BOLETIM   CULTURAL   E   RECREATIVO   DO   S.E.U.C.  -   J.  ESTÊVÃO


Elogio da Poesia

Luís Serrano


No âmbito da comemoração do «Dia da Poesia», a Secundária José Estêvão contou com a valiosa presença do escritor Luís Serrano. A sessão teve lugar nas novas instalações da Biblioteca Escolar.

Oriundo de Évora, Luís Serrano estudou em Coimbra e desenvolveu, com grande mérito, a carreira docente na Universidade de Aveiro.

Paralelamente ao ensino, Luís Serrano dedicou-se à literatura, figurando ao lado de diversos vultos da cultura portuguesa, que conciliam as Letras e as Ciências.

Recordando, no dia 21 de Março, a dupla comemoração — Dia da Árvore e Dia da Poesia —, o nosso convidado iniciou, assim, a sua comunicação e ilustrou esta temática com vários poemas, que apresentou ao público envolvido pelo agradável ambiente da nova biblioteca da escola e não menos agradável fundo musical.

Nas páginas do “Alternativas”, temos o grato prazer, não apenas de reproduzir as palavra proferidas por Luís Serrano, mas também alguns dos poemas extraídos dos livros deste poeta: Poemas do Tempo Incerto (1983), Entre sono e Abandono (1990), As Casas Pressentidas (1999) e dois inéditos.

Não podemos dizer «ouçamos o poeta», como fizemos durante a sua apresentação, porque agora vamos ter o prazer de o poder ler.

 

Um poema ou uma árvore podem ainda salvar o mundo
Eugénio de Andrade,
De Mãos Lavadas
17.01.2003, Jornal de Letras, n.º 843

Quereria gritar: Dêem-me árvores para um novo recomeço!
Aproximem-me a natureza até que a cheire!

António Ramos Rosa, O Boi da Paciência (Viagem Através de uma Nebulosa)

 

 

Curiosamente, o dia da árvore e o dia da poesia coincidem no dia 21 de Março, dia do equinócio da Primavera.

A árvore é um símbolo: pelas suas raízes, mergulha na terra, assume um carácter matricial, feminino, pelo seu caule, erecto, vertical, assume-se como um símbolo fálico, masculino; as folhas tocam o céu e a árvore é assim uma ponte entre a terra e o céu. Porventura, essa é também a função da poesia: unir a terra ao céu ou, dito de outro modo, estabelecer uma ponte entre a racionalidade e a irracionalidade.

Ficaríamos muito mais pobres, mesmo em termos de conhecimento, se ficássemos reduzidos à linguagem científica, que possui carácter unívoco, monovalente, ao contrário da linguagem poética, que é de sua natureza polivalente ou polissémica.

Para além desta vertente epistemológica possui as decorrentes da carga estética que transmite ao leitor um certo prazer.

Deste prazer falou T. S. Eliot considerando-o como a primeira finalidade social da poesia. Diz ele: [...] se queremos encontrar a finalidade social essencial da poesia, teremos de examinar primeiramente as suas funções mais óbvias, aquelas que terá de realizar, para realizar quaisquer que sejam. Julgo que a primeira sobre a qual podemos ter certeza é a de que a poesia deve dar prazer. Se me perguntarem que espécie de prazer, apenas poderei responder que aquela espécie de prazer que a poesia dá [...].

Este prazer tem a ver com os vários aspectos que envolvem a poesia: os aspectos relacionados com a prosódia, com a carga fonética que todo o significante exibe. Exemplo: a palavra água, independentemente de significar o líquido que todos conhecemos, constituído por oxigénio e hidrogénio na proporção de 1 para 2 (em termos atómicos), é capaz de nos impressionar pela sua carga musical, que tem a ver com a tónica aberta á- da primeira sílaba e o som apagado da sílaba final -gua. Acrescente-se que a musicalidade tem a ver também com o ritmo (uma periodicidade bem marcada que é ajudada pela rima, pelo emprego das aliterações, da anáfora, pela conjunção de determinados fonemas que os poetas sabem descobrir.

Mas o prazer não decorre apenas da articulação dos sons, do significante, decorre também do significado, veiculado em grande parte pela metáfora. Do prazer dessa descodificação fala-nos ainda o mesmo T. S. Eliot em Ensaios de Doutrina Crítica: [...] Mas quanto ao significado do poema no seu todo, ele não é susceptível de ficar esgotado com qualquer explicação, porque o significado do poema é aquilo que o poema significa para diferentes leitores dotados de sensibilidade. Esta ideia veio a ser retomada mais tarde por Umberto Eco na sua conhecida perspectiva em encarar a obra literária como obra aberta.

Não esqueçamos, porém, as palavras de um grande poeta brasileiro, João Cabral de Melo Neto, que, face ao problema da composição, nos diz: É evidente que numa literatura como a de hoje, que parece haver substituído a preocupação de comunicar pela preocupação de exprimir-se, anulando, do momento da composição, a contraparte do autor na relação literária, que é o leitor e sua necessidade, a existência de uma teoria da composição é inconcebível. O autor de hoje trabalha à sua maneira, à maneira que ele considera mais conveniente à sua expressão pessoal. E isto não é muito diferente daquilo que Alexandre O’Neill disse nestes versos: Mas também da rima “em cheio” / poderás tirar partido, / que a regra é não haver regra, // a não ser a de cada um, / com sua rima, seu ritmo,/ não fazer bom e bonito, / mas fazer bom e expressivo...

Quanto a obter uma definição de poesia, parece ser hoje um esforço que carece de sentido. A Profª. Maria Estela Guedes, numa comunicação particular a um amigo meu, diz estas palavras: A Poesia não é, por definição. Por definição, se era alguma coisa, deixa logo de o ser quando alguém quer agarrá-la nas malhas desta ou daquela rede. A Poesia está do lado do não, não a toda a forma de magistério e manobra de domesticação do cérebro.

 

A pequena antologia que se segue apresenta aspectos que são característicos da poesia e, por isso, de algum modo, ilustram o que atrás se disse. Por outro lado, dão uma panorâmica, ainda que muito incompleta, das preocupações do autor. Entre estas podem citar-se a forte ligação do autor à natureza, a importância da memória, o sentido dramático da irreversibilidade do tempo.

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9 Do nascimento de Dali  -  10 Elogio da agressividade  -  11 Hora do Recreio  -  12 Fac-símile


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