BOLETIM   CULTURAL   E   RECREATIVO   DO   S.E.U.C.  -   J.  ESTÊVÃO


A Educação de Adultos

João Paulo C. Dias


Uma Reflexão em Tempos de Mudança

Vivemos numa época de acelerada mutação social, o que exige uma contínua formação dos cidadãos para que sejam elementos integrados e integradores da sociedade. É nesta conjuntura social que surge a educação como «processo de formação desde que se nasce até que se morre», isto é, a educação não termina com a formação escolar, pois esta é uma etapa para a formação dos adultos. Esta, em Portugal, tem visado completar – não esqueçamos os valores da taxa de analfabetismo – e também complementar a formação, nomeadamente para a inserção na vida activa.

No âmbito da formação de adultos, tem funcionado o S.E.U.C. nas escolas e manter-se-á até ao ano lectivo de 2007/08, em simultâneo com o sistema modular a implementar no próximo ano lectivo, sobre o qual foi publicado um artigo no jornal anterior.

É oportuno reflectir e avaliar o S.E.U.C. como processo de formação. Nesta perspectiva surge o problema:

 

— POR QUE RAZÃO A ASSIDUIDADE É TÃO IRREGULAR E O ABANDONO É SIGNIFICATIVAMENTE GRANDE?

 

O ensino recorrente tem como princípio “estudo com autonomia”, o que entra em choque com a realidade discente, porque muito heterogénea: pessoas que deixaram de estudar há alguns ou muitos anos, interrupção que determinou uma ausência de pré-requisitos para continuação dos estudos; alunos provenientes do ensino regular que não tiveram sucesso neste e, portanto, com dificuldades em desenvolver uma aprendizagem com autonomia, o mesmo se verificando com os alunos provenientes das ex-colónias portuguesas, que têm uma formação académica muito deficitária para o que é exigido neste sistema de ensino.

No processo ensino-aprendizagem, verifica-se a leccionação de algumas unidades, quando não todas, por cada docente, o qual terá de desenvolver um ensino individualizado. Ora se tal é concretizável quando o número de unidades é pequeno, torna-se impraticável para um elevado número de unidades na sala de aula, com uma população discente sem autonomia na aprendizagem.

A situação agrava-se quando os docentes não têm qualquer formação, o que muitas das vezes não lhe foi facultado, e não têm prática. Saliente-se que, quer a nível central, quer a nível local, pouco ou nada se tem fomentado na formação do corpo docente para este sistema de ensino, o que se reflecte na concepção de que o ensino recorrente é um “estranho” no sistema e no facto de os docentes o contestarem e rejeitarem. Contudo, não podemos deixar de louvar o interesse e empenho de docentes, lamentavelmente em número reduzido, que, mesmo com erros e tentativas, têm vindo a desenvolver uma actividade interessante.

Na nossa opinião, o facto de ser inconciliável um ensino individualizado com um número elevado de unidades por docente justifica que a revisão curricular do ensino recorrente assente no sistema modular.

Acrescente-se ainda outros factores relevantes: a indisponibilidade dos alunos por razões várias, nomeadamente profissionais; a ausência de motivação por insucessos anteriores ou por falta de autonomia e, consequentemente, uma impossibilidade de as aulas lhes permitir uma concretização dos objectivos; e, a juntar a tudo isto, a errada pré-concepção de que se trata de um processo facilitador.

A propósito de facilitador, abramos um parêntesis para referir que há um novo sistema de formação para adultos C.R.V.C.C. (Centro de Reconhecimento e Validação dos Conhecimentos e Competências), a funcionar nalgumas escolas, com uma duração inferior a um ano lectivo, o qual confere como habilitações o 3º ciclo. Na nossa opinião, tendo em conta o conhecimento dos conteúdos e o processo de avaliação, as competências que se desenvolvem ficam muito aquém do que se pretende para o referido ciclo de escolaridade, pelo que aqui, sim, poderemos falar de um sistema nitidamente facilitador, que nada tem a ver com o que se passa no SEUC. Acreditamos que se trata efectivamente de um sistema de formação que aumenta a iliteracia, com a única vantagem de se tratar de um sistema do tipo de «lançamento de poeira para os olhos» que não visa mais do que, em termos estatísticos, aumentar o grau de formação académica da população portuguesa.

Apesar de o ensino recorrente por unidades capitalizáveis estar em vias de extinção, o próximo ano lectivo cria novas esperanças. Ainda não existem diplomas legais regulamentadores da revisão curricular do ensino recorrente, mas espera-se que tenha por base, não exclusivamente formal, uma política educativa que vise uma eficiente/eficaz formação global do indivíduo, tendo em conta as necessidades da sociedade e dos indivíduos, como pessoas que têm motivações, interesses, capacidades e aptidões. Claro que não basta uma boa revisão curricular; é fundamental a sua operacionalização a nível da escola e da sala de aula, para que se fomente um ensino assente no saber, no saber-ser, no saber-estar e no saber-fazer.

João Paulo C. Dias


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