Viagem pela
Imprensa Escolar ou...
... As
confissões de um jornal escolar
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No dia 19 de
Abril do corrente ano, tive o prazer de participar numa
iniciativa do Centro da Área Educativa de Aveiro, que
decorreu no Centro Cultural e de Congressos da nossa
cidade. Deste modo, a minha leitura não ficou limitada
à comunidade escolar em que nasci.
Como é que me foi
proporcionada esta agradável alternativa de ser lido
por mais pessoas? |
Como os meus
queridos leitores sabem, sou ainda muito jovem. Nasci quase no
final do último ano lectivo. A meio do actual, voltei a estar
junto dos meus leitores. O meu segundo número, graças às
pessoas que me acarinham e procuram manter-me de boa saúde,
nasceu mais gordinho, com dezasseis páginas. Mas tenho de
confessar uma certa tristeza! Apesar de não poder deixar de
me regozijar por continuar entre vós, não pude deixar de
sentir uma certa tristeza! Contava com mais participação dos
alunos da minha Escola, desta Escola já velhinha e sempre
jovem, que comemora os 150 anos de existência. Preferia que
houvesse mais alunos a alimentar-me. Não quero dizer com isto
que não goste dos professores que me vêm acarinhando! Pelo
contrário, preciso deles e do seu carinho! Mas gostava de
contar mais com a participação dos alunos e restante pessoal
da casa onde sou criado! Infelizmente, no último número, só
alguns estudante guineenses se lembraram de mim! E neste,
quer-me cá parecer que nem com a ajuda de um saca-rolhas
conseguirei ter mais produção dos alunos. Será por falta de
ideias dos mais novos? Será que eles não gostam de me ler?
Será que não sentem prazer em que os seus artigos sejam
publicados e lidos por toda a comunidade escolar?
Felizmente,
esta tristeza foi compensada por uma alegria que me
proporcionaram no início do terceiro período. Um tanto
imprevistamente, vi-me em cima de uma mesa num Centro Cultural
e de Congressos. E constatei com satisfação que todos os
participantes me levaram, deixando a mesa vazia... E até tive
o prazer de ouvir falar de mim! Pois é verdade! Durante a
parte da tarde, tive o prazer de ser apresentado a todos os
presentes. Neste período da sessão, o debate foi aberto com
a intervenção do professor Henrique. Para meu espanto, antes
de falar dos recursos materiais e humanos que um jornal
escolar envolve e do seu valor pedagógico e cultural, o
professor Henrique começou por falar de mim: do meu
nascimento, do meu baptismo e dos meus objectivos.
Aliás, tenho
de confessar que não fui só eu que estive presente neste
encontro. Além de muitos outros jornais de outras escolas,
tive comigo um companheiro de casa. Estive sempre na companhia
do meu irmão mais velho, o “Aliás”. É um jornal já
velhinho, com muita experiência. Nasceu no último trimestre
de 1990. Já vai no 12º ano de existência!
Estou agora a
sentir uma espécie de formigueiro provocado pelo meu caro
leitor, formigueiro que me está a ser provocado pelas
interrogações que acabaram de lhe surgir na massa cinzenta.
Está espantado?! Está a perguntar como é que eu adivinhei,
como é que eu descobri as suas perguntas?
O amigo leitor
está a esquecer-se que, para me poder ler, tem de me ter nas
suas mãos. Tem de me segurar e manter aberto, para que os
seus olhos possam percorrer as minhas palavras... E aqui está
o segredo, que já não é segredo, porque lho acabei de
revelar! Sempre que o amigo leitor pensa, sempre que efectua
uma reflexão, sinto-o perfeitamente através dos seus dedos e
dos seus olhos. Sinto perfeitamente aquelas imperceptíveis
mudanças de tensão, provocadas pelas imperceptíveis
descargas eléctricas dos seus pensamentos. Ainda que
fraquíssimas, consigo detectá-las e interpretar as causas
das suas interrogações. Está a perguntar como é que eu fui
parar a um encontro de jornais escolares. E está até com uma
certa curiosidade em saber o que lá se passou.
Vou talvez
decepcioná-lo. E vou decepcioná-lo, porque não lhe vou
dizer como fui participar neste encontro de jornais escolares.
Não veja nisto qualquer desinteresse ou desprezo pelas suas
interrogações. Não o faço, porque considero mais
importante que isto deixar aqui uma breve reflexão acerca de
um aspecto que ouvi durante o debate.
Posso dizer que
assisti com o máximo interesse a tudo quanto se passou,
especialmente da parte da tarde. Estava bem posicionado na
sala, graças às pessoas que me tiraram da mesa e me levaram
com elas.
Um dos
problemas debatidos, e que continua ainda a ecoar nos átomos
das minhas páginas, foi o da inclusão ou não de publicidade
nos jornais escolares. O Doutor Eduardo Madureira, que moderou
o debate e está ligado ao jornal “Público”, acha que os
jornais escolares não devem incluir publicidade. O professor
Henrique apresentou uma estratégia já por ele utilizada para
obter apoios financeiros para a produção de jornais
escolares, que consiste em incluir a publicidade numa secção
posteriormente destacável, sem prejuízo para os conteúdos
dos jornais. Outros professores consideram que a publicidade,
embora devendo ser evitada, não ficará mal num jornal
escolar, desde que seja de tipo institucional. A certa altura,
o professor Henrique, que fazia parte da mesa, voltou a
intervir e disse que a publicidade era um mal menor, que
preferia ver um jornal escolar com publicidade do que não ver
nada por falta de meios económicos. E não posso deixar de
estar de acordo com ele, porque o mais importante é que nós
possamos ser criados e lidos por todos os que nos rodeiam.
No dia
seguinte, já com a poeira das ideias bem assentes nos átomos
das minhas folhas e com a maioria das palavras ouvidas
completamente levadas pelo vento, tive o prazer de conviver
com alguns companheiros de outras escolas. Com efeito, tenho
ao meu lado, numa das estantes onde estou guardado, dois
companheiros, “O Gafanhoto”, da Escola Secundária com 3º
Ciclo da Gafanha da Nazaré, e o “Com Efeito”, da
Secundária N.º 1 de Aveiro. São mais velhos do que eu e um
deles até apresenta capas coloridas. São impressos em
tipografias e têm publicidade. Eu sou apenas um companheiro
mais pobre! Sou totalmente a preto e branco e feito na
reprografia da minha escola! Mas todos nós, com ou sem
publicidade, estamos satisfeitos, porque não deixamos de
cumprir a nossa missão! Com efeito, tenho de confessar que
passo uns momentos agradáveis na companhia deles. E até me
tenho rido com “O Gafanhoto”. Ri-me bastante, quando ele
me apresentou uma história já velhinha, com muitas barbas,
mas ... As barbas tinham crescido e a história vários pontos
acrescentada! Querem ouvi-la? Pergunta desnecessária! Quem é
que não gosta de dar umas boas gargalhadas?! Vamos à
história! Vamos a ela, que sempre nos faz rir e, além disso,
esta é muito «inducativa», tanto mais que está relacionada
com o Português:
«Numa manhã,
a professora pergunta ao aluno:
— Diz-me lá
quem escreveu “Os Lusíadas”?
A gaguejar, o
aluno responde:
— Não sei,
Sr.ª professora, mas eu não fui. E começou a chorar!
Furiosa, a
professora diz-lhe:
— Pois
então, de tarde, quero falar com o teu pai.
Em conversa com
o encarregado de educação, a professora queixa-se:
— Não
percebo o seu filho. Perguntei-lhe quem escreveu “Os
Lusíadas” e ele respondeu-me que não sabia, que não tinha
sido ele...
— Bem, ele
não costuma mentir. — diz o pai. Se ele diz que não foi
ele, é porque não foi mesmo ele! Já se fosse o irmão...
Irritada com
tanta ignorância, a professora vai para casa e, de passagem
pelo posto da G.N.R., o comandante, que estava à porta, vê a
cara de poucos amigos da professora e diz-lhe:
— Ó Sr.ª
Doutora, parece que o dia hoje não lhe correu lá muito bem!
— Pois não!
Nem imagina o que hoje me sucedeu! Perguntei a um aluno quem
tinha escrito “Os Lusíadas” e respondeu-me que não
sabia! E desatou-me a chorar mais do que uma Madalena!
— Não se
preocupe. Isso resolve-se. Chamamos cá o miúdo, damos-lhe um
«aperto» e vai ver que ele confessa tudo!
Com os cabelos
em pé, a professora chega a casa e encontra o marido sentado
no sofá, a ler o “Público”. Assim que a vê,
pergunta-lhe o marido:
— Então?
Vens com mau aspecto. Parece que o dia não te correu muito
bem!
— Ora,
deixa-me cá! Hoje foi um dia para esquecer! Vê lá tu que
perguntei a um aluno quem escreveu “Os Lusíadas” e
começou a gaguejar-me, que não sabia, que não tinha sido
ele, e desatou-me numa enorme choradeira. Mandei chamar o pai
para falar com ele e disse-me que ele não costuma ser
mentiroso. Quando passava pelo posto da G.N.R., o comandante
disse-me que o ia chamar e obrigar a confessar. Que hei-de
fazer perante toda esta santa ignorância?
— Ó mulher,
deixa lá! Não te preocupes mais com isso. Esquece os
problemas. Janta e vai dormir descansada, que tudo se resolve.
Vais ver que, se calhar, até foste tu e já nem te lembras!»
Henrique J. C. de
Oliveira
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