Hoje, os microorganismos adquiriram
novas características que os tornam resistentes aos ataques da
medicamentação considerada milagrosa. Pouco tempo faltará para que todo
o mundo patogénico calque com soberano desprezo os obstáculos que o
homem tão bem forjara para a sua defesa.(1) Outros medicamentos com
renovada eficácia surgirão, todavia, obrigando os microorganismos a novo
ciclo de adaptações.
Este facto serve-nos apenas para
ilustrar o extraordinário poder de adaptação dos seres vivos às
modificações do meio em que vegetam. Muitos outros exemplos poderíamos
citar, mas preferimos este em virtude da sua indiscutível actualidade.
Esta espécie de reacção defensiva à hostilidade do meio parece ser muito
mais acentuada nos seres inferiores. Ou então esta adaptação
processar-se-á talvez através dum determinado número de gerações
sucessivas que nos seres superiores não nos é possível observar por via
da sua muito mais longa duração. A velocidade de multiplicação das
bactérias é de tal ordem que nos permite assistir a essa espécie de
mitridatização transmissível. Se o homem pudesse reduzir a sua duração
normal à escala das durações dos seres inferiores — com excepção do
observador — talvez este se espantasse também com o poder de adaptação
de seus semelhantes, então nitidamente visível. A capacidade de
adaptação a meios hostis é, portanto, um facto mais do que verificado. O
que não sabemos é se esta capacidade vai até ao extremo de poder
prescindir de determinadas condições que alguns cientistas consideram
indispensáveis à vida. Vimos atrás o extraordinário equilíbrio mantido
por um sem número de factores, equilíbrio que desfeito de chofre
arrastaria na queda toda a vida, tal como a concebemos. Podemos destacar
dessas condições essenciais a existência de água, da atmosfera e de uma
temperatura adequada.
Evidentemente que podemos imaginar
outros seres mais ou menos fantásticos com uma vida (?) relacionada com
as condições de outros planetas do nosso sistema solar, ou até de outros
sistemas intra ou extra-galácticos. Não será também de desprezar a
hipótese do acaso de outros planetas com características telúricas,
perdidos na imensidade cósmica. No nosso sistema solar, exceptuando a
Terra, parece mais que provada a ausência de condições que permitam a
vida, sobretudo se restringirmos a noção de vida ao modelo fornecido
pelas suas manifestações terrenas. Mas — repetimos — ninguém nos impede
de imaginar, nesses planetas, novos padrões de vida condicionados pelo
meio para nós tão proibitivo. Imaginar, todavia, é talvez envolver-nos
nas malhas da ficção a que tentámos subtrair-nos ao longo de todo o
nosso trabalho. Há quem se insurja contra os imaginativos, como há quem
se irrite com a prudência excessiva. O mundo é dos que se arriscam —
dizem. Quanto a nós não menosprezaremos os poetas da ciência, nem
desdenharemos dos seus rígidos adversários. Julgamos que a humanidade
necessita dos dois temperamentos: um, para fazer explodir a estreiteza
de certos dogmas; outro, para comedir os excessos do primeiro.
De imaginativos como Leonardo de Vinci,
Júlio Verne /página 34/
e outros é que saiu o fermento que havia de levedar o mundo de
realizações, na altura consideradas utopia. A própria Teoria da
Relatividade foi considerada de início um simples delírio de poeta.
E, no entanto, as deflagrações monstruosas, que devem a sua energia à
desintegração atómica, muito devem a esse magnífico prurido poético.
Após a entrada do homem na cidadela
nuclear e consequente devassa no reino do infinitamente pequeno, o homem
prepara-se para a conquista dos espaços interplanetários e conquista do
infinitamente grande. Os foguetões ultrapassam já zonas consideradas
inatingíveis e conduzem os aparelhos dos homens. Os satélites
artificiais marcam um período preparatório que nos permitirá o avanço
até aos planetas que só conhecíamos através dos nossos algarismos e dos
nossos aparelhos imperfeitos. O já conseguido, contudo, apesar de
insignificante, é o suficiente para que possamos encarar o futuro com
mais optimismo. É possível que na altura em que as paragens telúricas se
transformem para o homem em túmulo iminente, este já esteja preparado e
em condições de poder transitar para outro planeta que lhe assegure a
estabilidade e paz por que sempre suspirou.
Por agora, procura-se resolver os
problemas da locomoção nas camadas superiores da atmosfera e espaço
interplanetário. Estudam-se, pois, aturadamente, essas camadas
superiores; as condições de resistência dos aparelhos e dos homens a
altas velocidades; o voo por inércia além da atmosfera; a acção dos
raios cósmicos e ultravioletas nocivos, a grandes altitudes; a maneira
de vencer a força da gravitação, de manter uma temperatura adequada nas
astronaves, de armazenar o oxigénio, os mantimentos, o combustível; a
aceleração que é necessário desenvolver o aparelho no momento da partida
para atingir determinado ponto, a resistência do organismo humano a
essas acelerações; as rotas mais viáveis; o processo de travagem à
chegada.
De todos os tipos estudados, parece ser
o foguete de reacção o modelo ideal para vencer o maior número de
dificuldades criadas para estes voos.
Segundo alguns cientistas, a primeira
fase do projecto para se visitarem os planetas mais próximos da Terra
será o da colocação dum satélite artificial gigante, que nos divida o
caminho em duas etapas e, por conseguinte, nos minore consideravelmente
o peso de combustível e víveres a transportar de início. A partida para
mais ambiciosas explorações, feita deste satélite, seria muitíssimo mais
fácil em virtude de já não termos de contar com o duro problema da
atmosfera nessa segunda parte da viagem. O satélite poderia ser montado
por partes e funcionaria de primeiro apeadeiro no caminho que nos há-de
conduzir ao aliciante desconhecido. A colocação dos satélites-miniaturas
russos e americanos deixa-nos — repetimos — augurar o maior êxito a
futuros e mais ambiciosos empreendimentos.
Por enquanto, estes satélites visam à
solução de problemas mais modestos. Vejamos, em resumo feito pelo
cientista russo A. G. Karpenko, alguma da aparelhagem de que vão munidas
essas miniaturas:
«A parte superior do aparelho estará
sempre voltada para o Sol, e os raios solares, passando pelas lentes,
concentram-se na bateria solar, que fornece energia às células. A antena
serve para o transmissor. Contém ainda sensíveis instrumentos para
captar as radiações gama, ultravioletas, electrões livres e raios X. Há
também um medidor e registador dos raios cósmicos. Todas as indicações
são feitas numa fita magnética instalada num tambor rotativo comandado
por engrenagens adequadas.»
Do programa previsto para as próximas
sondagens a fazer por estes satélites destacaremos, novamente, as
informações do Prof. Karpenko:
«Importantíssima também é a
possibilidade de que sejam utilizados os futuros satélites para observar
os movimentos gerais no Oceano Glacial. Isto permitirá dar mais precisão
aos prognósticos do tempo e das condições de navegação do Norte. Podemos
ainda estudar mais amplamente a ionosfera e as suas origens. Serão
possíveis o estudo da influência do campo magnético do Sol sobre a
intensidade dos raios cósmicos e a observação do campo magnético da
Terra e de suas modificações, permitindo aos cientistas aprofundar-se
mais num dos maiores enigmas da natureza, que é o segredo da origem do
magnetismo terrestre...
A viagem interplanetária resolverá em
definitivo um número imensurável de problemas, actualmente entregue a
meras conjecturas. Teremos, assim, o ensejo de resolver aquele que
esboçámos logo de início e se relaciona com as possibilidades de vida em
condições diferentes das da Terra. Muitas hipóteses, consideradas
insensatas, se transformarão em certezas; muitas afirmações, tidas como
verdadeiras, serão desmentidas pela irreverência dos factos; muitos
fenómenos, nunca sonhados, se observarão para nosso espanto.
Até aonde conduzirá os homens o seu
pasmoso engenho? Que nos reservará o futuro? Se vivêssemos duzentos anos
atrás e nos dissessem que os homens se atreveriam a devassar os céus com
os seus veículos de velocidade supersónica, cingir-nos-íamos talvez a
encolher os ombros com aquele mesmo desdém que hoje merecem a muita
gente estes augúrios acerca das futuras viagens interplanetárias.
Que nos reservará o futuro? Quem não
desejaria viver o suficiente para assistir à transformação do homem
aeronauta em astronauta, dos já vulgares aviões em alucinantes
cosmonaves?
Do livro no prelo «Do Ignoto aos
Satélites Artificiais»
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(1) — «A neomicina muito eficaz, no ano
anterior, sobre o E. coli O 111 B4, viu a sua acção atenuar-se
progressivamente.» ln Medicina Universal. |