BOLETIM CULTURAL E RECREATIVO - SECUNDÁRIA JOSÉ ESTÊVÃO - AVEIRO


 

Do Amor

Conferência por Mário de Carvalho    Colóquio sobre o amor

Conferência por Mário de Carvalho


No passado dia 7 de Março, os alunos assistiram a uma palestra subordinada ao tema “O Amor”, proferida pelo Dr. Mário de Carvalho. A conferência decorreu no âmbito da disciplina de Filosofia.

Após a apresentação do conferencista, este iniciou o discurso, num tom bastante coloquial (a roçar até o informal), por dar um exemplo. Desse exemplo foi retirada a conclusão de que o amor (e a forma como o percepcionamos, reagimos em face dele e o vivemos) é-nos transmitido e vivido por nós como algo da nossa autoria. Se não vejamos: o nosso relacionamento com os outros não é senão uma cópia daquilo que vemos na comunicação social, nos filmes, na publicidade, etc. Nós (ainda que involuntariamente) absorvemos essas formas de comunicação (o que é o amor se não uma forma de comunicação bastante peculiar?) e, ao adoptarmos essas condutas padronizadas, tomamo-las por algo inteiramente nosso e original. Esta percepção de originalidade rapidamente desaparece quando atentamos na noção de “romântico”, traduzida inteiramente pelo padrão hollywoodesco e completamente americanizado. Esta falta de originalidade torna-se ainda mais evidente quando pensamos nas fórmulas a que recorremos para exprimir o amor. Para falarmos de amor, quantas vezes nos referimos a outros autores: “Amor é fogo que arde sem se ver”, “Amor, I love you” e tantas outras formas similares para falar de amor são usadas por nós no quotidiano. Mas, na realidade, poucos somos aqueles capazes de descrever cabalmente o amor. Simultaneamente tão complexo e tão simples, o amor torna-se, para o comum mortal, quase “indizível”.

Contudo, rapidamente outro problema se impõe. No mundo ocidental, todos nós sofremos a influência directa da sociedade norte-americana. Porém, existem sociedades que não acusam esta influência de modo tão determinante. Como percepcionam estes o sentimento do amor? E antes de existir a sociedade norte-americana? Como era percepcionado o amor? Através deste exemplo, chegamos também rapidamente à conclusão de que o amor é percepcionado de diferentes formas, por diferentes culturas, em diferentes fases temporais. O amor é, então, um sentimento cujo significado vai mudando consoante as culturas e o tempo histórico.

Tome-se ainda outro exemplo: na cultura árabe, a poligamia é tolerada e até aplaudida; na sociedade ocidental, é repudiada e rejeitada. Através da conclusão anterior, deduz-se também que a vivência do amor é diferente em cada cultura. Podemos então afirmar que o amor, e tudo o que ele implica, é um constituinte importante da cultura de uma dada sociedade.

Por isso, é imperativo adoptarmos uma postura de abertura interculturalista relativamente à vivência do amor, uma vez que o fosso que separa as culturas é cada vez maior.

Após esta visão generalista do amor que o professor nos forneceu, foi abordado o amor incidindo, em particular, na sociedade ocidental contemporânea.

Presentemente, assiste-se cada vez mais a um amor ‘descartável’ e de carácter (essencialmente) carnal, que se traduz numa elevada taxa de divórcios, em famílias disfuncionais e numa vivência superficial do amor. O amor não deve ser vivenciado como D. Juan (cujos fundamentos Kierkegaard explora), ou seja, uma sedução de carácter inteiramente sexual e estrategicamente planeada. O amor deve ser um sentimento que acontece acidentalmente, sem um projecto definido. Tal como Descartes defende, o amor não deve requerer pensamento, o amor deve existir por si e em si, sem influências externas.

Existe ainda outra dimensão do amor que se torna crucial e que se traduz numa questão única: o que é que o amor engloba? Para Platão, o amor deve ser inteiramente espiritual, uma vez que, na sua opinião, só a alma é considerada como boa e válida. Porém, nos dias de hoje, amor é (por vezes, mas cada vez mais) sinónimo de prazer sexual. Penso que nem uma concepção inteiramente carnal, nem uma outra concepção inteiramente espiritual do amor fazem inteira justiça ao sentimento na sua plenitude. O amor deve ser, acima de tudo, um relacionamento espiritual, impulsionado por uma forma de atracção bastante peculiar, potenciado e consumado num relacionamento carnal, e não o inverso.

Não podemos, contudo, descurar os efeitos que o amor tem num ‘tu’ e num ‘eu’. Na sociedade salazarista dos primeiros três quartéis do séc. XX, o amor revestia um carácter de completação do homem, que tomava o papel de sujeito, ficando a mulher relegada à condição de seu objecto. O amor deve ser uma tentativa, de dois seres que se atraem mutuamente, de se completarem. Deve ser um dar e um receber, de modo a que tanto o ‘eu’ como o ‘tu’ se enriqueçam mutuamente. Porém, esta complementaridade mútua não deve resultar numa anulação. Ambos devem submeter-se um ao outro, mas não subjugarem-se a ele.

Mas, como fazer isto? Como conjugar a tentativa de mudança com a preservação da essência de cada um? É certo que o amor não passa sem mudança, mas, nos dias de hoje, torna-se imperativo mantermo-nos fiéis a nós mesmos. Como conciliar isto?

Este é o principal desafio a que o amante se propõe. O amor é isso mesmo: um sentimento que nos infunde calma e serenidade, mas simultaneamente inquietação e agitação.

O Dr. Mário de Carvalho terminou a palestra com perguntas inquietantes que deixaram a audiência perplexa. Todo o discurso foi de fácil percepção, facto que contribuiu para a extrema concentração no tema por parte do público. O conferencista utilizou um discurso apelativo, com modulações de intensidade vocal. O recurso a exemplos e a interactividade foram outros pontos a favor. Na sua generalidade, toda a conferência foi bastante estimulante para os alunos, despertando-os de forma convincente para a questionação filosófica que, em última análise, exige a vida de cada um.

João Infante (aluno do 10.º G)

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1) - Do soneto Amor é fogo que arde sem se ver, de Luís de Camões
2) -
Da música Amor I love you, de Marisa Monte (M. Monte/C. Brown)
3) - Note-se que foram acrescentadas reflexões e conclusões não explicitamente abordadas pelo conferencista.


Colóquio sobre o Amor

Amor s. m. 1 sentimento que predispõe a desejar o bem de alguém; 2 sentimento de afecto ou extrema dedicação; apego; 3 sentimento que nos impele para o objecto dos nossos desejos; atracção; paixão; 4 afecto; inclinação; 5 relação amorosa; aventura; 6 objecto da afeição; 7 adoração; veneração; devoção; 8 [coloq.] pessoa muito simpática; ~ à primeira vista paixão súbita; ~ carnal amor físico; ~ livre ligação amorosa que rejeita o vínculo do casamento; ~ platónico amor puramente espiritual, sem desejo sexual. (Do lat. amõre-, «id.»)

“Quando amamos, amamos sempre com uma carga aos nossos ombros, uma carga que simboliza tudo aquilo que nos ensinaram”.

O amor é uma energia poderosa. É luz. É a força da vida. Dá-nos vida e sustenta-nos enquanto vivemos e respiramos.

O amor é uma energia e não uma substância. É essência e não matéria. Não é possível contê-lo nem colocá-lo numa caixa, mas pode-se sentir, saborear e conhecer. A sua presença é inequívoca. É intenso e profundo. E quando estamos enamorados, ninguém, nem o melhor amigo, nem os pais, nem a nossa própria mente nos faz desistir.

O amor é misterioso e belo. Faz-nos felizes, dá-nos esperança, permite-nos acreditar que o impossível pode acontecer. E, contudo, é inexplicável. Não pode ser definido nem analisado, catalogado ou apreçado. A sua principal propriedade é que, quando existe, não pode ser confundido com qualquer outra coisa, e nada mais, por muito válido ou supostamente grandioso que seja, pode passar por amor.

O amor é uma energia divina que se introduz em circunstâncias humanas, uma essência intemporal que entra no tempo. É mais velho, mais sábio, melhor, mais verdadeiro, mais encantador e radioso que qualquer ser humano. É ao amor, essa energia rara, que nos ligamos quando iniciamos a experiência humana a que chamamos “uma relação”. Vemos essa energia nos olhos uns dos outros; sentimo-la no corpo e sabemos que algo maior que a própria vida entrou nas nossas vidas, cativando a nossa atenção. É esse sentimento poderoso, vivo, transcendente e delicioso e a ânsia de mais, de que perdure uma vida inteira, que nos impele para as relações.

As relações, como ligações intensas a um objecto e a uma grande valorização do mesmo, não se resumem apenas a emoções mas a um interesse activo pelo bem-estar do objecto. São o interminável efeito recíproco entre essa vasta energia de amor e tudo o que ocorre no quotidiano das nossas vidas. Constituem uma “hospedagem” em que existe permutação e reciprocidade. 

O amor não se descreve. Manifesta-se de diferentes maneiras, consoante cada cultura, época e pessoa. Somos livres de amar, não vivemos sem o amor e sobretudo, somos feitos por ele.

Normalmente, o objecto é visto como uma dependência na vida de alguém, e como por adquirido, sendo-lhe retirada toda a liberdade. Espinosa (1677) sustentou que o amor implica ter consciência do objecto enquanto algo que suscita o próprio bem-estar de alguém. Visto que todos os objectos particulares são, também, em virtude da sua separação do eu, capazes de frustrar o bem-estar, todo o amor, concluiu Espinosa, é essencialmente ambivalente, misturado com raiva e mesmo ódio. Assim defende-se que, o Amor é uma emoção ou emoções, enquanto se insiste que estas emoções podem ser isentas de desejo de possessivo e de ciúmes. Platão, no Fedro, concebe o amor como uma poderosa reacção à beleza e ao mérito, que está estreitamente ligada, nas pessoas virtuosas, à veneração e ao temor; deste modo, respeita a separação do objecto e procura o seu bem. Estas considerações descrevem diferentes experiências, podendo ambas ser reais (como Platão, ao contrário de Espinosa, reconheceu). O amor não é apenas uma emoção: pode também ser um tipo de relação. Aristóteles, na Ética a Nicómaco, insistiu que o amor (da amizade) implica sempre conhecimento mútuo e benevolência recíproca. Embora o amor tenha amores não correspondidos, ou que são dirigidos para objectos que não podem retribuir, ou que não podem fazer tão claramente, a insistência de Aristóteles na interacção e na reciprocidade fornece um ingrediente importante para uma descrição normativa de muitos tipos de amor humano, quer da amizade quer romântico-erótico.

Alguns amores podem não envolver, de modo algum, uma emoção forte. Kant (1797) insistiu que o "amor patológico" (amor que envolve uma emoção passiva) era inferior ao "amor prático", uma ligação activa ao bem dos outros, incluindo emoções de respeito e preocupação.

Vivemos numa maré de mudança, e consequentemente o amor também tem sofrido algumas alterações. A sua valorização e a sua vivência têm mudado ao longo das gerações, e manifesta-se diferentemente de cultura em cultura.

Assistimos à ruptura constante de relações amorosas na nossa sociedade e à vulgarização deste sentimento por parte da sociedade. Não se trata de uma emoção séria e especial mas de uma aproximação entre duas pessoas fútil e sem uma relação de “hospedagem”. Os meios de comunicação divulgam cada vez mais diferentes formas de valorar o amor, influenciando um determinado grupo de pessoas. Surgem, um pouco por toda a parte, novos modelos de relação como as uniões homossexuais, as famílias alargadas, e muitas pessoas a optarem conscientemente por viverem sozinhas. Embora estas realidades tenham sempre existido, verificamos uma maior liberdade de aceitação e difusão.

Tal como o “efeito cartesiano”, relacionado com Don Juan, em que se estuda o objecto e se adapta à sua imagem para depois de o deter acabar a relação – consiste numa técnica científica de conquista em que o corpo é uma essência e a alma outra – alguns relacionamentos actuais são semelhantes. Deixa de existir o sentimento puro e verdadeiro e passa a existir apenas uma atracção corporal intencional.

Contrariamente, existe uma outra idealização designada por Platão de “complexo de pigmaleão” em que um sujeito é transformado em objecto. Toda a sua imagem criada na outra pessoa torna-se falsa, afastando-se da realidade. Há uma superiorização das suas qualidades, e a existência de um dominante e de um dominado. Quando tudo o que parecia corresponder à realidade se torna totalmente falso a relação acaba. É neste tipo de situações em que acontecem as chamadas desilusões e a criação de imagens falsas do parceiro que se devem ao desconhecimento inocente e à ambição de saciar as nossas necessidades.

Assim, como sentimento que é, o Amor não deve ser encarado de uma forma nem tão pouco de inconsideração nem como uma relação apenas corporal ou espiritual. Temos de tomar uma atitude de transcendência; em que em vez de acreditarmos na nossa idealização, acreditamos e veneramos a realidade. Devemos ser tolerantes e aceitar que a outra pessoa também tem sentimentos e necessita do seu próprio espaço.

“O amor é paciente, é bondoso; o amor não é invejoso, não é arrogante, não se ensoberbece, não é ambicioso, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda ressentimento pelo mal sofrido, não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” (Carta de S. Paulo aos Coríntios)

Mariana  Silva 10.º G


Conferência por Mário de Carvalho    Colóquio sobre o amor


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