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Agostinho Fortes, Nótulas acerca dum falar da margem esquerda do Guadiana, acompanhadas de algumas notícias folclóricas, Cadernos CA, N.º 4, 1ª ed., Lisboa, Casa do Alentejo, 2000, 80 pp.


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LABARINTO, alvoroço; grande vozearia de protesto, desordem, confusão de gritos sediciosos. Usa-se também a forma lavarinto. É forma alterada de labirinto.

LÁBIA, emprego de palavras lisonjeiras para se obter de alguém, alguma coisa.

LABIOSO, o que tem lábia; homem ou mulher que procura iludir com palavras amigáveis, exprimindo sentimentos que não possui. É biforme.

LADÊRA, caminho ou via pública de plano muito inclinado, cuja subida cansa.

LADRONA, ladra. É o feminino de ladrão e aplica-se a pessoas e, em sentido figurada a coisas. Ex., Esta candéa é uma ladrona de azête, isto é, gasta muito azeite.

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LAIMA, grande porção de terreno.

LAJADA, pedrada.

LAJE, pedra talhada em forma rectangular ou triangular, com que se cobrem os pavimentos laterais das ruas e praças.

LAJEDO, o pavimento lateral das ruas ou praças, feito da laje. Ex., Não vai pelo meio da rua, vai pelo lajedo, isto é, pelo pavimento lateral que fica um pouco superior ao leito da rua. / 43 /

LANGONHA; espuma que escorre da boca do cão hidrófobo. É também termo obsceno, designativo do esperma do homem.

LlNGUARÊRO, indivíduo incapaz de guardar sigilo; denunciante; inconveniente por muito falar e sem reservas.

LlORNA, trapalhada, confusão, mexeriquice. Suponho ser derivado de lio, feixe ou molho.

LOBISHOMEM, o homem que, por sortilégio ou por fadário, está condenado a converter-se em lobo, durante a noite, percorrendo os campos, rebolando-se nas encruzilhadas e só readquirindo a forma humana ao cair da manhã. Hoje, a crença na existência de lobisomens, que foi muito arreigada, vai quase completamente desaparecendo. Dela se aproveitam alguns espertalhões para aventuras amorosas nocturnas.

LOENDRO, árvore de cuja madeira se fazem cadeiras com assento de bainho. As cadeiras de loendro não são pintadas e só se usam nas cozinhas e nas casas dos pobres.

LOJE, loja, estabelecimento de venda.

LOSNA, planta que nasce sem cultura em muros e paredes de pedra. Aproveita-se para poção medicamental em algumas doenças, especialmente de estômago.

LUME, fogo de lareira e, por extensão a chaminé. Ex., Estar ao canto do lume, isto é, ao canto da chaminé.

LUMINAIRAS, iluminação pública e em particular comemorativa de algum acontecimento festivo, feita com lanternas colocadas às janelas e portas das casas. A mesma denominação de luminairas se dá a recipientes de barro, em regra fundos de vasos que se quebraram, que, durante a noite, se colocam em frente das igrejas para cumprimento de promessas feitas a um santo em ocasião aflitiva e da qual se saiu livre. Nesses restos de vasos de barro depositam-se borras de azeite que se embebe num trapo ou numa torcida grossa de algodão que vai ardendo e dando luz. As luminairas a Nossa Senhora, a Senhora das Candêas, padroeira de Mourão, são as mais frequentes.

LUTA (jogo da –), experimentação de força muscular entre dois adultos. Os jogadores agarram-se um ao outro pela cintura, fincam os pés no chão, o mais fortemente que possam, e procuram derribar-se. Ganha aquele que conseguir tocar o chão ao parceiro. É jogo muito apreciado, que desperta muito interesse nos assistentes / 44 / que, com ditos de incitamento, vão animando os contendores. Escusado quase seria dizer que este jogo tem, por vezes, consequências bastante desagradáveis, convertendo-se em luta a sério em que os contendores procuram e conseguem maltratar-se, o que provoca a intervenção dos assistentes para os separar.

- M -

MAÇANILHA, uma variedade de azeitona, preferida para a conserva. Além da maçanilha, há as seguintes variedades: bical, galega e serol. O termo maçanilha é de origem castelhana.

MADRE, trave principal do madeiramento sobre o que assenta o telhado duma casa. É aproveitada para pendurar uvas, melões e outras frutas que se reservam para o inverno, e também os caniços com queijos.

MADÊRO, o tronco de árvore que começa a arder na noite de Natal.

MAGANA, mulher de má nota. O chamar magana a uma mulher constitui uma das maiores afrontas que se pode dirigir, mas é vulgar mimosearem-se umas às outras com este designativo, quando se zangam.

MAGUSTO, assadura de bolota na lareira, nas noites de inverno. Antes de as lançar ao lume, as bolotas são retalhadas, mas, por brincadeira, deitam-se algumas sem serem retalhadas. Estas dão depois um estoiro, saltam de lume, espalham algumas brasas, o que dá ensejo a grande galhofa dos que estão junto ao lume, principalmente da parte das mulheres que manifestam grande receio, às vezes exagerado, de que se lhe queimem as saias. A bolota doce assada é muito saborosa.

MALHADA, campo distante do povoado onde os gados caprino e ovino pastam e ficam recolhidos. A choça do pastor tem também, por extensão do significado, o nome de malhada.

MALlNA, febre de mau carácter; no plural e sinónimo de sezões.

MAL TÊS, vagabundo, vadio que anda de monte em monte pedindo comida e agasalho por uns dias. Os malteses são mal vistos dos lavradores e trabalhadores rurais, porque, em regra, fogem ao trabalho e causam grandes prejuízos, danificando propriedades e utensílios agrícolas. Nos montes há sempre uma / 45 / casa de malta, aberta sempre, para receber os malteses que aí apareçam, procurando-se assim evitar os seus malefícios, porquanto alguns chegam até a lançar fogo às casas e às medas de trigo.

MANAGÊRO, o dirigente de um rancho de trabalhadores, quer homens, quer mulheres, nos serviços rurais. Para se reunirem os homens e as mulheres do rancho, outrora, ao nascer do sol, o managêro tocava um búzio.

MANCÊBO, cana suspensa de um cordel que acompanha verga da chaminé em todo o comprimento desta. A cana tem diversos orifícios dos quais se suspendem os candeeiros. Há também mancebos de madeira trabalhada com ornatos feitos à navalha, alguns com certa arte e graça.

MANCO, aquele a quem falta um braço, total ou parcialmente. É biforme.

MANDADO, recado, serviço de ir levar ou trazer qualquer objecto ou transmitir qualquer participação oral. Os mandados são feitos, a troco de pequena paga, por mulheres, rapazes e raparigas. As casas abonadas têm sempre um rapaz ou uma rapariga para os mandados.

MANGA, chocalho muito grande que se põe ao pescoço do boi que serve de guia à manada ou vacada.

MANGAÇÃO, troça, zombaria, mentirola com intuito de iludir a ingenuidade alheia.

MANGADORI, trocista, zombeteiro, o que gosta de rir à custa da boa fé alheia.

MANGALHO, termo obsceno, designativo do órgão sexual masculino. Tem sentido aumentativo.

MANGARI, troçar, zombar, dizer mentirolas inofensivas para iludir a ingenuidade alheia.

MANJADOIRA, receptáculo de madeira, mais vulgarmente, de pedra, nas cabanas onde se recolhe o gado de trabalho, cavalar, muar e asinino, no qual se põe a ração de fava e palha, que os animais comem pela manhã, antes de irem para o trabalho e, à noite, quando regressam.

MANJARI, doce feito de leite, farinha de trigo, ovos e amêndoa pisada. Há mais de uma espécie, manjar branco, manjar do céu, manjar doce. / 46 /

Manjar não tem, ao contrário do que se dá noutras terras, sentido de alimento, nem de comida apetitosa e apreciada.

MANO, irmão. Em regra, os irmãos mais novos tratam o mais velho por mano. Também é de regra os irmãos mais novos tratarem-se uns aos outros por tu e assim serem tratados pelo mais velho, que é tratado pelos mais novos por vocemecê ou por senhor. Certamente há neste caso vestígios da antiga preponderância dos morgados. Também em tom de intimidade, que não exclui o respeito devido, os adultos dum e doutro sexo são tratados por mano e mana, sem que haja qualquer laço de parentesco entre eles e as pessoas que se lhes dirigem.

MANTEEIRO, o encarregado de fornecer a alimentação aos trabalhadores ao serviço de um lavrador, que contratou os seus homens com a cláusula de lhes dar alimentos.

MANTÊGA, banha de porco. O que em Lisboa se chama manteiga, designa-se em Mourão por mantéga de vacas.

MAQUILÃO, o indivíduo que transporta o trigo de casa de qualquer pessoa para o moinho e deste traz a farinha para a casa do dono do trigo.

MARAFIM, marfim.

MARAFONA, mulher mal comportada; mulher sem habilidade para qualquer trabalho; indolente.

MARAGOTÃO, pêssego. É termo de origem castelhana, como dessa origem são os pessegueiros que se plantam em quase toda a região da margem esquerda do Guadiana.

MARAVALHAS, as aparas de madeira que é aplainada. Aproveitam-se para acender o lume na lareira. Há também a forma marafalhas, mas é de uso menos corrente.

MAREARI, embaciar-se qualquer objecto metálico, ou qualquer espelho ou objecto de vidro. Assim diz-se copos mareados, espelho mareado, cafeteira mareada.

MARIA FRANClSCA, prostituta. Ignoro a causa desta designação, pois a não considero, como outrora considerei, alusiva ao honesto procedimento da esposa do infeliz monarca português Afonso VI. / 47 /

MARRÃ, porca grande e gorda, que já teve criação de bácoros. Mulher desmazelada, indolente e pouco asseada.

MARRANA, corcova nas costas; marreca.

MATANÇA, o acto de matar o porco. A matança é sempre motivo de festa para a família. É uso, quando se faz a matança, arranjar com as miudezas do animal morto um cozinhado, a sorraburra, que, em panelinhas de barro, se manda como mimo às pessoas de relações mais íntimas.

MATRACA, instrumento feito com duas tábuas, ligadas por cordel, que batendo uma na outra, quando sacudidas com maior ou menor força, substituem os sinos, durante o tempo que decorre desde quarta-feira de trevas até ao aparecimento da Aleluia. Algumas têm argolas de ferro que aumentam o barulho produzido pelo matraquear. Há matracas de diversos tamanhos, desde as que um homem possante mal pode tocar até ás que os rapazes tocam correndo pelas ruas ou nos adros das igrejas onde se realizam as cerimónias da chamada Semana Santa.

MEADURA, gratificação recebida por qualquer pequeno serviço prestado. Em regra, é um ou mais cálices de aguardente, ou copos de vinho.

MEDURA, unidade para medir o azeite produzido num lagar. A medura equivale a dez litros; o emprêgo deste termo vai caindo em desuso em presença de deca equivalente ao decalitro. Assim dizia-se tive tantas meduras de azeite, e hoje é mais corrente dizer-se tive tantas decas de azeite.

MENINO (noite do –), a noite de Natal.

MERENDA, refeição da tarde. As refeições em Mourão e em outros pontos do país, são quatro, almoço, de manhã; jantar, ao meio dia; merenda, das quinze às dezasseis; ceia, de noite. De verão a merenda é geralmente gaspacho adubado com pepino, carne cozida fria, tomate, pimentos e azeitonas. No outono e no inverno está muito em uso a água de mel, na qual se embebem sopas de pão. No verão fazem-se merendas alegres no campo.

MERENDÊRA, pão de formato inferior ao normal, que servia para as merendas.

MESES (nomes dos –). Em Mourão, alem dos nomes usuais dos meses, nomes que nem todos conhecem, empregam-se as designações seguintes, pelas quais são conhecidos. Janeiro, mês do Ano Novo ou S. Sebastião; Fevereiro, de Nossa Senhora; Março, da Senhora de Março; Abril, mês da fêra; Maio, das Santas Cruzes; Junho, de S. João; Julho, de São Tiago; Agosto, de Santa Maria; / 49 / Setembro, da fêra de Moira; Outubro, de S. Francisco ou da fêra do Redondo; Novembro, dos Santos; Dezembro, do Natal. Preponderam como se vê, as designações derivadas dos santos, cujas festividades se realizam nesses meses. A Nossa Senhora que dá o nome a Fevereiro, é a Senhora das Candêas ou da Purificação, padroeira de Mourão e objecto da maior devoção. Comemora-se a padroeira a 2 de Fevereiro, dia que foi designado pela Câmara Municipal para feriado municipal. O mês de Maio é chamado das Santas Cruzes, porque no dia 3 desse mês se celebra a devoção da Santa Cruz, que consiste em se ornamentarem com flores todas as cruzes existentes em lugares públicos. Além disto, muitas famílias, em cumprimento de promessas, fazem em casa, com mesas ou cómodas, um altar sobre o qual colocam uma Cruz muito enfeitada com flores e cordões de ouro, despicando-se em apresentarem os seus altares enfeitados o mais graciosa e ricamente possível. À noite bandos, principalmente de mulheres, percorrem as ruas visitando as Santas Cruzes das casas particulares, apreciando o gosto e a arte com que foram ornamentadas. O mês de Junho ou de S. João era também conhecido pelo mês das sortes, pois era a 9 desse mês que os mancebos recenseados para o serviço militar tiravam a sorte, isto é, o número que determinaria se ficavam isentos ou se teriam de ir alistar-se no exército. Nesse dia, logo de manhã, os mancebos que entravam nas sortes, percorriam em bandos as ruas e praças da vila, entoando cantigas, especialmente esta quadra:

«Oh, olhos preparem lenços

Qu' é chegada a ócasião.

Vou tirar a minha sorte

A nove de S. João.»

Era dia de grande alegria para uns e de tristeza e lágrimas para outros, consoante a sorte lhes fora favorável ou adversa. As mães faziam promessas pela isenção dos filhos e algumas procuravam saber antecipadamente a sorte que caberia aos filhos, fazendo determinadas rezas e fazendo peneirar farinha para um alguidar, deduzindo a sorte da forma porque a farinha ficava.

METROS, os pavimentos laterais da rua, que orlam as casas e ficam em plano superior ao leito da rua.

MÉZINHA, remédio quer caseiro, quer manipulado na farmácia.

MIGAS, comida feita de pão reduzido a massa pela cozedura em água. As migas são temperadas com azeite e alho. Há migas sem mais adubos que os indicados e há as chamadas canhas, que são amassadas com leite de cabra ou de ovelha.

MILHANO, ave de rapina, de arribação. Quando os milhanos passam, voando alto, o rapazio em grande grita, profere estas palavras: «Milhano! milhano! viste por lá o meu mano, com um saquinho às costas pedindo por essas portas?» / 51 / para estes beberem nos intervalos do trabalho.

MÓLHOS, miudezas de carneiro, enroladas em forma de cilindro aproveitadas na culinária.

MONDA, o arrancar das ervas daninhas que prejudiquem o desenvolvimento do trigo. É trabalho feito por mulheres, em rancho, e o mais mal pago de todos os serviços do campo.

MONTADO, terrenos onde há muitos chaparros, cujas bolotas o gado suíno come, em liberdade. A carne do gado de montado é mais apreciada que a de porco engordado em casa, por ser mais rija.

MONTE, grande propriedade rústica, na qual há construções urbanas para morada do proprietário ou do feitor deste, e para guarda dos utensílios agrícolas e recolha dos produtos. Em sentido restrito, a designação monte aplica-se à parte urbana da propriedade. Há montes pequenos e outros há que são quase lugarejos ou aldeias pequenas.

MURCELA, enchido, como o chouriço, seco ao fumeiro, feito de sangue de porco e de algumas partes gordurosas ou entremeadas de gordura deste. É tão apreciada como o chouriço, mas não se come crua com este.

MULHER (a boa –), personagem que toma parte na procissão do Encontro que se realiza na noite de quinta-feira de Endoenças. A boa mulher é figurada por uma rapariga, rigorosamente vestida de luto, que, ao ver que os legionários romanos, uns machacazes de grandes barbas postiças e armados de espadagões, impedem que a Mãe de Cristo, acompanhada de S. João Evangelista, se aproxime do Filho que, encontra ao cabo de muito peregrinar, sobe a um banco, desdobra a Verónica e entoa um cântico em que entram, as seguintes palavras latinas, que a boa mulher estropia muito solenemente: «Oh, vos homines, qui transitis, videte si est dolor aequus meol». Os legionários enternecem-se e deixam que o encontro se dê. Ao lado da boa mulher vai a Padêrinha, igualmente vestida de luto, que, durante o percurso da procissão, leva o braço direito levantado e na mão um lenço para enxugar as lágrimas que não derrama. Na procissão do Enterro do Senhor, que se realiza na noite de sexta-feira, alem destas duas personagens femininas, vão no couce da procissão, imediatamente a seguir ao esquife, três mulheres, as três Marias, que em plangente cântico, pranteiam a morte de Jesus.

MULHERENGO, efeminado, maricas, o que se compraz com distracções mais próprias de mulher do que de homem.

MURGINARI, chuviscar, o cair da chuva pouco intensa e passageira. / 52 /

MUSGARI, chamuscar o porco, depois de morto, com rojo, para melhor se poderem arrancar os pêlos: Esta operação faz-se imediatamente à morte do animal e no mesmo local, depois do que é aberto e pesado.

MURTA, multa. Das folhas de um arbusto deste nome, depois de secas, faz-se pó que se emprega como remédio contra inflamações cutâneas, polvilhando-se a pele.


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