respostas
1 Em
primeiro lugar, creio que o conto, dada a sua brevidade formal, é o
género que melhor se quadra ao meu temperamento insofrido, ao meu,
digamos, dinamismo interior. Quando ando em período de escrever, as
figuras apoderam-se com tal Intensidade de mim, dominam-me com tal
tirania, que sinto uma irreprimível necessidade de me libertar delas,
resolvendo-as literariamente. Mesmo assim, porém, já escrevi quatro
novelas extensas que saíram, no ano de 1948, em primeira versão
(formalmente descuidada), no volume Caminhos sem sol. Refundi-as
profundamente há pouco, tendo saído já uma na colecção Novela,
outra em Mosaico e estando as duas restantes para aparecer em
breve em Centauro, a nova colecção de bolso da «Atlântlda», de
Coimbra. O romance exigiria uma detenção, um método até, que
dificilmente se coaduna com o meu ritmo actual e mesmo com a minha vida
presente, pois — como sucede com a grande maioria dos meus camaradas —
escrevo apenas nas horas vagas, e seria humanamente impossível fazer
conviver, dentro de mim, durante todos os meses que um romance leva a
germinar, as realidades da profissão e as personagens imaginárias da
obra. Outros, mais metódicos, capazes de submeter as musas ao livro de
ponto, têm vencido a batalha; por mim, vou desistindo. De resto, creio
que nos contos e novelas se encontra a forma literária mais adequada à
nossa maneira de ser e de sentir, aquela pela qual nos temos conseguido
exprimir mais validamente. Repare que o melhor da obra do próprio Camilo
são as Novelas do Minho, e vou até ao ponto de afirmar que, se
não fora a tirania económica, esse prosador admirável ter-se-ia
realizado de preferência em contos e novelas, pois os seus romances
apresentam-nos não poucas vezes uma arquitectura cerzida de contos ou
distendem artificialmente em 300 páginas uma matéria que daria para uma
novela de 50, as únicas, afinal, com a marca do seu génio.
Verdadeiramente romancista, só Eça de Queirós, que sofreu uma forte
influência francesa e, mesmo assim, há quem, na obra deste autor,
valorize acima de tudo os contos.
2 A revista
Vértice, de que sou editor desde 1946, e a qual oriento
conjuntamente com um punhado de amigos, entre os quais o Joaquim e o
Egídio Namorado, que já lá estavam antes de eu chegar, é realmente um
excelente ponto de vista para aquilatar do interesse da juventude e do
público em geral pelos problemas culturais que nos avassalam. Só lendo
as cartas de aplauso ou crítica diariamente recebidas, só apreciando a
firmeza de centenas de leitores que, no decorrer dos muitos anos, que a
revista conta, nos animam a prosseguir e progredir, se pode verificar em
que medida está viva no povo português a ânsia de se cultivar, de
conviver ideologicamente. A par do interesse literário, verificamos um
constante desejo de esclarecimento, sobretudo pelo que respeita a
problemas nacionais, daí que estejamos a prestar uma atenção especial à
parte do Panorama /página 6/
da revista, a mais informativa e com carácter mais actual. Tudo isso,
porém, exige trabalho e tempo que têm de ser arrancados à nossa vida
particular e profissional, pois vivemos em regime de puro amadorismo...
3 Em parte,
foi esse mesmo espírito heróico e generoso, esse anseio justicialista
que conduziu os mais jovens escritores da época de 40 para o realismo,
movimento que, pela análise histórica e social, procura criar o homem
total, quer dizer, aquele que, liberto economicamente ou ciente dos
caminhos dessa libertação, é ao mesmo tempo sujeito e objecto da
realidade — logrando-se, portanto, essa unidade que tem sido a meta
ideal de todas as artes. Infelizmente, porém, tais propósitos — atrás
enunciados de modo tão esquemático — foram muitas vezes perdidos de
vista ou até ignorados por alguns dos cultores do neo-realismo
português, os quais se cingiram a descrever o povo, sobretudo o rural,
com simples olhos sentimentais, através de óculos tingidos ainda de
naturalismo. Por outro lado, mesmo os mais válidos representantes do
movimento poucas vezes têm conseguido dar-nos outra coisa além do homem
como objecto (e eu próprio não me ponho de fora neste ponto), o que se
explica pelo facto do nosso enquadramento social no-lo ocultar como
sujeito, quebra esta que compromete a unidade a que se aspira. Só à luz
de tais conceitos acho legítimo falar-se de crise, no sentido literal de
«ponto crítico» em que um movimento atenua o ritmo, a fim de
possibilitar um balanço do passado e o delineamento dos caminhos do
futuro. Aliás, sendo o neo-realismo, digamos assim, apenas um método
(inerente a uma concepção geral do mundo e da vida) e não uma doutrina —
como erradamente muitos o querem ver — não está, como estas, submetido
ao capricho epocal dos gestos — pois ele próprio forja esses mesmos
gestos e com eles evolui.
4 Para já,
estou a arrumar os meus primeiros livros, com vista a futuras reedições,
depois voltarei provavelmente aos contos. Talvez tente em breve uma
novela longa, para a qual já tenho plano e título, e que será a história
pícara de um «manga de alpaca».
O romance, apesar de alguns críticos
terem entrevisto em Histórias de vila um prenúncio de conversão
ao género (com o que aliás não concordo), ficará para depois. Talvez
para quando fizer setenta anos e me aposentar... |