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"Patrimónios" – n.º 8, Dezembro 2010, Ano XXX, 2ª série, 216 páginas


JOSÉ ESTÊVÃO

pela liberdade e pela "democracia"

Manuel J. G. Carvalho *


Aveiro, neste ano de 2009, abre-se prenhe de datas redondas, proporcionando momentos para memoriar o que fomos e pensar o que somos: 1050 anos da primeira referência escrita – conhecida – a Aveiro; 250 anos da elevação da vila de Aveiro a cidade; 200 anos dos nascimentos de José Estêvão e de Mendes Leite; 180 anos dos Mártires da Liberdade; 150 anos dos nascimentos de Jaime de Magalhães Lima e de Luís de Magalhães, que só os acasos da vida política de seu pai fizeram nascer em Lisboa; 100 anos dos nascimentos de João Sarabando e de Eduardo Cerqueira; 80 anos do nascimento de José Afonso; 40 anos do falecimento de Mário Sacramento.

No âmbito destas memórias, cumpre-me homenagear, aqui e agora, o grande tribuno José Estêvão Coelho de Magalhães, essa figura tutelar de Aveiro, essa personalidade multifacetada de soldado, orador parlamentar, político, jornalista, professor e advogado, homem de carácter e cidadão de corpo inteiro, que jamais abandonou a primeira linha da luta pela Liberdade, não recuando perante situações a que poderia ter-se acomodado, antes arriscando carreira e vida pelos seus ideais.

Filho de Luís Cipriano Coelho de Magalhães e de D. Clara Miquelina de Azevedo Leitão, José Estêvão nasceu em Aveiro a 26 de Dezembro de 1809, numa casa que os avós maternos possuíam na Rua de Trás dos Mercadores.

Quadro do pintor José Maria Sales, óleo sobre tela, de 1866, existente na Escola Secundária José Estêvão. //////

Foi baptizado em 1 de Janeiro de 1810, na Igreja de Nossa Senhora da Apresentação, pelo vigário Dr. Manuel Rodrigues, assistindo como padrinhos o seu segundo tio, José Ribeiro de Azevedo Leitão, e a irmã deste, Luísa Teresa. Foi-lhe posto o nome de José Estêvão, a que lhe acrescentaram Costa de Magalhães, apelidos respectivamente de seu avô materno e de seu pai, substituídos depois por Coelho de Magalhães, os dois apelidos de seu pai, igualmente atribuídos aos restantes irmãos.
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O pai, Luís Cipriano, perante a debilidade física de sua mulher e a insegurança resultante da terceira invasão francesa, cujo exército andou perto de Aveiro, já que passou por Viseu, Buçaco e Coimbra, mandou o filho recém-nascido, juntamente com a sua ama, para casa da avó materna, D. Ana Joaquina Rosa, onde ficará até aos 9 anos de idade.

Em 1819 José Estêvão volta para casa de seus pais, sem ter sido ainda iniciado nas primeiras letras, juntando-se finalmente aos três irmãos, nascidos na sua ausência: António Augusto, Maria Doroteia e Luís Rufino. Mas, considerando a pequena distância que separava a casa de seus pais e a dos avós com quem vivia, certamente que o convívio seria diário.

Começou então a frequentar as aulas do professor de instrução primária de Aveiro, Custódio José Baptista, o Cossoia, a poucos metros da sua nova morada, mas será com seu pai que aprenderá a ler.

Em Junho de 1821 morre-lhe a mãe.

Completados os estudos primários, começa a estudar Latim com José Lucas de Sousa da Silveira, Lógica com Francisco Inácio de Mendonça e Retórica com o padre Manuel Xavier de Sousa. Teve como condiscípulos, na aula de Latim, e já antes, na aula de primeiras letras, o futuro general Joaquim da Costa Cascais e Manuel José Mendes Leite.

Em 1825 ruma a Coimbra, onde o encontramos a residir no número 24 da Rua dos Estudos e matriculado no primeiro ano de Direito, curso que interromperá ao sabor dos grandes acontecimentos políticos da época, e da sua intervenção directa nas lutas contra o Absolutismo. No ano seguinte, com apenas dezasseis anos, destaca-se pelas suas intervenções nos clubes políticos de Coimbra, sempre na defesa dos ideais do liberalismo e da liberdade, e alista-se no Batalhão de Voluntários Académicos, formado para combater a revolta absolutista chefiada pelo marquês de Chaves. Completará 17 anos no dia em que o seu batalhão avança em direcção a Viseu.

Em 1828 o Vintismo sofre o último dos grandes golpes de estado, dirigido por D. Miguel, aclamado rei absoluto em vários pontos do País. A Carta Constitucional, que D. Pedro outorgara aos portugueses em Abril de 1826, deixa de vigorar, mas os baluartes do liberalismo ainda estrebucham, assistindo-se a levantamentos populares e militares no Porto, em Aveiro, em Coimbra, no Algarve e na Terceira (Açores).

José Estêvão alista-se no Terceiro Batalhão Académico, mas as forças liberais acabarão vencidas, devido em grande parte à mediocridade dos seus chefes, desfecho que será sentido de forma aterradora em Aveiro, onde se sucedem as prisões e perseguições, que culminam na execução de nobres filhos desta terra, enforcados e decapitados no Porto.

Na sequência da derrota de 1828, José Estêvão foge para a Galiza, integrado no grupo que embarcou em Ferrol, com destino a Inglaterra. Entretanto, o pai, Luís Cipriano, refugia-se no Porto, em casa do padrinho, um juiz da alçada encarregado de julgar os revoltosos de 16 de Maio.
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Plymouth: Câmara Municipal e Igreja de Santo André. Gravura do século XIX.

 

Em 26 de Agosto de 1828 entra em Portsmouth, seguindo depois para Plymouth, onde se manteve até à partida para os Açores. Esteve hospedado numa casa particular, juntamente com Manuel José Mendes Leite, Pedra António Rebocho Freire de Andrade e Albuquerque (o futuro visconde de Santo António), na altura major do batalhão de Caçadores 10 de Aveiro, e Manuel Maria da Rocha Colmieiro (tenente-coronel de milícias de Aveiro).

Em 30 de Janeiro de 1829, José Estêvão sai de Plymouth, a bordo da galera americana James Croper, integrando, juntamente com os restantes voluntários académicos, a 1ª Companhia do Batalhão de Voluntários da Rainha. Chegaram à Terceira no dia 14 de Fevereiro.

Em Junho desse mesmo ano aprofundam-se as clivagens entre as várias facções de liberais estacionados na ilha Terceira, multiplicando-se a boataria, a maledicência e a intriga. Como uma parte destas conspirações tinham por instrumento os académicos de Coimbra, decidiu-se separar a 1ª Companhia do restante Batalhão de Voluntários da Rainha. Dividida a ilha em 8 distritos militares, atribuiu-se a defesa do distrito de S. Pedro dos Biscoitos aos universitários de Coimbra, organizados agora na Companhia de Artilheiros Académicos, que, estacionados a algumas léguas da vila da Praia, não participaram nos combates de 11 de Agosto, em que a esquadra absolutista foi rechaçada.
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A sua permanência nos Açores não coincide com o que nos diz Marques Gomes e, na sua esteira, José Tengarrinha. A reconstituição deste período da vida de José Estêvão pode ser feita, bastando cruzar os dados fornecidos pelos escritos de Luz Soriano, de Ernesto Rebelo, no Arquivo dos Açores, e de Marcelino Lima. Como veremos, é bem possível que José Estêvão nunca tenha entrado em combate, enquanto permaneceu nos Açores. Se fez no arquipélago o seu baptismo de fogo, tal só poderia ter acontecido na conquista de S. Jorge, caso tenha integrado as forças que saíram de Angra no dia 17 de Abril de 1831. Mas José Estêvão pode ter sido integrado nas forças do conde de Vila Flor apenas depois da conquista de S. Jorge, quando o capitão-general se deslocou à Terceira para trazer mais reforços.

De Julho de 1830 a finais de Fevereiro de 1831, possivelmente desde o n.º 12 até ao n.º 39 ou 40, a redacção da Crónica da Terceira, que funcionava como jornal oficial da regência, é entregue aos voluntários académicos José Estêvão e Elias José de Morais.

Entretanto o exército liberal continuava acantonado na Terceira, com o resto do arquipélago controlado pelos miguelistas. Finalmente, em Abril de 1831, a regência decidiu avançar para a conquista das restantes ilhas, para o que preparou uma expedição que partiu do porto de Angra no dia 17 desse mesmo mês, sob o comando do capitão-general conde de Vila Flor, o futuro Duque da Terceira. O objectivo era a conquista das restantes ilhas dos grupos Central e Ocidental do arquipélago. Como vimos, é possível que José Estêvão tenha integrado esta força relativamente pequena, em que participaram contingentes de todos os corpos que formavam a guarnição da Terceira. Se não a integrou desde o início, temos a certeza que estará com ela depois da conquista de S. Jorge, pois fez parte das forças que desembarcaram no Faial.

Em 21 de Abril cai a ilha do Pico, sem resistência e sem combates. Em 9 de Maio será a vez da ilha de S. Jorge, com os absolutistas a fazerem frente aos liberais e a registarem cerca de 70 baixas.

Instalado o quartel-general em Velas, o conde de Vila Flor parte na madrugada de 22 de Junho para a ilha do Faial, já abandonada pelas tropas realistas, que tinham fugido na corveta Isabel Maria e noutras embarcações, ali desembarcando no dia seguinte, debaixo do entusiasmo e dos aplausos dos faialenses.

No Faial, o sargento-mor António de Oliveira Pereira, pessoa grada da Horta, a quem o conde de Vila Flor tinha recomendado José Estêvão, viria a encontrá-lo muito doente, tendo-o por isso recolhido no seu solar, hoje com o número 24 da rua Serpa / 157 / Pinto(1), onde o jovem aveirense permaneceu cerca de um ano, de 23 de Junho de 1831 a 11 de Abril de 1832.
   
 

Horta (Faial), Rua de Serpa Pinto. Casa que foi do sargento-mor António de Oliveira Pereira, que acolheu José Estêvão de 23-06-1831 a 11-04-1832.

 

A Graciosa e as Flores, livres da ameaça miguelista que antes se impunha a partir de S. Jorge, reconheceram de imediato a rainha D. Maria II e a regência da Terceira. Nos dias 1 e 2 de Agosto de 1831 (e não 1830, como se lê em muitos autores) assiste-se à conquista da ilha de S. Miguel e à célebre e heróica batalha da Ladeira da Velha, sucessos militares que não contaram com a participação de José Estêvão (ao contrário do que também se diz), integrado que estava no contingente militar que permaneceu no Faial e preso ao leito por grave doença que o atormentou durante largos meses.

No mesmo dia em que se punha termo ao domínio absolutista em S. Miguel, chegou a vez da ilha de Santa Maria aclamar o governo liberal, completando-se o respectivo domínio em todo o arquipélago.

D. Pedro IV, que tinha abdicado da coroa imperial brasileira, e estabelecido residência em França, parte para os Açores em 10 de Fevereiro de 1832, quando todo o arquipélago já era liberal. Chegará a S. Miguel em 22 desse mesmo mês. Em 7 de Abril, D. Pedro desembarca no Faial, onde chegou a bordo do Superb, um barco a vapor em que costumava deslocar-se. No dia 11, o regente abandona o Faial, com destino a S. / 158 / Miguel. Com ele seguem as tropas e os voluntários que seguirão depois para Pampelido. É nesta altura que José Estêvão abandona a ilha do Faial, onde residira quase durante dez meses. Na despedida dos que partiam «o sargento-mor Oliveira Pereira lacrimejava, abraçado desesperadamente ao jovem cadete José Estêvão»: foi uma amizade para toda a vida, que a gratidão e a correspondência de José Estêvão souberam manter viva.

Pelas 14 horas do dia 27 de Junho, José Estêvão sai de S. Miguel no brigue mercante Concórdia, juntamente com os restantes companheiros da Companhia de Artilheiros Académicos, em direcção ao continente, onde desembarcam na tarde de 8 de Julho, na praia da Arenosa de Pampelido. No dia seguinte entra no Porto, onde se encontra com o pai, que ali se achava escondido, em casa de amigos, para fugir à fúria persecutória do revanchismo miguelista.

José Estêvão irá integrar a divisão do coronel José António da Silva Torres (depois general, barão do Pico do Celeiro e visconde da Serra do Pilar), que ocupou o reduto da Serra do Pilar. Envolve-se activamente na defesa da capital do Norte, dirigindo o reforço das fortificações da Serra do Pilar e destacando-se em combate, o que lhe valeu o grau de cavaleiro da Torre-e-Espada, ordem entretanto restaurada por D. Pedro IV, por alvará de 28 de Julho de 1832. Tinha então 22 anos e pertencia ao corpo de artilheiros académicos, onde tinha o posto de cabo, recebendo aquela alta condecoração por vontade expressa dos seus companheiros, que se recusaram a sorteá-la entre si, conforme era hábito e fora superiormente decidido. E, enquanto decorriam estes acontecimentos, era preso o seu irmão António Augusto, que, com apenas 17 anos, passaria às cadeias de Viseu e Lamego, donde fugiu em 10 de Abril de 1834.

O reconhecimento das altas qualidades militares e humanas do jovem aveirense levaram o capitão José Maria Baldy a propor a sua passagem para o exército de linha, o que vem a acontecer por decreto de 4 de Abril de 1833, que o integra na arma de artilharia com o posto de segundo tenente. Cinco dias depois batia-se corajosamente nos redutos e fortificações que faziam parte da linha de defesa do Porto, participando primeiro na tomada de Covelo, entre as estradas de Braga e Guimarães, para, em 25 de Julho do mesmo ano, à frente de vinte soldados quase todos mortos na acção, se cobrir de glória na defesa da Flecha dos Mortos, entre Lordelo e a Foz, sendo galardoado, desta feita, com o grau de Oficial da Torre-e-Espada.

Recordemos as palavras com que o filho Luís de Magalhães deu cor à imagem que para si criou destes últimos actos de bravura, cerzidos por certo de muitas narrativas familiares:

Vejo-o na Flecha dos Mortos, nesse terrível reduto, cujo nome só por si é um pregão de heroísmo, vejo-o impávido e audaz, entre os seus vinte soldados, caídos a seu lado, mortos ou feridos, esperar de morrão aceso, ao pé da sua peça, a esposa heróica do artilheiro nessas núpcias de morte e de glória, que são as batalhas! – esperar ao pé dela a entrada dos inimigos na bateria, que já não podia defender, queimar com o morrão, num gesto violento e provocador as barbas do comandante da força, e retirar sob um chuveiro de balas para logo voltar com reforços e reaver, à arma branca, numa carga furiosa, a posição um momento perdida!

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Em 1834 será promovido a primeiro-tenente e, em Fevereiro desse ano, sob o comando do marechal Saldanha, contribui mais uma vez para a vitória liberal, pelo denodo com que combate em Almoster.

A guerra civil termina nesse mesmo ano, pelo que, com a vitória liberal, José Estêvão regressa a Aveiro, donde segue para Coimbra, para continuar os seus estudos. O soldo de primeiro-tenente servirá para financiar a sua formatura, bem como a de seu irmão António Augusto.

José Estêvão termina o curso de Direito em finais de 1836 e, no ano seguinte, é eleito deputado às Constituintes. O homem que defendera os seus ideais com as armas irá agora defendê-los com a palavra, quer no Parlamento quer na imprensa, nos jornais "O Tempo", que fundou em 1838, e "A Revolução de Setembro", também por ele fundado em 1840, de parceria com o seu amigo, conterrâneo e companheiro de todos os momentos, Manuel José Mendes Leite.

Ainda em 1840, José Estêvão concorre e ganha o concurso para leccionar a 10ª cadeira da Escola Politécnica de Lisboa – Economia Política, Direito Administrativo e Comercial. O militar, político, parlamentar e jornalista é agora também professor do ensino superior.

As suas qualidades pessoais, a sua verticalidade moral e a sua benevolência estão bem patentes nalguns episódios da sua vida. A generosidade de José Estêvão ia ao ponto de se envolver, sem conhecimento do interessado, na consecução de um cargo rendoso para um conterrâneo em dificuldades, apesar deste ser seu inimigo político e de não manter com ele quaisquer relações.

O seu espírito de tolerância, e a fidelidade aos princípios que sempre o norte aram, levaram-no, em 1843, a defender em tribunal o jornal miguelista "Portugal Velho", acusado de abuso de liberdade de imprensa.

A posição de que desfrutava poderia tê-lo transformado num homem acomodado, passível de vender-se a interesses políticos ou económicos, que lhe assegurassem um futuro promissor e desafogado. Mas na alma deste homem não cabiam interesses mesquinhos, nem ele se alienava, qual vendilhão do templo, aos valores materiais que jamais sobrepujaram as suas convicções morais e políticas.

A Constituição de 1838, que José Estêvão ajudara a elaborar, na sua qualidade de parlamentar constituinte, vai deixar de vigorar em 1842, na sequência do pronunciamento de Costa Cabral. Os barões do dinheiro venciam assim as forças da Revolução de Setembro de 1836, em cujas fileiras militava o distinto aveirense, e cujo ideário se identificava com a esquerda liberal ou, se preferirmos, com a ala democrática do liberalismo português.

José Estêvão conspira e combate em todas as frentes, mesmo quando o seu jornal "Revolução de Setembro" tem de passar à clandestinidade, não deixando porém de se publicar e de chegar a todos os pontos do País. E quando, em 1844, a pressão da ditadura cabralista atenta contra as liberdades fundamentais, o capitão de artilharia José Estêvão abandona mais uma vez os confortos da vida, para pegar em armas com o Regimento de Cavalaria de Torres Novas. Num dos seus discursos, na sessão das Cortes de 12 de Agosto de 1840, e em resposta ao ministro do Reino Rodrigo da Fonseca / 160 / Magalhães, já o grande tribuno reconhecia com desassombro «que a resistência armada é, em certas ocasiões, não digo um direito, mas uma obrigação».

Encurralado na praça de Almeida, demitido do posto de capitão e de lente da Escola Politécnica, José Estêvão consegue, com mais dois oficiais, romper o cerco e deslocar-se para Trás-os-Montes, onde tenta sublevar várias localidades. O malogro destas tentativas e a notícia da rendição de Almeida obrigam-no a exilar-se em Paris, onde se conservará durante cerca de dois anos com o seu companheiro e camarada de armas Manuel José Mendes Leite, com residência no n.º 20 da rua Laffite.

Entretanto, com data de 16 de Abril de 1844, a 1ª Repartição da 3ª Direcção do Ministério do Reino publicava uma circular, assinada por António Bernardo da Costa Cabral que, em nome da rainha, prometia «a quantia de um conto de reis» a quem entregasse os fugitivos de Almeida ao governador civil. Este episódio viria a inspirar o escritor Joaquim Leitão, que nele se baseou para escrever o conto biográfico Cabeça a Prémio, dedicado a Luís de Magalhães, filho de José Estêvão.
   
 

Paris: Rua Laffite, no século XIX

 

Em 1846, na sequência da sublevação da Maria da Fonte, cai o governo dos Cabrais, o que permitirá o repatriamento de José Estêvão, beneficiando da amnistia que o ministério Palmela decretara para os revolucionários de 1844. Em 5 de Outubro daquele ano aparece o programa setembrista redigido por José Estêvão, com o qual a esquerda liberal pretendia pôr cobro à situação político-militar resultante da ditadura cabralista e do levantamento da Maria da Fonte.
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D. Maria II assusta-se com o evoluir dos acontecimentos e acaba por promover o golpe de Estado de 6 de Outubro, demitindo o gabinete chefiado pelo duque de Palmela. O novo ministério, agora sob o comando do duque de Saldanha, apressou-se a dissolver o Parlamento e a restabelecer a antiga lei eleitoral.

O País vai-se revoltando aqui e ali, do Norte ao Sul, enquanto José Estêvão, que tinha retomado a direcção do jornal "Revolução de Setembro", se vê forçado a homiziar-se para escapar à prisão. Conseguindo fugir de Lisboa, sob disfarce, aparece a trabalhar na organização das forças revolucionárias, sucessivamente em Santarém, Caldas da Rainha, Alcobaça e Nazaré. Em Dezembro encontramo-lo envolvido na formação da Junta de Setúbal e, no ano seguinte, percorre o Alentejo na luta de guerrilha: a Patuleia alastrava por todo o território nacional.

A revolução da Maria da Ponte teve também episódios aveirenses. Em 14 de Maio de 1846 é assaltado o Governo Civil, então na Rua Larga (actual Rua José Estêvão), e preso o respectivo governador, António José Vieira Santa Rita, o primeiro oficial José Ferreira da Cunha e Sousa e o tesoureiro Manuel António Lourenço de Mesquita. Participaram nesta acção, entre outros, António Augusto Coelho de Magalhães (irmão de José Estêvão), João Carlos do Amaral Osório e Alberto Ferreira Pinto Basto (filho de José Ferreira Pinto Basto e administrador da Vista Alegre).

A pacificação virá de seguida, imposta por forças espanholas, francesas e inglesas que a rainha chamara a Portugal. Em 24 de Junho de 1847 a Convenção de Gramido põe fim à guerra civil e José Estêvão, novamente amnistiado, retoma o magistério da Escola Politécnica, mas fica proscrito do Parlamento na legislatura de 1848-1850.

Em 1848, uma intervenção do duque de Saldanha nas Cortes, afirmando ser necessário «esmagar com mão de ferro a hidra revolucionária», deu lugar à chamada Conspiração das Hidras, em cujas hostes pontificavam os nomes de Oliveira Marreca, António Rodrigues Sampaio e José Estêvão, auto-denominados de Comissão Revolucionária de Lisboa, mas de imediato crismados de Triunvirato Republicano, já que defendiam soluções republicanas para a política nacional, e pretendiam que triunfasse, como afirmavam em manifesto, «os princípios democráticos, a causa das liberdades públicas e da emancipação dos povos».

Era a resposta democrática de José Estêvão, farto de ver a coroa ultrapassar a desejada divisão de poderes, intervindo com desusada frequência na dissolução do Parlamento, sempre que a maioria não era favorável às políticas governamentais.

Continuava coerente com as ideias que expressara nas Cortes, no ano de 1837, quando inaugurou a sua actividade parlamentar e apresentou a sua definição de soberania popular:

Juiz só, a julgar só; um rei só, com ministros responsáveis, a executar só; um corpo legislativo só, a legislar só; – eis aqui a minha monarquia, eis aqui o meu governo representativo.»

E, se a monarquia atentava contra esta regra de ouro, se o governo, com a ajuda desta monarquia, não respeitava a representatividade, havia que procurar outras soluções que a promovessem.

A repressão policial não se fez esperar e José Estêvão viu-se obrigado a passar mais uma vez à clandestinidade. No ano seguinte regressa de novo à regência da sua / 162 / cadeira na Escola Politécnica e, em 1851, pela mão da Regeneração, voltará ao Parlamento. É neste período que se bate pela construção do Liceu de Aveiro e pela passagem, nesta cidade, do caminho-de-ferro Lisboa-Porto.

O exílio em Paris, onde conviveu com figuras da política e da cultura francesas, permitiu-lhe observar de perto a instabilidade europeia e a insatisfação francesa, quiçá o germinar dos acontecimentos de 1848, e uma natural inquietação perante a permanente fragilidade política e social do seu País, onde a recuperação económica se desejava inadiável e as reformas de fomento se impunham, devem ter empurrado o tribuno para os braços da Regeneração.

Esta fidelidade à ordem regeneradora, que pode a priori ser percebida como uma incoerência do seu percurso político, só será quebrada em 1860, aquando do gabinete presidido por Joaquim António de Aguiar, embora já se adivinhe em 1857, quando, na sessão parlamentar de 23 de Maio, ocupando a sua «antiga cadeira de deputado da extrema-esquerda», discursou sobre o "Contrato do Tabaco".

O ilustre parlamentar parece sentir o peso de uma certa incompreensão face às suas opções políticas, e é nesse sentido que interpretamos as suas sucessivas explicações e justificações.

No entanto, não devemos esquecer que tanto os regeneradores como os históricos eram facções da mesma família política, o chamado Partido Progressista, nascido da coligação de todas as forças liberais que se opunham ao Cabralismo. Convém igualmente lembrar que, até ao último quartel do século XIX, não podemos falar de partidos no moderno sentido do termo. Os diferentes grupos políticos tinham uma débil organização e eram, frequentemente, muito indefinidos nos aspectos ideológicos e programáticos.

José Estêvão já em 1857 mostrava o seu descontentamento pelo crescente oportunismo político, e pelos trânsfugas que se iam vendendo ao ritmo das mordomias, privilegiando com as suas diatribes o ministro António José d' Ávila, o antigo presidente da Câmara da Horta, no período em que José Estêvão ali permaneceu, e que o gabinete progressista do marquês de Loulé fora recuperar das antigas hostes cartistas e cabralistas. Aliás, seriam gabinetes presididos pelo marquês de Loulé, companheiro político do tribuno aveirense ao longo de quase todo o segundo quartel de Oitocentos, o alvo dos discursos mais famosos e vibrantes do estro estevaniano. Referimo-nos aos discursos sobre as questões da "Charles et George!', a barca francesa apresada em Moçambique com um carregamento de escravos, e das "Irmãs da Caridade", instituição religiosa autorizada pelo governo a instalar-se em Portugal.

O probo e distinto orador alardeara sempre uma grande independência intelectual e uma invulgar coerência cívica e política, que facilmente captamos nas suas mais importantes intervenções parlamentares. Em 1840 já se insurgia contra a promiscuidade política, contra o amálgama ordeiro, agrinaldando o primeiro discurso do "Porto Pireu" com algumas comparações de ironia demolidora:

Eu disse que o centro da Câmara sabe respeitar os factos... Vai a mais a sua ciência; o centro [os "Ordeiros"] sabe apropriar-se de todos os factos e declarar-se o fautor e autor de todos os acontecimentos que aparecem no nosso globo! Tudo se faz pela ordem, em virtude da ordem, pelo bem da ordem e em nome da ordem! Sr. / 163 / Presidente, o centro da Câmara é aquele bem-aventurado louco que se declarou dono do porto de Pireu e de todos os navios que nele entravam. O porto de Pireu é o banco dos ministros e as galeras que nele entram são os diferentes ministérios. Perdoe-se-me esta comparação que talvez seja baixa: aventuro outra. O centro da Câmara é um fidalgo d' aldeia, que se pretende aparentar com todos os titulares, por consanguinidade, por afinidade, e até por bastardia!

E, uma semana depois, respondendo a Garrett e concluindo o discurso anterior:

Estão no Pireu os que, considerando a Coroa como uma mina, se associam a todas as companhias nacionais e estrangeiras para a explorar, meditando largar a empresa logo que a veia estiver pobre e as galerias de mineração inundadas.

Estão no Pireu os que, dos livros que lêem, só ficam conhecendo as capas; os que alardeiam de aplicados para se esquivarem às provas de talento; os que respondem aos argumentos com a recordação de suas vigílias e habilitações académicas; os que cerzem de fazenda emprestada relatórios, leis e discursos; os que chamam ignorantes aos que lhes redargúem; e, finalmente, os que, para que se não estrague o gosto público, recomendam as suas obras com prefácios panegiristas, escritos por sua própria e modesta mão.

E a catilinária continuava, desapiedada, certeira e mortífera.

Quando se afastou da Regeneração e enveredou, desiludido mas não vencido, por um certo isolacionismo político, José Estêvão parece ter sentido necessidade de se explicar perante o eleitorado, como no manifesto por ele assinado e datado de 21 de Abril de 1861, dirigido aos Snrs. Eleitores do Círculo d' Aveiro:

Era natural, se falássemos, que me perguntásseis a que partido eu pertenço. E talvez não, que os genealogistas políticos vão sendo raros, e os eleitores a quem me dirijo prezam mais actos de boa governação do que pergaminhos partidários. [.. .]

Eu pertenço ao partido histórico pela parte que tomei em todas as suas lutas parlamentares e armadas para sustentar as liberdades públicas.

Pertenço ao partido regenerador por lhe ter dado o fraco concurso do meu voto nos muitos cometimentos com que ele despersuadiu o país duma política de teorias e paixões para o ocupar de melhoramentos reais e civilizadores. Para o futuro pertencerei de certo ao partido que começa a formar-se [...].

E, para que não restassem dúvidas sobre o que pretendia, e sobre a relação que o ligava aos partidos do sistema, terminava o longo manifesto afirmando:

A minha candidatura é livre, independente, sem condições, nem compromissos, reservas, pactos ou sujeições de qualquer espécie.
Se podeis e quereis elegei-me assim, elegei-me. Doutro modo nem peço os vossos votos, nem os aceito. Se a eleição não é um puro acto de consciência, nem honra o candidato, nem os eleitores: e quando eu rogo os vossos sufrágios é para nos honrarmos reciprocamente, e para que possamos juntos honrar o País, em cujo serviço procuro continuar, não por embófia política, ciúmes / 164 / conterrâneos, ambição pessoal; mas simples e exclusivamente por dever cívico e gratidão às vossas finezas eleitorais.

O tribuno, que já era pai de um filho natural, Mateus Luís Coelho de Magalhães, fruto de amores de estudante coimbrão, casou-se em 1858 com D. Rita de Moura Miranda. No ano seguinte nascia o seu filho Luís de Magalhães e, em 1860, a filha Joana, que viria a falecer um ano depois, quando o progenitor andava envolvido em campanha eleitoral.

O ano de 1861 é para José Estêvão um ano de forte actividade política. Para além de participar na organização de um novo partido, como se pode perceber pelo fragmento do manifesto eleitoral atrás transcrito, ganha as eleições em candidatura de oposição ao governo. Neste mesmo ano vende a sua parte no jornal "Revolução de Setembro", passando a colaborar activamente, desde o seu primeiro número, no jornal "A Liberdade", fundado em 26 de Junho por Jacinto Augusto de Freitas Oliveira, seu sobrinho por afinidade, já que era casado com Maria José Coelho de Magalhães, a filha primogénita de António Augusto Coelho de Magalhães e sobrinha predilecta do tribuno. Em Aveiro, perante a hostilidade de Manuel Firmino de Almeida Maia, proprietário do jornal "Campeão das Províncias" e seu ex-correligionário, funda, com um grupo de amigos, o periódico "Districto de Aveiro".

Entretanto, para além de continuar a trabalhar nas habituais tarefas políticas, José Estêvão irá privilegiar a Confederação Maçónica Portuguesa, da qual é eleito Grão-Mestre no princípio de 1862. Com tradições maçónicas na família, já que seu pai, Luís Cipriano, pertencera à Loja que em 1823 funcionava em Aveiro, na Quinta dos Santos Mártires, José Estêvão foi iniciado no exílio inglês, em 1828, com o nome simbólico de Pórcio. A iniciação teve lugar na loja Fidelidade nº 14, teoricamente integrada no Grande Oriente Lusitano e fundada naquela cidade inglesa pelos exilados portugueses. Foi seu apresentante o tenente-coronel das milícias de Aveiro, Manuel Maria da Rocha Colmieiro. Tendo ascendido ao sétimo grau do Rito Francês (Soberano Príncipe Rosa Cruz), o tribuno aveirense foi Venerável da Loja 5 de Novembro, de Lisboa.

Entre 1861 e 1862 envolve-se na fundação do Asilo S. João, em Lisboa, e de um asilo para a infância desvalida em Aveiro.

Repentinamente, em 4 de Novembro de 1862, quando nada o fazia prever, morre em Lisboa, deixando a esposa grávida do filho que nascerá postumamente e que será baptizado com o mesmo nome do pai.

O duque de Loulé, chefe do ministério histórico que governará o País de 1860 a 1865, envidava esforços, através de amigos comuns, no sentido de o trazer ao governo, pretendendo entregar-lhe a pasta do Reino.

Como se afirmava no seu elogio fúnebre, publicado em 1862 no "Archivo Pittoresco", «Privando com o poder, muitas vezes, e nalgumas o seu maior esteio no parlamento, nunca ambicionou o governo, não solicitou nem aceitou mercês ou condecorações. O peito onde pulsava tão grande coração, só se ornou com a Torre-e-Espada, ganha no campo de batalha, e com o colar da Academia das Ciências, que lhe foi conferido pelo seu talento oratório. Eram os troféus que havia conquistado nos dois campos de lide em que tantas vitórias alcançara, e os emblemas da sua profissão – as armas e as letras (Tomo 5, p. 338).

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* mjgcarvalho@gmail.com

(1) – Na fachada deste prédio vê-se uma placa em mármore, com os seguintes dizeres: «NESTA CASA RESIDIU O TRIBUNO LIBERAL / JOSÉ ESTEVAM COELHO DE MAGALHÃES / EM 1831 A 1832 / MANDOU COLLOCAR ESTA LAPIDE A / VEREAÇÃO MUNICIPAL / EM / 26 DE DEZEMBRO DE 1909 /10 CENTENÁRIO DO NASCIMENTO D'ESTE ILLUSTRE TRIBUNO»


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