Todos
os anos costuma ser festejado na escola o Dia da
África. E os festejos constam, habitualmente, de um
serão de convívio com todos os elementos da escola e
de um conjunto de actividades de índole cultural. Esta
tem vindo a ser, desde há alguns anos, a tradição da
escola. Acontece que nem sempre as tradições se
mantêm. Surgem imprevistos, circunstâncias alheias à
vontade de todos, que fazem com que as tradições
deixem de ser o que eram. Foi este o caso, este ano.
Circunstâncias imprevistas impediram que uma
actividade, devidamente registada no plano anual de
actividades, não pudesse concretizar-se.
Não
houve o agradável convívio entre todos. Mas, pelo
menos, manteve-se uma parte das celebrações. Imagens
obtidas há muitos anos em várias zonas do nordeste de
Angola, na mesma altura em que Ulisses, o narrador da
história das amêndoas inserida neste número do “Alternativas”,
foram cuidadosamente distribuídas num expositor e
ressuscitaram, quem sabe, personagens e locais
certamente há muito desaparecidos.
Com as
imagens de outras décadas já do século passado,
estiveram as palavras sempre presentes daqueles que, no
vasto mundo, têm uma pátria comum: a língua
portuguesa. Estiveram patentes as palavras escritas de
alguns poetas africanos, que os alunos da noite
pesquisaram na NET, seleccionaram e imprimiram, para
figurarem, lado a lado, nos expositores colocados num
dos átrios principais da escola.
Não
vamos aqui apresentar tudo quanto esteve exposto.
Necessitaríamos, não de um boletim, mas de uma revista
integralmente consagrada à literatura africana.
Seleccionar
é uma atitude demasiado subjectiva e sujeita a
críticas, a más ou incorrectas interpretações,
mormente quando escolhemos alguns autores em detrimento
de outros. Na exposição figuraram, entre outros, os
nomes de Viriato Cruz, Noémia de Sousa, Francisco José
Tenreiro, José Craveirinha e Agostinho Neto.
Seleccionámos para o nosso jornal apenas três poemas
de três países africanos. Para os nomes aqui omitidos,
sugerimos aos interessados uma pesquisa na Net.
Seguramente aí encontrarão muita e variada
informação.
Passemos
à apresentação dos três poemas seleccionados. Três
poemas de três países diferentes que têm um elemento
comum: a mesma pátria linguística, ou seja, a língua
portuguesa.
|
Quero ser tambor
Tambor
está velho de gritar
ó velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos. |
José
Craveirinha |
E
nem flor nascida no mato do desespero.
Nem rio correndo para o mar do desespero.
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero.
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.
Nem
nada!
Só
tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra.
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra.
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra!
Eu!
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala.
Só tambor velho de sangrar no batuque do meu povo.
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.
Ó
velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando a canção da força e da vida
só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!
Oh,
velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!
JOSÉ
CRAVEIRINHA - Moçambique
Mãos
Esculturais
Agostinho
Neto |
|
Além
deste olhar vencido
cheio dos mares negreiros
fatigado
e das cadeias aterradoras que envolvem lares
além do silhuetar mágico das figuras
nocturnas
após cansaços em outros continentes dentro de África
Além
desta África
de mosquitos
e feitiços sentinelas
de almas negras mistério orlado de sorrisos brancos
adentro das caridades que exploram e das medicinas
que matam
Além
África dos atrasos seculares
em corações tristes
Eu
vejo
as mãos esculturais
dum povo eternizado nos mitos
inventados nas terras áridas da dominação
as mãos esculturais dum povo que constrói
sob o peso do que fabrica para se destruir
Eu
vejo além África
amor brotando virgem em cada boca
em lianas invencíveis da vida espontânea
e as mãos esculturais entre si ligadas
contra as catadupas demolidoras do antigo
Além
deste cansaço em outros continentes
a África viva
sinto-a nas mãos esculturais dos fortes que são povo
e rosas e pão
e futuro.
Agostinho Neto - Sagrada
Esperança, 1974
EPOPEIA
Não
mais a África
da vida livre
e dos gritos agudos de azagaia!
Não mais a África
de rios tumultuosos
- veias entumecidas dum corpo de sangue!
Os
brancos abriram clareiras
a tiros de carabina.
Nas clareiras fogos
roxeando a noite tropical
Fogos!
Milhões de fogos
num terreno em brasa!
Noite
de grande lua
e um cântico subindo
do porão do navio.
O som das grilhetas
marcando o compasso!
Noite
de grande lua
e destino ignorado!...
Foste o homem perdido
Em terras estranhas!...
No
Brasil
ganhaste calo nas costas
nas vastas plantações do café!
No norte
foste o homem enrodilhado
nas vastas plantações de fumo!
Na
calma do descanso nocturno
só saudade da terra
que ficou do outro lado...
dum ritmo estranho!
Os
homens do norte
ficaram rasgando
ventres e cavalos
aos homens do sul!
Os
homens do norte
estavam cheios
dos ideais maiores
tão grandes
que tudo foi despropósito!...
Os
homens do norte
os mais lúcidos e cheios de ideais
deram-te do que era teu
um pedaço para viveres...
Libéria! Libéria!
Ah!
Os homens nas ruas da Libéria
são dollars americanos
ritmicamente deslizando...
Quando
cartas nos cabarés
Fazendo brilhar o marfim da tua boca
É a África que está chegando!
Quando
nas Olimpíadas
Corres veloz
É a África que está chegando!
Segue
em frente
irmão!
Que a tua música
seja o de uma conquista!
E
que o teu ritmo
seja a cadência de uma via nova!
para
que a tua gargalhada
de novo venha estralhaçar os ares
como gritos agudos e azagaia!
Francisco José Tenreiro