BOLETIM   CULTURAL   E   RECREATIVO   DO   S.E.U.C.  -   J.  ESTÊVÃO


PÁGINA 1
Editorial
Alcino Carvalho
PÁGINA 2
Amadeu de Sousa - Homenagem
Paula Tribuzi
PÁGINA 3
Contos tradicionais portugueses
PÁGINA 4
Uma pedra que era doce
Henrique J. C. Oliveira
PÁGINA 5
Dia da África
Poetas Africanos
PÁGINA 6
Mudar nem sempre é melhorar
João Paulo C. Dias
PÁGINA 7
Navegando no espaço virtual
Alcino Cartaxo
PÁGINA 8
Prémio literário J. Estêvão
PÁGINA 9
Acerca do SEUC
Apontamentos
Isabel Bernardino
PÁGINA 10
Organização e funcionamento do SEUC
João Paulo C.Dias
PÁGINA 11
Receitas para o fígado
PÁGINA 12
Hora do Recreio
HJCO
PÁGINA 13
Fac-símile da 1ª página
 

Navegando no espaço virtual

      Um (ciber)zero

"A geração NET acabou de chegar (...) O que torna essa geração tão diferente das anteriores é o facto de ser a primeira a crescer rodeada dos media digitais. Nalguns países e em diversos estratos sociais, os computadores estão em casa, na escola, na fábrica e no escritório (...) São miúdos submergidos em bits, que os julgam parte integrante do ambiente em que vivem. Em suma, algo tão natural como a própria vida".

Executive Digest DIGITAL, Dez 1997, p.19

Não invento nada. Limito-me a trazer para aqui o que os autores, que refiro na bibliografia, disseram acerca dos benefícios/riscos do "ciberprogresso". Nada mais. Por isso, irei deixar falar os autores, partilhando com eles algumas interrogações e algumas “suspeitas”.

Mais em jeito de informação, segue, no final, um conjunto bibliográfico para despertar e satisfazer alguma curiosidade. Pelo menos, fica o registo dos “porta-vozes” do “ciberespaço”.

Uma entrada

A geração NET é filha da era digital. A revolução das comunicações está a "lançar" uma nova geração, um novo mundo, uma nova mentalidade, novas solidariedades e novas afectividades. Criou-se um novo espaço, o “espaço do saber” onde os intelectos colectivos “reconstituem um plano de imanência do significado onde os seres, os signos e as coisas reencontram uma relação dinâmica de participação mútua, escapando tanto às separações do Território como aos espectaculares circuitos do Mercado” (Lévy, 1997:209). Este “espaço do saber” assume-se como o cenário da tomada da palavra contínua e efectiva, marcando o regresso do real à esfera da significação pela implicação de seres vivos.

Num tempo em que o prefixo "ciber" invade as diferentes áreas da actividade humana (cibercultura, ciberpolítica, ciberespaço...), num tempo em que a magia dos "mundos virtuais" acolhe e seduz um público cada vez mais diverso e plural, cada vez mais numeroso e apaixonado, é oportuna uma ligeira passagem por este universo que, definitivamente, "programa" a nossa agenda quotidiana (pessoal, social, existencial). Para Pierre Lévy, estamos a assistir à emergência de uma outra "inteligência colectiva", de que as novas tecnologias da informação constituem o instrumento privilegiado. Esta “inteligência colectiva” são “comunidades humanas que comunicam no seu seio, que se pensam a si próprias, partilhando e negociando permanentemente as suas relações e os seus contextos de significações partilhadas” (ibid.:242).

As novas tecnologias da informação ilustram o lugar central ocupado pela informação e pela comunicação na sociedade contemporânea, já que, a partir de novos serviços informáticos, das telecomunicações e da televisão, se anunciou o nascimento de uma nova sociedade.

Em menos de 20 anos este tema da sociedade da informação impôs-se com um sucesso considerável, legitimado pela perspectiva, pelas indústrias da comunicação, pelas tecnocracias, pelos media. A tal ponto que nos é permitido falar de uma "ideologia técnica" com alguma originalidade. Entendida, aqui, a ideologia como um conjunto de ideias, de crenças, de doutrinas próprias de uma época, de uma sociedade ou de uma classe. A sua configuração, porém, é vinculada a um contexto histórico. E não se confunde com uma ideologia científica, tal como foi publicitada no séc. XIX.

A ideologia técnica tem um impacto social considerável, precisamente porque é modesta e instrumental. É verdade que, como toda a ideologia, ela pretende transformar o mundo, mas fá-lo a partir de realidades compreensíveis por toda a gente. Por outras palavras: a sua modéstia aparente é uma garantia do seu sucesso, associada à sua dimensão instrumental. É que a técnica permite a comunicação em todas as direcções e azimutes, enquanto a ciência não abre essa possibilidade. A emergência de uma sociedade da comunicação, sonhada e desejada, em consequência disto, "desculpabiliza" as "prisões" associadas à "sedução" da técnica. Um exemplo disto poderá ser a Internet, rede que, hoje, fascina e seduz, deslumbra e disponibiliza espaços lúdicos e de prazer.

Há mais de 20 anos que se fala da "sociedade da informação e da comunicação". As primeiras referências datam dos anos 70. Mas são os anos 90 que "popularizam" esta realidade, ao ponto de se transformar num dos assuntos centrais do espaço público e dos media. O nosso tempo assiste, todos os dias, à "sacralização" dos méritos e das promessas das "auto-estradas da informação", das virtudes da interactividade e dos prodígios da internet. É como se, de repente, passássemos do arcaísmo às "utopias informacionais", depois aos mercados florescentes, enfim às mutações sociais e culturais, revolucionando tudo em simultâneo: o trabalho, a educação, os lazeres, os serviços.

A NET aí está. Para nosso consumo. Qual a fonte de tal sucesso?

Uma ciberdigressão

Embora minoritárias, demograficamente, as novas tecnologias invadiram todo o espaço humano e social: nos media, nas conversas, nas referências.

É, porém, a significação cultural que se impõe e que nos interessa. É preciso compreender as razões do sucesso das novas tecnologias. O computador transformou-se num "objecto-farol", tal como o automóvel nos anos 50/60. As motivações de tal salto são, essencialmente, de ordem cultural.

Cinco razões, complementares, explicam este movimento actual (Wolton, 1997:246-254): :

Ruptura com os "mass-media"

Aventura duma geração

Símbolo da modernidade

Resposta a uma certa angústia antropológica

Sonho dum "curto-circuito" para o desenvolvimento dos países pobres

       a) - ruptura com os "mass-media"

Por três razões fundamentais:

primeiro, a televisão faz parte do presente indefinido, enquanto a NET está do lado do futuro;

segundo, o utilizador tem o sentimento de se tornar activo, não se limitando a um mero receptor de imagens, mas assumindo-se como um actor/criador, como um decifrador e intérprete das mensagens que circulam. É certo que a televisão temática deixa a impressão de que a escolha existe, mas é de uma lógica da recepção que se trata. Com o computador, mergulha-se num outro espaço: existe o teclado, não imagens;

terceiro, nesta relação, o utilizador tem o sentimento de agir individualmente, até mesmo de dialogar com um outro, interioriza um espaço de interactividade. A interacção proporcionada pelo teclado deixa a sensação de responsabilidade e de acção. É que as novas tecnologias respondem à necessidade de uma comunicação imediata. "A internet é o inverso da televisão; o intercâmbio tem a primazia sobre a imagem" (ibid.:246). Não importa o conteúdo, mas a própria mensagem que deixa o sentimento de um espaço interactivo e, mesmo, público (onde a distância "se esconde"). O sentimento de igualdade sobressai num percurso onde os "internautas" são timoneiros/parceiros da comunicação. Não há hierarquias na navegação virtual. Há companheiros de viagem. Estamos num espaço onde cada um toma a palavra e se serve dela ao estilo "faça você mesmo". Sujeito/actor do "ciberacontecimento comunicacional".

       b) - aventura cultural duma geração

O sucesso das novas tecnologias da informação são o sinal duma geração. Uma geração que nasceu com a televisão, viu os seus pais consagrar-lhe uma parte considerável do seu tempo, e que, de repente, tem a sensação de criar o seu próprio território de aventuras, de poder inventar alguma coisa, e, assim, distinguir-se das gerações anteriores. Esta "nova geração" esboça e constrói uma autêntica subcultura para se afirmar na diferença. É um novo espaço, um novo território, palco de novas aventuras e de novas sensações/emoções, de novas conquistas e de novas descobertas. Um espaço de actividades que têm um futuro, onde se podem criar outras solidariedades e outras formas de sociabilidade, onde há lugar para a invenção de uma nova arte de viver, onde as “alfândegas” dão lugar a “zonas francas” sem “polícias de fronteira”. Geram-se “novos sistemas de proximidade”, pois os seres humanos “não habitam apenas o espaço físico ou geométrico, vivem também e simultaneamente em espaços afectivos, estéticos, sociais, históricos” (Lévy, 1997:180). Ou, como afirma Cardoso (1998:25), “os utilizadores da Internet e do ciberespaço não se limitam a ser processadores solitários da informação, são também seres sociais. Não procuram apenas informação, também buscam pertença, apoio e afirmação, são também actores sociais”. Estas dimensões sócio-culturais exteriores às características propriamente técnicas são importantes.

A cultura da velocidade e o fim das distâncias são notas salientes desta "cibercultura", tal como o deslumbramento e a sedução das novas tecnologias. De facto, poder comunicar com não importa quem, a qualquer hora, em qualquer lugar, sobre não importa o quê, tem algo de fascinante. Há sempre alguém com quem se pode entrar em relação, dispensando-se qualquer elemento de identificação. O importante é ser actor num novo mundo.

A significação cultural da internet parece mais importante do que a batalha económica e industrial, porque estas redes condensam todas as aspirações da sociedade individualista de massa: o indivíduo, o nome, a liberdade, a igualdade, a rapidez, a ausência de constrangimentos. É a procura de um outro espaço e de um outro tempo.

A desregulamentação é outro momento desta "ciberaventura". "A liberdade, o imaginário, o «fora de lei» mais do que o «sem lei», com uma mistura de transparência e de novo, dominam neste Far West da comunicação" (ibid.:248). Querem-se "liberdades", deseja-se a "desregulamentação"; é preciso que tudo circule. A regulamentação da "cibernavegação" surge como um poderoso obstáculo à livre circulação da "mercadoria"; as censuras ao "livre trânsito" são entendidas como limitações à liberdade.

Esta geração alimenta a esperança de criar uma outra cultura, uma outra sociedade, baseada na "solidariedade tecnológica"; um universo sem fronteiras.

       c) - símbolo da modernidade

As tecnologias da comunicação não ameaçam a natureza como o nuclear; trata-se de objecto imaterial, convivial, directo, instantâneo, criando uma realidade virtual que não tem necessidade de se justificar por relação a uma tradição. As redes, na sua disponibilidade lúdica, favorecem a iniciativa individual e o conhecimento. A magia das novas tecnologias da comunicação e da modernidade que elas simbolizam, reside no facto de estarmos em presença de instrumentos que não reclamam qualquer esforço, libertando o homem de toda a preocupação e lançando-o num universo silencioso como o ciberespaço. Esta "ciberdigressão" estabelece a ligação ecologia-comunicação, preocupação em destaque na modernidade. É que a (ciber)sociedade não degrada a (real)sociedade, mas respeita-a.

Por outro lado, a Internet gera conhecimentos, talvez um dos símbolos maiores do séc. XX.

Esta aventura simboliza o sonho dum mundo fraternal, sem fronteiras, sem hierarquias sociais ou culturais. Todos os indivíduos podem entrar na rede. É a emergência duma "sociedade da omnipresença". O ecrã torna-se o lugar das representações da modernidade com o que ela tem de melhor: o ideal da transparência e da imediatidade.

A NET anuncia, simultaneamente, as promessas de um trabalho mais livre e descentralizado, anuncia uma nova cultura do trabalho onde as hierarquias inúteis se dispensam. O mesmo acontece com a educação.

Alcino Cartaxo

Nota: Este mesmo artigo, com maior desenvolvimento e abrangendo vários aspectos, encontra-se na página deste colaborador do espaço «Aveiro e Cultura»:     ..\..\HJCO\hjco\index.htm


1.Editorial   2.Homenagem a Amadeu de Sousa   3.O aprendiz do mago (conto popular)   4.Uma pedra que era doce    5.Dia da África - Poetas africanos    6.Mudar nem sempre é melhorar   7.Navegando no espaço virtual    8.Prémio literário José Estêvão    9.Acerca do SEUC   10.Organização e funcionamento do SEUC     11.Receitas para o fígado (humor)    12.Passatempos   13.Fac-símile da 1ª página


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