Contos tradicionais
portugueses
A
riqueza e a fortuna
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Continuando a
rubrica iniciada no n.º 2 deste jornal, desta vez,
apresentamos um conto proveniente do Algarve, registado por
Teófilo Braga.
Um pobre homem
estava a trabalhar no mato, a cortar lenha para ir vender pela
vila e assim sustentar mulher e filhos. De repente viu ao pé
de si dois sujeitos, bem vestidos, que lhe disseram:
— Nós somos
a Fortuna e a Riqueza. Vimos-te ajudar. Cada um queria acudir
de preferência ao pobre homem, e altercavam entre si. Dizia a
Riqueza:
— Eu só por
mim o faço feliz; sendo ele rico tem tudo.
— Pois mesmo
sem ser rico, eu dando-lhe fortuna, faço-lhe maior
benefício. Senão experimentemos
A Riqueza
virou-se para o pobre do homem e disse: — Toma lá este
cruzado novo; amanhã compra carne, pão e vinho e não
trabalhes nesse dia.
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O homem foi-se embora
contentíssimo para casa; no outro dia foi ao açougue. Deu ao
magarefe o dinheiro adiantado, mas como estava um grande
barulho de gente no açougue, o carniceiro negou que lhe
tivesse dado dinheiro, e o pobre homem resignou-se e foi outra
vez trabalhar para o mato.
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A Riqueza
tornou a chegar ao pé dele e quando soube de que lhe servira
o cruzado novo, ficou zangada e deu-lhe uma bolsa cheia de
dobrões, o homem voltou para casa; mas como a bolsa era de
marroquim vermelho uma ave de rapina caiu de repente sobre ele
e arrebatou nas garras o saco. voou. O homem contou a sua
tristeza à mulher, e no outro dia foi trabalhar para o mato.
Tornou-lhe a aparecer a Riqueza; ficou mais desesperada quando
soube do acontecido à bolsa dos dobrões.
— Pois desta
vez dou-te um saco de peças tão grande que não podes com
ele; mas aqui tens um cavalo, que to vai levar a casa.
O homem
agradeceu aquele favor da Riqueza e pôs-se a caminho para
casa. Quando ia por um atalho, estava num campo uma égua, e o
cavalo botou a fugir atrás dela de tal forma que o homem não
foi capaz de o agarrar, e por mais que andou não pôde achar
o cavalo.
Quando a
Riqueza não esperava tornar mais a encontrar o homem no mato,
foi ao sítio costumado com a Fortuna, e qual não foi o seu
pasmo quando viu o pobre do homem a trabalhar como dantes.
Disse então a Fortuna:
— Agora é a
minha vez de o fazer feliz; vou-lhe dar apenas um vintém Olhe
lá, ó homem, tome esse vintém, e assim que chegar à vila
compre a primeira coisa que lhe aparecer.
O homem em
caminho para casa encontrou quem lhe ofereceu uma vara de
andar à azeitona pelo preço de um vintém, e comprou-a. No
outro dia, foi para a apanha, e quando ia varejar uma
oliveira, caiu-lhe de um galho uma bolsa de marroquim cheia de
dobrões. Agarrou nela e levou-a para casa, contou à mulher
donde suspeitava que lhe vinha aquele tesouro. A mulher
combinou ir fazer uma romaria, e puseram-se a caminho. Quando
chegaram a um descampado acharam pegadas de cavalo. Foram
andando por elas e chegaram a um sítio onde estava um cavalo
deitado ainda com um saco cheio de peças. Voltaram logo para
casa muito contentes, e mudaram de vida, que até àquele
tempo tinha sido amargurada pelos poucos ganhos e muitos
filhos.
A Riqueza e a
Fortuna foram ao sítio onde o homem costumava cortar lenha e
esperaram por ele bastante tempo. Por fim a Fortuna
declarou-se vencedora, dizendo:
— Que te
dizia eu? Não é com muito dinheiro que se é feliz.
(Algarve),
Extraído de
Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português,
vol. I, págs. 199-200.