E isso porque doze unidades sobre o País
de Gales significa, muito dramaticamente, que o ar que se vem acumulando
sobre as pradarias da tão conhecida região britânica ultrapassou o
limite, teoricamente tolerável, em estrôncio radioactivo!
Ora, sabendo os cientistas mais
autorizados, e, graças aos meios de divulgação existentes, não ignorando
tantos de nós que o estrôncio é um elemento de desintegração atómica que
tende a substituir, na substância intersticial dos ossos, o lugar que,
por determinação fisiológica normal, compete ao cálcio, facilmente se
compreende até que ponto, já para as gerações dos nossos dias, se incuba
no tecido ósseo uma ameaça de real significado — a leucemia ou o cancro
do sangue.
Muito recentemente, em relatório da
responsabilidade da Autoridade da Energia Atómica de Harwell
(Grã-Bretanha), se confirmava que a percentagem dos ossos humanos, em
estrôncio 90, nula antes de 1945, se elevara regularmente desde aquela
data!
Alterando o meio ambiente, o homem
modifica as condições em que decorrem os processos biológicos e logo cai
sob a alçada das inovações que nele introduziu.
Todavia, é tempo de solicitar novo
esclarecimento: — porquê doze unidades sobre o País de Gales? Donde a
particular predilecção do rádio-estrôncio por tão bucólica paisagem?
Ninguém pode, em nossos dias,
vangloriar-se de possuir todos os dados informativos necessários ao
conhecimento integral dum processo natural.
Há os macro e os micro-factores,
acrescidos e fecundados por uma inextrincável e maravilhosa fluência
dialéctica que os inclui e excede. O imprevisto vive paredes
meias com o visto; e, se o homem dos nossos dias pode pôr em
prática empreendimentos à escala do globo, não está ainda em condições
de arredar todas as possibilidades de surpresa.
Poderá, por exemplo, fazer uma
distribuição equitativa dos elementos radioactivos pela atmosfera
terrestre, mas não evitará que a natureza diga que não aos seus cálculos
e concentre aqueles em determinadas áreas.
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Não evitará, por exemplo, que, /página
18/ mercê das orientações das altas correntes atmosféricas, se
detenham no hemisfério norte, pertinentemente na zona temperada, desde o
Japão às costas da Grã-Bretanha.
O Dr. Willard Libby que, na companhia de
onze sábios americanos, formulou a referida conclusão, será de louvar
quando alude aos efeitos positivos de pílulas de cálcio para atenuar ou
combater a fixação do estrôncio (de momento, nos ossos dos ratos).
Resta, no entanto, saber se, uma vez admitida a eficácia relativa das
pílulas vindouras, as teremos em quantidade suficiente todos nós e se
vale a pena viver sob uma ameaça permanente só porque três países do
mundo não encontram fórmula mais avisada e humana com que garantam a
defesa mútua.
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Mas será só por aqui, pela penetração do
rádio-estrôncio no organismo humano, que está aberta a porta para a
degenerescência biológica da nossa espécie?
Sabe-se que, desde há milhões de anos,
os moluscos, ou digamos, a saborosa ostra das águas portuguesas,
concentram o cobre que há no mar até valores insuspeitados para edificar
as moléculas orgânicas que transportam o oxigénio através dos seus
tecidos, a chamada hemocianina.
Como é possível tal enriquecimento a
partir dum meio relativamente escasso em cobre? Ignoramo-lo.
Como se opera a concentração do iodo nos
tecidos de certas algas ou da nossa tiroideia? Ignoramo-lo.
Como se apropriam certos organismos do
cobalto e do tão raro e estranho vanádio? Ignoramo-lo.
Qualquer que venha a ser o processo
fisiológico que se haja de invocar, sabe-se já, de fonte limpa, que
animais e plantas, colocados em águas levemente contaminadas de
substâncias radioactivas, as concentram para além de limites
inacreditáveis.
Tendo em conta as relações de
interdependência que nesta obra se apontam entre todas as espécies vivas
e a condição de elo da cadeia alimentar, que cada uma representa, e
sabendo nós que o homem não pode prescindir delas, fáceis são de prever
as consequências deste novo estado de coisas se não se tomam todas as
cautelas necessárias. Com cada fruto ou peixe que se ingira teremos ou
terão as novas gerações tragado o sabor duma morte deliberadamente
preparada ou consentida pelos povos civilizados.
Pela primeira vez na história da
humanidade, três povos estão em condições, não só de aniquilarem um
possível inimigo, mas de alterarem as constantes físicas da biosfera de
forma praticamente irreversível!
Mas, talvez também pela primeira vez,
ocorre circunstância bem curiosa, pois que, até aquele homem temente de
toda a qualidade de humanismo e refluído para a concha do seu cómodo
egoísmo, sob o pretexto aleatório de que os males acontecem sempre aos
outros, até esse parece dar-se conta deste perigo invisível que se
respira com o ar que nos entra nos pulmões ou que bebemos com a água
aparentemente mais saudável.
Uma concepção humanista, cada vez menos
limitada ao escol intelectual, parece na forja com cada bomba
termonuclear que explode por amor da paz!
Cada homem, mesmo o mais dobrado sobre
as subtilezas do cordão umbilical do seu egoísmo, começa a dar-se conta
de que é parte dum todo coeso e a compreender que é tão condenável
aquele que contribui, pelos actos, para a viciação do meio terrestre
quanto o que, pelo silêncio, cala a sua palavra de protesto — essa pedra
ou cimento invisível que poderá erguer uma barreira decisiva contra uma
das ameaças mais dramáticas que espera o homem do nosso tempo.
Doze unidades sobre o País de Gales, eis
o inimigo que bate à porta de cada um de nós e entra em nossa casa sem
requerer permissão.
Ilídio Sardoeira |