Era Setembro. O sol
ia desmaiando por detrás do morro, procurando o refúgio no ninho
que fica para além do meu olhar! Parti... para trás ficou o lar...
No autocarro,
sento-me sozinho por entre as gentes que no labutar da vida
regressam à calma efémera da lareira, ou buscam na noite a
companhia das suas aventuras. Uns e outros indiferentes à minha
presença...
O transporte já rola
e na minha cabeça vão desfilando imagens dum passado já distante:
meninos sentadinhos nas carteiras, as batas brancas ou azuis, o
tinteiro, a sebenta, a sacola, o giz, o quadro, a pedra, a
disciplinadora régua...
Lembro-me do primeiro
dia em que, com as lágrimas no rosto e o coração a palpitar,
entrei na escola primária.
Recordo o velho livro
da 4ª classe, que falava sobre o Gonçalo a caminho da escola. Era
assim a primeira quadra:
Olhem, lá vai o
Gonçalo
A caminho da escola,
além;
Vamos depressa
apanhá-lo,
Vamos com ele
também.
Surge-me ainda a
parábola do filho pródigo que regressa a casa, após ausência
prolongada.
No desenrolar deste
mar de recordações, desaguo no largo fronteiriço à escola. Um
misto de sentimento confuso invade a minha alma. Vontade, medo,
ansiedade, curiosidade, turbilham o meu espirito.
Avanço! Os portões
abrem-se de par em par, como os braços de uma Mãe que,
silenciosamente, aguarda o regresso do filho que um dia partiu...
Ela afaga-me nos seus
braços, senta-me no seu regaço. Reparei que, maternalmente, uma
lágrima se desprendeu do seu rosto.
Confesso que senti
vontade de chorar... Mas, alguém, inconsciente, me ensinou que é
feio um homem chorar. Ah! Quem me dera ser menino...
Silenciosamente,
passei pelo barulho dos “putos”. Olhei de soslaio a
constituição da minha turma. Não conhecia ninguém... Tudo
desconhecido!
Acerquei-me da sala
18. A porta estava fechada, ostentando a lista com os nomes dos
alunos. No número 1, o meu nome. Algo tão particular, tão meu,
estava ali exposto aos olhos mais desconhecidos. E logo o primeiro!
Outros foram chegando. Religiosamente, todos voltavam a confirmar a
presença do nome. Alguns, talvez os mais cépticos, colocavam mesmo
o indicador sobre o nome, garantindo assim uma certeza inabalável.
Lembrei-me que seriam discípulos de S. Tomé.
Pouco depois, a
senhora empregada abriu a porta. Atabalhoadamente, as carteiras
foram ocupadas, fazendo-me de novo lembrar quando pela primeira vez
entrei na escola primária.
Sobrou uma! A minha,
ali mesmo em frente da secretária do professor.
Disfarçadamente, “inspeccionei”
a turma. Era um misto de “jovens” e alguns mais “velhos”,
mas, certamente, todos jovens de espírito.
Sentei-me.
Aproveitando algum silêncio, analisei a minha carteira. Verifiquei
que tinha alguns corações desenhados e trespassados pela seta do
Cupido. Imaginei pertencer a alguém que, não arranjando coragem
para se declarar, resolveu deixar naquela carteira a marca
indelével do seu amor. Talvez a pessoa amada leia a mensagem e...
Chegou o Professor.
Maquinalmente, levantei-me. O meu gesto somente foi seguido pelos
mais “velhos”. Os outros, os mais “jovens”, permaneceram
imóveis na cadeira. Foi então que reparei que muita coisa havia
mudado na minha ausência. Tomei consciência que 18 anos são uma
vida.
Lembrei-me do soneto
de Camões: “ Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”.
A aula começou. O
professor indicou o livro, o programa. Estabeleceu metas, traçou
caminhos. Fez a apresentação.
Senti que na minha
frente estava um grande mestre. Vi nos seus olhos, o brilho, que só
os predestinados conseguem emitir.
Naquele momento,
recordei o malogrado professor poeta, Sebastião da Gama, citando
uma pequena frase do seu “Diário”: “Não sou, junto de vós,
mais do que um camarada um bocadinho mais velho... sei coisas que
vocês não sabem, do mesmo modo que vocês sabem coisas que eu não
sei...”
Que palavras lindas,
que apresentação ímpar!
Fiquei feliz por
ainda haver professores assim.
Na minha frente,
estava um companheiro, cujo programa principal era a humildade e o
amor pelos seus alunos. Citando Agostinho da Silva, estava ali um
mestre.
Absorvido pela aula,
fui interrompido pelo toque “estridente” de um objecto a que
chamam de “campainha”. Num ápice, todos se precipitaram para
fora da sala. Calmamente, levantei-me e saí. Cá fora a “passarada”
debandava debaixo dum céu já estrelado.
No regresso ao lar, a
minha ânsia era enorme, a minha alegria incontrolável. Senti-me
novamente menino, lembrando-me do dia em que cheguei a casa e disse
à minha Mãe: “Mamã, eu já sei ler”.
Ao chegar a casa,
esperava-me a minha Mulher, com a minha filha nos braços que, não
resistindo ao cansaço, se deixou abraçar pelos tentáculos de
Morfeu.
Dorme bem querida
filha... e continua os teus estudos, para que mais tarde não tenhas
que “voltar de novo a estudar”.
Amanhã, ao
acordares, conto-te a minha aventura no regresso à escola, 18 anos
após a ter abandonado.
E para concluir este
meu simples artigo, cito aquele provérbio por todos conhecido, mas
que nem sempre é cumprido... “Não deixes para amanhã o que
podes fazer hoje”.
António Alberto Teixeira, 12º M, n.º 1 |