Assim, no dia 8 de Maio o Ginásio da Escola
encheu-se de jovens do 10.º e 11.º anos que ouviram o Professor
Catedrático da Universidade de Coimbra João Maria André.
Transcrevem-se alguns ecos do seu discurso, no que
dizem alguns alunos do 10.º C que foram convidados pela professora de
Filosofia a redigir um artigo.
Texto 1 - Mafalda Santos
(…) Os conceitos de
«globalização», de «mestiçagem» e de «hospedagem» foram dos mais
abordados pelo orador.
A globalização que,
actualmente, transforma o mundo que habitamos numa «aldeia global», é
fortemente apoiada pelas novas formas de comunicação, pelas técnicas que
surgiram, principalmente, a partir da década de 40 (matriz cibernética).
Isto porque o homem tem necessidade de contactar, de experimentar, de
conhecer e de dialogar, até porque “o «ser em» do homem não é como o ser
da água no copo, ou o ser do vestido no armário; mas é antes o ser de
quem habita e nele mora, com tudo o que o caracteriza em termos sociais
e históricos”, como afirma o professor. Mas, em seu entender, não há só
um tipo de globalização, mas sim dois, bem distintos. Em primeiro lugar,
e mais conhecido, está o da globalização como fenómeno económico. Todos
conhecemos esta realidade das multinacionais que espalharam a sua
hegemonia pelo mundo, de que o orador destaca, entre outras, a “McDonaldização”.
Esta globalização encontra-se na ideologia do neoliberalismo, que adopta
“a lei da selva”, “a lei do mais forte”. Inversamente, há outro tipo de
globalização, globalização esta que pretende, combatendo a situação
anterior, ajudar os mais fracos, até porque todos somos iguais em
direitos e dignidade. Estamos, então, perante uma “globalização de
solidariedade”, esta mais promovida por políticas com preocupações de
índole mais social. Assim, os excluídos pelas assimetrias
caracterizadoras do acesso ao “World-system” teriam a oportunidade de
alcançar o resto do mundo e de não ficarem ainda mais para trás.
Mas, paradoxalmente,
a globalização pode impedir a “mestiçagem”, na medida em que priva as
culturas do seu território, do local onde praticam os seus costumes,
promovendo, não a mestiçagem, mas sim a homogeneização cultural por
parte dos “invasores”. O professor afirma ser “indispensável contrariar
a voragem ecossistémica, violenta, desta globalização, quer
afastando-nos de uma atitude etnocentrista, quer recusando uma mera
coexistência sem diálogo, defendida pelo relativismo axiológico. (…)
Todos observamos a
diversidade e o diálogo cultural que são uma realidade, todos somos
vítimas da “globalização de rapina”. O que todos precisamos é de uma
educação para a diferença e para o verdadeiro diálogo intercultural.
Para isso, é preciso criar “espaços utópicos de meditação e mestiçagem”
e assim promover a capacidade de acolher o outro. Até porque o diálogo
sempre foi uma via que permitiu a mestiçagem, a ligação afectiva com o
outro, o que nos remete para a ideia de tolerância no sentido de receber
o outro como se fôssemos a sua morada, a sua casa – de o “hospedar”.
É esta a mensagem
que o professor transmite aos jovens, os quais afirma estarem a sofrer
de um retorno às suas origens, ao seu instinto tribal, facilmente
demonstrado pelas suas atitudes e maneiras de vestir (por exemplo a
pintura do cabelo, o uso de penas, entre outros). Para esclarecer mais
atractivamente os conceitos de “mestiçagem” e de “hospedagem” e a forma
como estes se processam no nosso universo cultural, o professor
proporcionou um momento musical. (…)
Assim terminou a
conferência que nos sensibilizou, na continuidade das aulas de
Filosofia, para alguns problemas da sociedade contemporânea.
Texto 2 - Inês Oliveira
(…)“Mestiçagem”,
segundo João Maria André, não é ter um holandês no Alentejo a ver um
canal espanhol. Para conseguir atingir o diálogo, precisamos, antes de
mais, de ser tolerantes. Muitas vezes, a palavra tolerância tem uma
conotação negativa, é usada para nomear um estado de ignorância e de
distância. Carrega a coexistência afastada e o isolamento. Mas a
tolerância que se requer, é a que conduz à hospedagem do outro. Para
isso, é necessário envolvimento e mutualidade, contacto e troca, diálogo
e comunhão. Desse modo, a nossa identidade cultural não se perde, mas,
naturalmente, evolui, de modo a prosperar.
Olhemos para os
artistas, foi uma das sugestões apontadas. Eles sabem, como ninguém,
ultrapassar os muros que os povos constroem à sua volta.
Eles procuram, nas
suas criações, unir elementos de diferentes culturas, conseguem, em
parte, tornar a utopia da harmonia universal uma realidade. A arte é um
meio privilegiado de promoção do diálogo interculturas que deve servir
de incentivo e de modelo a uma convivência partilhada entre os
diferentes modos de sermos e de nos tornarmos humanos, humanos cada vez
mais humanos. (…)
Texto 3 - Beatriz Ferreira
(…) Na palestra
realizada no ginásio da escola, o Professor discursou sobre o tema do
multiculturalismo (diversidade cultural) relacionado com a tão falada
globalização, um conceito ao qual já nos habituámos, ouvindo por exemplo
falar da expansão de multinacionais como a “Coca-Cola” ou o “McDonald’s”.
Mas estará a globalização apenas ligada com este tipo de processos? De
certo que não, e para nos elucidar sobre o tema, o orador começou por
definir Nação como um conjunto de pessoas que vivem num estado
politicamente organizado. Inerente a uma Nação/Estado está uma cultura,
um povo com os mesmos costumes, língua e religião, todos eles herdados
mas todos eles em constante mutação, sendo esta a definição de cultura
como sendo algo dinâmico e não estático. Desta forma, existem hoje no
nosso planeta inúmeras culturas, algumas que se tocam em certos
aspectos, outras completamente divergentes. Como deve ser a relação
entre elas e qual deve ser a nossa atitude face a esta situação? Esta é
uma pergunta que está cada vez mais em voga no séc. XXI, o século da
troca de informação instantânea, e cuja resposta urge.
Várias
respostas e atitudes têm surgido face a esta questão. Nesta conferência,
o Professor João Maria André veio defender a sua tese, uma tese que
refuta quer o etnocentrismo, quer o relativismo cultural, e que defende
a prática do diálogo e do contacto entre todas as culturas, promovendo
trocas constantes para que se possam enriquecer mutuamente. Esta ideia é
suportada e baseada na tolerância (mas não no seu sentido de mero
suportar ou de simples coexistência) e principalmente no conceito de
mestiçagem, fundamental para o orador. Todos nós somos mestiços, sendo o
nosso “eu” o conjunto de todas as nossas vivências e experiências de
vida. De acordo com João Maria André somos mestiços na linguagem
(enriquecida com tantos termos de outras línguas de outras culturas), na
nossa alimentação (repleta de alimentos de outras culturas), no nosso
vestuário e até no nosso conhecimento (inimaginável sem conhecimentos
adquiridos por outros). O próprio termo mestiçagem provém do francês
“tissage” correspondente a tecer, prova que todos nós somos resultado de
várias e diferentes linhas inter cruzadas…
Assim, a
mestiçagem revela uma hospedagem do outro em nós, uma mistura totalmente
desprovida de conflitos, que segundo o Professor é conseguida por
excelência e de forma deveras natural pelos artistas, que a expõem na
sua arte, quer seja através da pintura, da música, da escultura ou da
arquitectura. Para nos demonstrar e exemplificar esta espontânea fusão,
João Maria André trouxe duas músicas que fundiam na perfeição, a
primeira, o chorinho brasileiro com uma conhecida obra do compositor
europeu Bach e, a segunda, a sinfonia nº 40 de Mozart com música antiga
egípcia. Como outro bom exemplo, desse trabalho dos artistas, referiu o
famoso quadro de Pablo Picasso, “Les demoiselles d´Avignon”, em que para
criar os seus rostos, o pintor se inspirou nas máscaras africanas.
Para finalizar,
João Maria André desejou que todos pudéssemos ser como os artistas, ver
mais além e conseguir fundir de forma tão pacífica os melhores aspectos
das várias culturas, pois todas, sem excepção, têm aspectos mais
negativos, que são inaceitáveis e aspectos muito positivos,
conseguindo-se assim atingir, em pleno século XXI, uma partilha
enriquecedora para todas as partes interessadas, ou seja, todos os seres
humanos.
Depois desta
conferência, ficámos todos ainda mais sensibilizados para esta ideia.
Texto 4 -
João Nogueira
(…) O
multiculturalismo não é um fenómeno que se possa escolher ter no nosso
país ou não. É um fenómeno actual e globalizado de tal modo que a única
forma de nos posicionarmos perante esta situação é encará-la da melhor
maneira possível. O que devemos fazer? Devemos fingir que nada se passa?
Porque não aprender com outras culturas? Será isso mau? Implicará perder
a identidade?
Como João Maria
André sublinhou: “Somos todos mestiços”. Mas, afinal, o que significa
isso? Mestiçagem é a combinação cultural. Nós aprendemos a ser o que
somos em casa, na escola, com as histórias que lemos, com os filmes a
que assistimos, com as obras de arte que contemplamos, enquanto viajamos
e contactamos com outras pessoas, quando emigramos, etc. Por isso, somos
mestiços, pois em cada um de nós e na cultura de que somos herdeiros, se
cruzam traços muito distintos que estão ligados a diversas civilizações
(celta, árabe, greco-romana, hebraico cristã, etc.).
Consequentemente,
devemos deixar de ter medo do outro, do que é de fora da nossa casa, da
nossa cidade, do nosso país, da nossa Europa. Devemos sair das trevas da
ignorância, “respirar a luz” do conhecimento e das culturas diferentes
da nossa, procurando conhecê-las, olhando-as com o mesmo respeito e a
mesma postura crítica que a nossa cultura nos merece, assentes na
exigência do respeito pelos Direitos Humanos. Não podemos deixar que a
par do multiculturalismo ocorram “comportamentos e atitudes de
segregação, de marginalização e exclusão social”. O confronto cultural
deve ser pacífico e, sem fundamentalismos, deve resultar no melhoramento
de cada cultura a partir da partilha com outras formas de ser, de pensar
e de actuar. (…)
Pessoalmente,
agradaram-me as ideias defendidas por este filósofo, pois vieram ao
encontro das reflexões que sobre este assunto realizei nas aulas.
Conclusão
Dos testemunhos
recolhidos, fica-nos a certeza de que este evento foi um momento
importante na dinâmica do ensino-aprendizagem que a nossa Escola
promoveu neste ano lectivo, mas nesta área da educação intercultural há
ainda muito a fazer. Partilhamos, com João Maria André, as ideias de que
“O desenvolvimento de uma consciência crítica face às situações de
injustiça e às suas causas, àquilo que perverte um igual acesso ao
exercício do direito de cidadania, não só política mas também cultural,
abre uma vertente que constitui já o chão indispensável para um diálogo
intercultural despreconceituoso e empenhado. Mas se assume esse diálogo
com toda a radicalidade ele implica muito mais: uma praxis de
transformação interior que se repercute numa praxis de transformação
social de todas as situações que geram vítimas e excluídos do universo
cultural e político dominante e maioritário. É por isso que a educação
intercultural pode e deve ser assumida como uma prática num empenhamento
sócio-político, numa perspectiva holística e como educação para a
cidadania plena.”
(Diálogo
Intercultural Utopia e Mestiçagens em tempos de Globalização, 2005)
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