O
ensino recorrente, parente pobre do sistema educativo
português, ganhou notariedade através do oportunismo
de alunos de outros subsistemas, que viram nele uma
forma eficaz de furarem a barreira selectiva do ensino
superior e assim entrarem nos almejados cursos de
Medicina.
Os mass
media encarregaram-se de fazer disso uma verdadeira
cruzada.
O
ministério acordou da sua letargia... E os legisladores
deitaram mãos à obra. Foi um tal produzir... Todos os
processos tiveram de ser revistos e, muitas vezes,
atribuídas novas equivalências aos planos de estudo.
Os
inquisidores ministeriais - inspectores - velam para que
tudo se processe de acordo com as últimas normas
legislativas.
E se
efectivamente não podemos pactuar com fraudes, teremos
de ver a quem se destina este subsistema de ensino e
organizá-lo de forma coerente, para que seja eficaz e
cumpra os objectivos.
O SEUC
é um ensino de segunda oportunidade. Destina-se a
trabalhadores estudantes. É nesta perspectiva que deve
ser repensado e reorganizado.
Os
materiais que o Ministério organizou para apoiar este
subsistema de ensino pecam, de uma maneira geral, por
uma enorme falta de qualidade; e as editoras também
não fazem do ensino recorrente a sua prioridade.
Assim,
o caminho a percorrer, mais do que seleccionar e travar
o acesso ao ensino superior, passa por reformular,
formar e apoiar, para que os alunos do ensino nocturno
disponham de igualdade de oportunidades no país que
eles, no seu dia a dia, ajudam a construir.
Ser
professor no ensino recorrente é um verdadeiro desafio!
Mas dedilhar filósofos é uma ousadia! E o mundo é
sempre dos que ousam...
Assim,
o professor tem de contornar alguns obstáculos e criar
algumas “receitas.”
Há
que esgrimir contra o pragmatismo imediatista do saber
“prêt-à-porter” e criar tempo de “namoro” e
intimidade entre a obras a estudar e os alunos. E isto
não apenas no âmbito da disciplina de Filosofia, mas
também em muitas outras, que exigem dos alunos o
conhecimento de alguns dos que esgrimam no campo das
letras com a Língua Portuguesa.
Depois,
numa atitude de radicalidade e com muita “adrenalina”,
mergulhar nesse mundo esotérico, no caso da Filosofia,
ou no mundo da ficção literária e procurar
descodificá-los, rasgando de vez os véus do
preconceito, que tantas vezes impedem o mergulho!
É aí
que autores, como Platão, Kant e Nietzsche caminham de
mãos dadas. Todos diferentes e muito iguais nessa
radicalidade. E é também aí que figuras diversas, que
espelham de algum modo o mundo real, convivem e
interagem, constituindo a trama da acção e espelhando,
também eles, por vezes, maneiras próprias de pensar e
encarar o mundo real.
O que
deveria ser o professor neste sistema de ensino?
Um
tutor que oriente o trabalho self-service do aluno! Mas
não o pode efectivamente ser. E não pode porque a sua
actividade faz-se num caminhar lento, passo a passo; e o
aluno, numa grande maioria dos casos, ainda não está
preparado para o conseguir de forma autónoma. De onde
resultam diversas dificuldades que o professor deve
procurar resolver, tanto mais que, quase sempre, se
depara com a dificuldade de ter de trabalhar
simultaneamente com várias unidades no mesmo espaço da
sala de aula.
Num
tipo de ensino como é o recorrente, não há, como em
tantos outros casos, fórmulas feitas ou esquemas
paradigmáticos que o professor possa seguir. É a
experiência que o vai ajudando a contornar os
obstáculos.
Se
medirmos a eficácia deste ensino pelo número de
unidades capitalizadas, ela é de facto questionável.
Mas
não deveremos perder de vista que as três últimas
unidades de Filosofia, por exemplo, (8, 9 e 10)
correspondem ipsis verbis ao programa leccionado
no 12º ano.
Outro
dos problemas com que se debate o professor do ensino
recorrente é com a flutuação da população
estudantil. Os alunos podem na prática matricular-se
durante todo o ano lectivo, o que implica um “eterno
recomeçar”. E o facto de muitos deles serem
trabalhadores estudantes, é mais uma condicionante na
possibilidade de ter uma continuidade de aprendizagem.
Não
posso, no entanto, deixar de salientar o quão
gratificante é este subsistema de ensino na
interacção humana. Cada aluno é sempre compreendido
como uma pessoa na sua circunstância. E é com esta
multiplicidade de individualidades que o professor tem
de trabalhar, atendendo às diferenças e às
especificidades de cada um.
Isabel
Bernardino