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Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

IX

OUTROS ELEMENTOS DO LAGAR

 

Nos capítulos anteriores, vimos essencialmente as diferentes fases da extracção do azeite, para as quais concorrem aparelhos importantes, tais como o moinho e os sistemas de prensagem e decantação. Mas muitos outros elementos fazem parte, senão de todos os lagares, pelo menos de uma boa parte deles, sendo alguns indispensáveis para a laboração oleícola.

Entre os elementos que iremos ver ao longo deste capítulo, figuram a fornalha com a respectiva caldeira, os quartos para os mestres e pessoal que trabalha no lagar, a bagaceira, a centrifugadora e o inferno ou poços de decantação. Existem ainda muitos outros objectos indispensáveis, susceptíveis de permitir um capítulo interessante para um futuro trabalho..

 

FORNALHA E CALDEIRA

Para um bom trabalho de extracção do óleo da azeitona há uma condição que, no dizer de António do Casal(1) é indispensável: a temperatura constante de 16 graus. E como em Portugal não se pode adiar o fabrico, como faziam os antigos, para dias mais quentes, daqui resulta que todos lagares, durante o período da laboração – situável entre os meses de Dezembro e de Fevereiro, conforme as regiões –, necessitam de possuir uma fornalha que aqueça simultaneamente o ambiente e a água na caldeira, tão necessária para as duas fases de extracção: a prensagem e a decantação.

Mas é também sabido que, se o calor é fundamental para a extracção do azeite, os fumos libertados pela fornalha podem danar-lhe a qualidade, pelo que, ao longo dos tempos, as regras relativas à fornalha e caldeira têm sido várias vezes motivo de reflexão e de advertência.

No século XVIII, Dalla Bella(2) refere que a fornalha poderá servir não só para «aquentar a água», mas também como estufa, fornecendo um conjunto de normas que constam das regras XVIII e XIX, onde refere que a «a caldeira deve ser colocada de tal sorte, que seja cómoda ao lagareiro, mas que dentro do lagar não entre fumo algum do fogo que a aquenta; porque o fumo e a ferrugem bastam para alterar a perfeita qualidade do azeite». É por esta razão que ele aconselha que «a boca da fornalha, dentro da qual se introduz a lenha, deverá ser da parte oposta ao muro que encerra o lagar, e provida de uma boa chaminé, pela qual o fumo possa livremente sair».

Apesar de todas as recomendações e regras elaboradas(3) para uma melhor qualidade do azeite, a verdade é que, nos lagares tradicionais, como tivemos oportunidade de verifica de visu, a fornalha com a respectiva caldeira fica, salvo raras excepções, dentro da sala principal, variando a sua localização de lagar para lagar, como em breve iremos ver. No entanto, em todos eles, se a localização é variável, é pelo menos constante o facto de ficar numa zona próxima, que facilita as operações para as quais a água quente é indispensável: a prensagem e a decantação.

Antes de apresentarmos os casos mais significativos que encontrámos em diversos lagares tradicionais, vejamos o aspecto linguístico.

Pelo facto de, no conjunto dos objectos do lagar, o que sobressai é geralmente a fornalha e não a caldeira que lhe está colocada por cima, na maioria dos lagares, quando procurámos saber do que se tratava, o elemento que os informadores nomeavam primeiro era a fornalha, nome que deverá ser comum a todo o território(4). Apenas em um lagar do distrito de Coimbra o informador disse ser uma bailarina(5), termo que se aplica a um tipo específico de aparelho de aquecimento, muito diferente dos sistemas tradicionais que encontrámos nos antigos lagares de vara. Durante as várias explicações, só depois de referida com certa minúcia a fornalha e de nos ter sido indicado qual o combustível utilizado vinha a referência à caldeira.

Relativamente ao combustível, além de lenha, era utilizado em alguns lagares o próprio bagaço da azeitona. A este respeito é curiosa a informação que se lê no Regimento do lagar de Azeite(6) da cidade de Coimbra, que proíbe a utilização da baganha. Em virtude de não permitir um aquecimento suficiente da água, necessário para que «os azeites fiquem bem escouçados, e naquela perfeição que cumpre, e sempre fez», a baganha só podia ser utilizada para ajudar a acender o fogo.

A fornalha é, pois, o elemento que mais sobressai. Enquanto a caldeira se reduz a um recipiente metálico de formato cilíndrico, de dimensões relativamente reduzidas e embutido, que passa quase despercebido, a fornalha constitui, nos lagares tradicionais, uma estrutura de grandes dimensões, construída geralmente com blocos de tijolo cimentados e exteriormente rebocados. É uma estrutura formada por diversas partes: fornalha propriamente dita, onde é queimada a lenha, e tendo por baixo um depósito para a cinza; caldeira, embutida na estrutura e colocada por cima, recebendo directamente as chamas; uma chaminé para tiragem dos fumos, somente existente em alguns dos muitos lagares visitados.

Feita a apresentação genérica da fornalha com os respectivos constituintes, vejamos alguns dos casos mais característicos que tivemos a oportunidade de registar.

Fig. 4: Canelas de Cima. Fig. 45: Canelas de Cima. Fig. 46: Canelas de Baixo.

Dos lagares mais primitivos por nós visitados destacam-se os de Canelas de Cima e Canelas de Baixo, ambos no concelho de Arouca (dist. Aveiro), já anteriormente referidos nos capítulos I e II e documentados nas figuras 4, 45 e 46. De formato rectangular, com paredes feitas de blocos de pedra sobrepostos – o de canelas de Baixo – e de placas de ardósia – o de Canelas de Cima –, sem qualquer vestígio de cimento a uni-las e com telhados feitos de placas de ardósia, as fornalhas ficam a um canto do lagar.

Em Canelas de Cima (ver fig. 45 ), a fornalha está a um canto do lagar, tendo à esquerda um enorme pio rectangular de granito para a água e, à direita, a prensa da vara. Encontra-se entre a parede e a zona mais elevada, cerca de um metro acima do nível do solo, onde se efectua o enseiramento e prensagem. Por cima da fornalha, uma grande caldeira permite que a água seja tirada durante as operações de caldeamento por meio de um coco de metal. A fornalha não possui chaminé, escapando-se os fumos pelos interstícios do telhado.

No lagar de Canelas de Baixo, o sistema de aquecimento consegue ser ainda mais rudimentar que o anterior, como se pode concluir pela observação da figura 140 . Também ao canto do lagar, é uma construção muito rudimentar. Se no lagar anterior as paredes da fornalha e caldeira eram revestidas de argamassa ou cimento, aqui são apenas formadas por largas placas sobrepostas de pedra. Do mesmo modo, o fumo invade a parte superior do edifício, saindo pelas frestas do telhado.

Qualquer um dos lagares, se fosse visitado por Dalla Bella, suscitaria as suas críticas e seria seguramente utilizado como exemplo do que não se deve fazer em prol de uma melhoria da qualidade do azeite.

Ainda no mesmo distrito e concelho, o lagar de Vila Viçosa, construído com blocos sobrepostos de granito sem qualquer argamassa, apresentava o conjunto fornalha-caldeira dotado com uma chaminé de tijolo de secção quadrada, que se erguia encostada ao canto das paredes.

Dos muitos lagares de vara visitados no distrito de Coimbra, vamos analisar apenas seis(7), um dos quais só pudemos conhecer indirectamente, quer através de fotografias cujos negativos nos foram cedidos, quer das palavras do informador que nele trabalhou. Trata-se do lagar das Carvalhosas, na freguesia de Torres do Mondego, lagar que, no dia 6 de Agosto de 1969, procurámos em vão.

Nesse dia, munidos de gravador portátil de cassete, pasta, tripé, máquina fotográfica e duas fotografias obtidas a partir de negativos cedidos pelo senhor Carlos Alberto Barbas, delegado da então Junta nacional do Azeite, deslocámo-nos ao lugar das Carvalhosas, pequena povoação a cerca de três quilómetros de Coimbra, mesmo em frente à povoação de Torres do Mondego, na margem esquerda do rio. A penosa deslocação para esta aldeia teve de ser feita a pé, pelas catorze horas, com todo o material a tiracolo e debaixo de um sol escaldante.

Logo à entrada da povoação, duas mulheres informaram-nos que o lagar há muito tinha sido desmantelado e transformado, mas que, apesar disso, ainda podíamos falar com o senhor Vieira, que lá trabalhara durante muitos e bons anos e que nos poderia descrevê-lo e explicar o que pretendíamos.

Foi em casa do informador, sentados na semi-escuridão de uma fresca cozinha, que mostrámos as duas fotografias que possuíamos do lagar. Causaram uma certa comoção no senhor Manuel Vieira, mas tiveram o condão de lhe avivar memórias de um passado já um tanto remoto.

 

Figura 150: Reconstituição da planta do lagar das Carvalhosas, P. 286, freg. Torres do Mondego, conc. Coimbra (ver nota 8)

  Figura 151: Aspecto da vara e fornalha do lagar das Carvalhosas, P. 286, freg. Torres do Mondego, conc. e dist. Coimbra (negativo cedido por Carlos A. Barbas).

No seu tempo de laboração, o lagar das Carvalhosas(8) era um dos melhores de vara existentes na região. Era uma sala ampla rectangular (ver figura 150), de chão cimentado e paredes altas, bem rebocadas e caiadas. A um dos cantos, um enorme moinho de três galgas, com as paredes do vaso rodeadas de um largo passeio para o boieiro, moía de cada vez uma grande quantidade de azeitona, graças à força paciente de um único boi. Na metade oposta, a zona de enseiramento e prensagem, onde existia uma única vara, cujo peso encaixava numa concavidade circular do chão. A meio da vara, três degraus permitiam o acesso à plataforma de enseiramento. Junto delas e amparando a vara, as alçapremas (‘duas barras verticais de madeira’) separavam o alguerbe da tarefa. Encostada à tarefa, erguia-se a estrutura em alvenaria constituída pela fornalha e caldeira (ver fig. 151), dotada de uma larga chaminé, cuja tiragem, segundo o informador, era perfeita, impedindo que fumos nefastos se espalhassem pelo edifício.

A conversa com o senhor Manuel Vieira prolongou-se por umas duas horas bem puxadas, durante as quais falámos pormenorizadamente de todos os aparelhos do lagar, das actividades aí desenvolvidas e também, como complemento, da apanha da azeitona e costumes locais. E foi ao fim de uma tarde que regressámos, descendo por uma quelha bastante íngreme. Atravessámos a vau o Mondego, cuja água nos dava quase pela barriga. E foi com as calças ainda húmidas, que o forte calor de Agosto ainda não tinha tido tempo de enxugar completamente, que, nas Torres do Mondego, apanhámos a camioneta de regresso a Coimbra.

Os cinco restantes lagares, que intencionalmente separámos do das Carvalhosas, distinguem-se deste não só pela qualidade do edifício, mas sobretudo pelo facto de possuírem duas prensas de vara. Tirando estas diferenças, o plano é idêntico ao que apresentámos na figura 150. Se colocarmos uma prensa de vara por cima da tarefa da direita, identificada com o nº 4, obteremos rigorosamente o plano dos lagares, salvaguardadas as eventuais diferenças relativas às áreas dos edifícios.

 

Fig. 132: Lagar do Pereiro, P. 262, freg. Souselas, conc. Coimbra. De cada lado da fornalha, as duas tarefas, entre a zona de enseiramento e o fuso da vara.

 

Fig. 152: Aspecto do lagar de Varrelas, freg. Carvalho, conc. Penacova., dist. Coimbra. Ao centro, entre as tarefas, a fornalha, dotada de uma chaminé.

Nos cinco lagares de duas varas, a fornalha, com uma altura quase igual à que vai desde o solo ao nível da zona de enseiramento, fica situada entre as duas tarefas, que ficam por baixo das varas, entre as zonas de enseiramento e os fusos, como se documenta na figura 132 (pág. 298) e 152. À excepção dos lagares de Varrelas (fig. 152) e da Mata (fig. 74, pág. 172), não existe chaminé, pelo que o fumo da fornalha invade a parte superior dos edifícios, saindo para o exterior pelos interstícios dos telhados, dado que não existe um forro que isole a sala de laboração e impeça a fuga do calor, tão importante para uma boa extracção do azeite. Em todos os lagares, facto que é bem visível nas imagens que apresentamos, estão uma vez mais plenamente contrariados os conselhos de Dalla Bella. Em vez da boca da fornalha estar na «parte oposta ao muro que encerra o lagar e provida duma boa chaminé», encontra-se em pleno centro da sala onde é extraído o azeite e muito perto dele, entre as duas tarefas onde se processa a decantação e depuração.

No distrito da Guarda, região onde o granito e a oliveira são elementos frequentes da paisagem, as fornalhas que encontrámos, em alguns lagares mais antigos, eram feitas de grandes blocos de pedra sobrepostos.

 

 
  Fig. 153: Aspecto do que resta do moinho e fornalha do lagar de Santo António, P. 207, freg. S. Pedro, conc. Celorico da Beira, dist. Guarda.  

No arruinado lagar de varas de Santo António,  P. 207, a fornalha ficava encostada à parede, ao lado do moinho de uma galga, accionado por meio de uma roda de água. De secção aproximadamente quadrada, era constituída por três paredes formadas de blocos de granito, encostadas à parede do edifício, e tinha uma ampla abertura rectangular, por onde era introduzida a lenha. Na parte superior ficava embutida a caldeira, onde era aquecida a água para «escaldear» o azeite.

Fornalha parecida com a do lagar de Santo António encontrámo-la no lagar de prensas hidráulicas de Vilhagre, P. 211 (freg. Vide-entre-Vinhas), no mesmo concelho. Mas neste a fornalha, de maiores dimensões, tinha sido construída com enormes blocos graníticos cimentados. A fornalha propriamente dita ficava a cerca de um metro de altura do solo, tendo por baixo uma zona onde caíam as cinzas e brasas pequenas, que eram retiradas para o exterior por meio de uma espécie de rodo de ferro. Com elas eram aquecidas, junto à fornalha, grandes panelas esféricas de três pés, para preparação das refeições. Ao contrário de Santo António, a fornalha estava dotada com uma chaminé para libertação dos fumos. É muito provável que a fornalha do arruinado lagar de Santo António também possuísse uma chaminé. Todavia, quando o visitámos, o seu estado de ruína ia já bastante avançado. Há muito tempo sem telhado, apenas os elementos mais resistentes continuavam a fazer frente à fúria destruidora das chuvas e do tempo(9).

Fornalhas de secção quadrada, com cerca de um metro de altura e também construídas de granito, foram por nós encontradas em lagares do distrito do Porto, em Cadeado, no concelho de Baião, e em Fundo de Vila, P. 57, no distrito de Amarante. No lagar de Cadeado, a fornalha está encostada à zona de enseiramento, ficando o seu topo com a caldeira coberta por uma tampa circular de madeira alguns centímetros acima do nível da zona de enseiramento, tal como se pode observar na figura 143 . À semelhança de outros lagares tradicionais, não possui chaminé. No lagar de Fundo de Vila, a fornalha com a respectiva caldeira ocupa o centro do lagar, situando-se entre o moinho e a zona de enseiramento. Dela é visível parte na figura 57 .

 

Figura 143: Lagar de Cadeado   Figura 57: Lagar de Fundo de Vila

Terminamos este aspecto do nosso trabalho com uma breve referência a um dos sistemas de aquecimento de água, que encontrámos em lagares de prensas hidráulicas.

Apresentamos unicamente, como exemplo, o caso do lagar de cerejais, P. 90, no concelho de Alfândega da Fé, distrito de Bragança. Aqui, a fornalha e caldeira para aquecimento da água são constituídos por um cilindro metálico com um diâmetro ligeiramente inferior a um metro. Na parte inferior fica a secção de aquecimento, formada pela zona onde arde a lenha, por cima, e o cinzeiro, por baixo. Sobre esta parte, está o reservatório cilíndrico da caldeira, constituindo com a zona de combustível um coluna cilíndrica que se ergue a uma altura razoável. A tiragem do fumo faz-se por um cano metálico de reduzido diâmetro, situado na parte posterior do aparelho. O facto de todo o conjunto fornalha-caldeira ser metálico permite que o calor irradiado pelas paredes aqueça o ambiente do lagar, tornando a temperatura interior amena e favorável à extracção do azeite.

 

_________________________________

(1) ANTÓNIO DO CASAL, Como eu faço o azeite, in: “Congresso de Leitaria, Olivicultura e Industria do azeite em 1905”, Lisboa, (Real Associação Central de Agricultura Portuguesa), 1906, vol. II, pág. 668:«Depreende-se que o bom êxito da espremedura não depende somente do aparelho de moer – há um indispensável que eu adquiri ao acender as fornalhas para aquecer a oficina: é o calor – são os 16 graus de temperatura constante.»

(2)De JOÃO ANTÓNIO DALLA BELLA, Memórias e observações sobre o modo de aperfeiçoar a manufactura do azeite de oliveira em Portugal, remetidas à Academia Real das Ciências pelo seu sócio Dr. …, Lisboa, 1784, parte III, págs. 95-96, reproduzimos dois excertos importantes:

Regra XVIII. /pág. 95/

            CX. Como para se fazer o azeite da terceira espremedura deve concorrer o uso da água quente, e como outras vezes no Lagar é necessária água fervendo, assim a caldeira deve ser colocada nele de tal sorte, que seja cómoda ao Lagareiro, mas que dentro do Lagar não entre fumo algum do fogo que a aquenta: porque o fumo, e a ferrugem bastam para alterar a perfeita qualidade do azeite [nota suprimida]. Por esta razão, quando de noite se fabrica no Lagar o azeite fino, deve-se também ter a cautela de não usar nas candeias de qualidade alguma de azeite que tenha mau cheiro, e possa produzir fumo [nota suprimida]; e por isso seria coisa mais segura reservar para a noite a operação do azeite que se tira com a terceira espremedura. Pelo que será proibido também a quem quer que seja o fumar tabaco no lagar, como rigorosamente e com razão observam os Genoveses.

Regra XIX /págs. 95-96

            (…) Não há dúvida, que quando se prevê um frio, por cuja causa o azeite possa congelar-se, deve-se conservar no Lagar um ar temperado: mas isto pode-se fazer por meio de uma estufa posta dentro dele, o que se pode executar facilmente com muito pouca despesa. A mesma fornalha, que serve para aquentar a água, pode servir de estufa, fazendo que o corpo da mesma fornalha, que sustenta a caldeira, esteja dentro do Lagar, e que dela se conduzam alguns canais feitos de folha de ferro, os quais se distribuam pelo Lagar, quando este for grande, para conduzir o calor. A boca pois da fornalha, dentro da qual se introduz a lenha, deverá ser da parte oposta ao muro que encerra o Lagar, e provida de uma boa chaminé, pela qual o fumo possa livremente sair. Este é o meio mais seguro para se livrar das alterações, que seguramente sucederiam no azeite fino [nota suprimida] com a introdução do fumo: o qual meio, com pouca diferença foi aconselhado já por Paládio [nota suprimida] nos seus tempos.

(3) Além dos livros técnicos, que recomendam que a fornalha fique fora da sala principal, conselhos idênticos encontram-se, inclusive, no princípio do século XX, em dicionários práticos. Por exemplo, no Dicionário Universal da vida prática na cidade e no campo, editado no Porto nos princípios do século XX, lê-se, no volume II, página 255, 1ª coluna: «Aconselha ainda o sr. Lapa que se estabeleça fora a fornalha destinada ao aquecimento da água para escaldar as pastas provenientes da espremedura, porque, diz o ilustre mestre, o fumo da fornalha, e até os produtos de combustão dos candeeiros do lagar, comunicam ao azeite sabor e cheiro detestáveis.»

(4) – Registámos o vocábulo fornalha em diversos lagares visitados: dist. Aveiro, P. 116, 117; Braga, P. 32; Bragança, P. 90, 100, e ainda Chacim (conc. Macedo de Cavaleiros); Coimbra, P. 288, 302, 304; Guarda, P. 212, 226; Porto, em cadeado (conc. Santa Maria do Zêzere); Vila Real, P. 76.

(5) Registámos o vocábulo bailarina apenas num lagar do distrito de Coimbra, P. 257. Era um aparelho metálico, constituído por uma fornalha para a lenha e um depósito de água por cima. O fumo saía por uma chaminé cilíndrica de metal com reduzido diâmetro. As cinzas ficavam acumuladas numa zona por baixo da fornalha.

(6)Regimento do Lagar de Azeite, Que toda a pessoa, que tem Lagar é obrigatório a ter na mão do mestre que nele estiver, de 21 de Maio de 1551, assinado e selado aos 12 de (ilegível) de 1792, pág. 9, parágrafo 33. Pelo seu interesse, transcreve-se em português actual todo o parágrafo referido:
«33 E porque ao tempo, que os Cidadãos, e povo proveram este Regimento, acharam, que os senhorios dos Lagares depois de dada a sentença, e postura atrás, se lançavam por se escusar à despesa da lenha, a fazerem o fogo com as baganhas, o qual fogo não era tão forte, para que as águas fervessem, e tomasse aquela quentura, que cumpre, e é necessário para os azeites poderem ser bem escouçados, e naquela perfeição, que cumpre, e se sempre fez, por sempre as águas se aquentarem com lenha, e não com baganha; e por tanto acordaram, que daqui em diante em nenhum Lagar de azeite, aquentem as águas para as caldas, que se dão aos ditos azeites, senão com lenha, e não com baganha, assim, e de maneira, e como sempre fazia quando os donos dos azeites davam a lenha , e somente poderão acender o fogo com a dita baganha como assim mesmo sucedia de fazer, porém os ditos senhorios haverão metade das ditas baganhas como atrás faz menção o povo, e os donos dos azeites a outra metade; o que assim cumprirão os mestres, e mancebos dos ditos Lagares; sob pena de duzentos reis por cada vez, que se provar, que fazem o contrário, o que tudo é conforme a dita sentença, e determinação entre os senhorios dos lagares e a Cidade, e por tanto mandarão, que isto se cumpra, e guarde inteiramente como em este acordo é declarado.

(7) – Relativamente ao distrito de Coimbra, limitamos a nossa análise da fornalha e caldeira aos seis lagares a seguir indicados: Dianteiro, P. 256, Remungão, P. 261, Pereiro, P. 262, Carvalhosas, P. 286, Mata, P. 297, e ainda Varrelas, no concelho de Penacova.

(8) – Constituintes do lagar das Carvalhosas, de acordo com a planta da figura 150: 1-moinho tocado sangue de três galgas com eixos assimétricos; 2-escadas de acesso à plataforma onde se faz o enseiramento; 3-prensa de vara; 4-uma das duas tarefas (a outra fica por baixo da vara); 5-conjunto formado pela fornalha, caldeira e chaminé. Não indicamos na planta os acessos ao lagar, por não sabermos onde ficariam as portas.

(9) – Do arruinado lagar de Santo António é também a figura 77, reproduzida na página 180, onde se vislumbram os restos apodrecidos de uma seira, pendentes de uma das grossas varas das prensas.

 

 

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