarabando


João Sarabando — um amigo


 

Foi no passado dia 9. Morreu mais um daqueles aveirenses que deixam bem vincada a sua pegada na terra. Desapareceu do nosso convívio alguém que marcou a sua presença na cultura, no desporto, no jornalismo; alguém que se entusiasmava quando se falava do humanismo solidário e da fraternidade humana. Acredito, porém, que ele ainda fala, apesar de morto.

Desde há dezenas de anos que me habituara a admirar João Sarabando e tinha prazer de me encontrar e conversar com ele. 0 seu "aveirismo" era-lhe conatural; a sua amizade era sem dissimulação; o seu interesse pelas coisas da nossa Terra era constante; o seu amor pela liberdade na ordem era uma tese que defendia.

Quando o via, uma incontida atracção me levava até ele, a ponto de logo nos cumprimentarmos mutuamente com um efusivo e sincero abraço; se ele via em mim um homem de fé, também eu pressentia nele um homem de carácter. Um dia alguém estranhou que a nossa saudação fosse assim tão expressiva. Ambos respondemos que nada tinha de especial, a não ser que éramos homens e aveirenses; por isso, respeitávamo-nos, conversávamos, trocávamos impressões e não discutíamos. Tanta coisa que nos unia!...

Num certo cair de tarde, após o jantar, aconteceu nos Arcos. Éramos quatro, tão diferentes nos seus ideais; eu também participei no diálogo, sempre de igual para igual, com muito respeito e compreensão. Todos aprendemos alguma coisa uns dos outros, sem nos cansarmos. Foi necessário que eu alertasse para o adiantado da hora, pois já passava da meia-noite. Nunca mais posso esquecer este encontro, que foi um desses momentos bem próprios da tolerância mútua dos aveirenses.

João Sarabando era sincero. Um dia, no passeio de uma das nossas ruas, ao lusco-fusco da lua, confidenciou-me que não sabia se tinha fé. "Se Deus existe — dizia ele — tenho para mim que Ele tem de ser amigo e não carrasco, pai e não fiscal, irmão democrata e não cruel ditador; se Deus existe, deve respeitar-nos e amar-nos, tal como Cristo". Se calhar, João Sarabando ajudou-me a confirmar a minha fé cristã.

Guardo deste aveirense um livro de arte que me ofereceu; leio e releio a dedicatória: — «Ao bom amigo, como símbolo da minha admiração pelo homem, pelo aveirense e pelo sacerdote».

Obrigado, João Sarabando. Aguardo o nosso reencontro.

João Gaspar, In “Correio do Vouga”, 14/2/1996.


Razão de ser e parecer João Sarabando: um amigo Uma do João Sarabando Uma carta invulgar Depoimentos de um «ex-incréu» Mário Sacramento Tradição popular Poema Morreu João Sarabando João Sarabando: um ano de reconfortante saudade Evocação Morreu J. Sarabando João Sarabando morreu há um ano No centenário de João da Silva Correia Morte do escritor Alexandre Cabral Morreu o Poeta António Gedeão Cagaréus e Ceboleiros D’Alto a Baixo: O WM Ser Jornalista Passatempos


 

Já está na 1ª página. Página inicial Página seguinte