Deste modo, a antiga
aluna da nossa escola demonstrou o seu gosto por essas duas formas de
expressão: poesia e teatro.
A propósito, foi
lembrada a representação do Gato das Botas no estaleiro teatral do
Parque de Aveiro, até 27 de Março, Dia Mundial do Teatro. Nessa
dramatização participou também Sofia Santos.
A sessão contou também
com a presença do compositor Miguel Sequeira, que acompanhou a
declamação com um fundo musical.
Entre os textos
seleccionados, ocupou um lugar de relevo a poesia de Fernando Pessoa e
seus heterónimos. Mas o momento mais alto do programa foi talvez a
dramatização do «Acto Institucional» de Thiago de Mello, cujo poema aqui
se transcreve na íntegra, bem como uma breve resenha biobibliográfica.
Prof. Paula Tribuzi
Os Estatutos do Homem (Acto Institucional
Permanente)
a Carlos Heitor Cony
Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.
Artigo II
Fica decretado que todos os dias da
semana,
inclusive as terças-feiras mais
cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de
domingo.
Artigo III
Fica decretado que, a partir deste
instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia
inteiro,
abertas para o verde onde cresce a
esperança.
Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.
Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.
Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de
aurora.
Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da
claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.
Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.
Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.
Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.
Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.
Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.
Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada
fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.
Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.
Thiago de Mello
Santiago do Chile, Abril de 1964
Thiago de Mello
Síntese biobibliográfica |
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1926 – Nasce a 30 de Março, na cidade de
Barreirinha, na margem direita do Paraná de Ramos (Amazónia) o poeta
Amadeu Thiago de Mello. Ainda criança, vai viver para Manaus, onde obtém
os primeiros estudos no Grupo Escolar Barão do Rio, e o segundo grau no
então Gymnásio Pedro II.
No Rio de Janeiro, ingressa na Faculdade
de Medicina, que abandona posteriormente para se dedicar inteiramente à
sua vocação poética.
1951 – Com o livro Silêncio e Palavra,
cuja aceitação é excelente, começa a ser conhecido entre os poetas
brasileiros. «... Thiago de Mello é um poeta de verdade e, coisa rara no
momento, tem o que dizer» — assim escreve acerca dele Sérgio Milliet. A
partir daqui, não mais parou de escrever, sendo da sua autoria as
seguintes obras:
Poesia
▪ Silêncio e Palavra, Edições Hipocampo,
Rio de Janeiro, 1951.
▪ Narciso Cego, Editora José Olympio, Rio
de Janeiro, 1952.
▪ A Lenda da Rosa, Editora José Olympio,
Rio de Janeiro, 1956.
▪ Vento Geral (reunião dos livros
anteriores e mais dois inéditos: Tenebrosa Acqua e Ponderações que faz o
defunto aos que lhe fazem o velório), Editora José Olympio, Rio de
Janeiro, 1960.
▪ Faz Escuro mas eu Canto, Civilização
Brasileira, Rio de Janeiro, 1965. 14a edição, 1993.
▪ A Canção do Amor Armado, Civilização
Brasileira, Rio de Janeiro, 1966. 7a edição, 1993.
▪ Poesia Comprometida com a Minha e a Tua
Vida, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1975. 7a edição, 1991.
▪ Os Estatutos do Homem (com desenhos de Aldemir Martins), Editora Martins Fontes, São Paulo, 1977. 6a edição,
1991.
▪ Horóscopo para os que estão Vivos,
Edição de luxo, ilustrada e editada por Ciro Fernandes, Rio de Janeiro,
1982.
▪ Mormaço na Floresta, Civilização
Brasileira, Rio de Janeiro, 1984. 3a edição, 1993.
▪ Vento Geral, Poesia 1951-1981,
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro 1981. 3a edição, 1990.
▪ Num Campo de Margaridas, Civilização
Brasileira, Rio de Janeiro, 1986.
▪ De uma vez por todas, Civilização
Brasileira, Rio de Janeiro, 1996.
Prosa
▪ Notícia da Visitação que fiz no Verão
de 1953 ao Rio Amazonas e seus barrancos, Ministério da Educação, 1957.
2a edição, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1989.
▪ A Estrela da Manhã, Estudo de um poema
de Manuel Bandeira, Ministério da Educação, Rio de Janeiro, 1968.
▪ Arte e Ciência de Empinar Papagaio, BEA,
Manaus, 1984, edição de luxo. 2a edição, Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, 1985.
▪ Manaus, Amor e Memória, Suframa,
Manaus, 1984, edição de luxo. 2a edição, Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, 4a edição, 1989.
▪ Amazonas, Pátria das Águas, Edição de
luxo, bilingue (português e inglês), com fotografias de Luiz Cláudio
Marigo. Sverner-Bocatto, São Paulo, 1991.
▪ Amazônia, a Menina dos Olhos do Mundo,
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1992.
▪ O Povo Sabe o Que Diz, Civilização
Brasileira, Rio de Janeiro, 2a edição, 1993.
▪ Borges na Luz de Borges, Pontes
Editores, São Paulo, 1993.
Para um conhecimento mais aprofundado do
escritor, indicam-se, entre os muitos existentes, alguns endereços da Internet:
jornal da poesia -
http://www.revista.agulha.nom.br/tmello.html
http://www.releituras.com/tmello_menu.asp
http://www.revista.agulha.nom.br/tmello.html#estat
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