PARTIDA
PARA O CONTRATO
O rosto
retrata a alma
amarfanhada pelo sofrimento
Nesta
hora de pranto
vespertina e ensanguentada
Manuel
o seu amor
partiu para São. Tomé
para lá do mar
Até
quando?
Além no
horizonte repentinos
o sol e o barco
se afogam
o mar
escurecendo
o céu escurecendo a terra
e a alma de mulher
Não há
luz
não há estrelas no céu escuro
Tudo na terra é sombra
Não há
luz
Não há norte na alma da mulher
Negrura
Só negrura...
Agostinho
Neto
(Angola:
1922-1979)
MULHER
Chamam-te
linda, chamam-te formosa,
Chamam-te
bela, chamam-te gentil...
A rosa é
linda, é bela, é graciosa,
Porém a
tua graça é mais subtil.
A onda
que na praia, sinuosa,
A areia
enfeita com encantos mil,
Não tem
a graça, a curva luminosa
Das
linhas do teu corpo, amor e ardil.
Chamam-te
linda, encantadora ou bela;
Da tua
graça é pálida aguarela
Todo o
nome que o mundo à graça der.
Pergunto
a Deus o nome que hei-de dar-te
E Deus
responde em mim, por toda a parte:
Não
chames bela — chama-lhe Mulher!
Rui
de Noronha
(Maputo:
1909-1942)
LEVARAM-NO
Levaram-no!
A casa
ficou sem ninguém
O barulho
da porta ao bater
Com o
barulho do vento se misturou
Levaram-no!
O chorar
das crianças
Sem
ninguém
Levaram-no!
O
cansaço repartindo-se por todas as almas
Crianças,
crianças,
Não
chorem
Levaram-no!
A casa
ficou sem ninguém
Mulheres
olhando
Sem ver
Mães
erguendo mãos para o céu
Sem ver
nada
José
Carlos Schwartz
(Bissau:
1949-1977)
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O NOVO
CANTO DA MÃE
Mãe
Nós
somos os teus filhos
Que sem
vergonha
Quebraram
as fronteiras do silêncio.
Os filhos
sem manhãs
Que
rasgaram as noites que cobriam
As carnes
das tuas carnes.
Nós
somos, Mãezinha,
Os teus
filhos,
Os pés
descalços,
Esfomeados,
Os
meninos das roças,
Do cais,
Os
capitães d’areia,
Os
meninos negros à margem da vida
Que
despedaçaram o destino do teu ventre,
Que
endireitaram os instantes
Que
marcaram socalcos na terra firme,
Na
profundidade das trevas da tua vida.
Nós
somos, Mãezinha, os teus filhos,
Sexos que
germinaram vida,
Forças
que desfloraram a virgindade dos dogmas
Fecundaram
minérios de esperança,
Olhos,
dinamite de amor,
Mãos que
esfacelaram a espessura dos obós.
Tomás
Medeiros
(S. Tomé: 1931)
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