C)
– ESCALDAR E SANGRAR AS TAREFAS: REGISTOS
Se na alínea anterior tivemos a oportunidade de evocar actividades a que
nunca antes assistíramos, posteriormente pudemos observar e fotografar
essas actividades em diversos lagares, registando em fita magnética os
diálogos com os mestres que as realizavam. Não vamos agora transcrever
todos esses diálogos. A descrição anterior é suficiente para dar a
conhecer estas duas operações. Iremos apenas registar, muito brevemente,
um ou outro caso mais significativo.
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Figura 148: Operação de sangrar as tarefas no lagar da Mata,
P. 297, freg. Vila Nova do Ceira, conc. Góis, dist. Coimbra. |
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Um dos lagares visitados que nos permitiu uma observação mais minuciosa
e um registo sequencial de todas as actividades foi o lagar da Mata, P.
297, já várias vezes referido nos capítulos anteriores. Acerca do
sangrar das tarefas, operação documentada na figura 148, passamos a
transcrever parte do diálogo travado com o mestre:
«–
Para que é esta varinha aqui [sobre o bordo da tarefa]?
– Isto? Esta bara é com qui a gente bê adonde anda o
azeite e a água. A gente chama-lh'as borras. E com isto é qu'a
gente bai, apanha aquele carocinho, porque é assim que o fulano
se tem que derigir, quando não, não sabia adonde estaba o azeite sem
nada.
– Mas para que precisam de saber a altura do azeite?
– Porque a gente não o pode medir nesta altura [isto é, quando
está ao nível do colo]. O azeite pertence ficar deste colo
p'ra cima.
– Há mais alguma coisa para baixo do colo?
– Há outra igual, pouco menos. Isto é tudo ligado, é tarefa.
– E como tiram a água da tarefa?
– É por aqui. Tem um buraco imbaixo e òpois a gente destapa, tem uma
espichas, uma espicha, e adepois é qu'a gente empurra p'a
dentro e depois a água [sai. Em seguida] solta aquilo e aquilo é
que tapa.
– Mas a espicha fica pelo lado de dentro?
– É metida aqui por dentro.
... ... ... ... ... ... ... ...
– Quanto tempo demora o azeite a separar-se da água?
– Quatro, cinco horas. É conforme.
– E fica pronto a ser medido?
– Fica sim.
– E não misturam aqui água a ferver?
– Ah, pois, misturemos. É para o azeite ficar mais bem apaladado. Às
bezes sempre tem um paladarzinho ò berde, qu'àzeitona este ano, alguns
andam àpanhar berde e àzeitona mais ou menos o azeite, tem às bezes um
gosto ò berde. E é por causa disso, qu'a água tira-lhe muito acidez e
mesmo enxuga o baganho (...).» (Ponte da Mata, P. 297, freg.
Vila Nova do Ceira, conc. Góis, dist. Coimbra).
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Figura 149: Operação de escaldar as tarefas, no lagar de
Fornos do Pinhal, P. 78, conc. Valpaços, dist. Vila Real. |
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Nos excertos do diálogo, que intencionalmente saltámos a meio para
evitar repetições desnecessárias (vd. excerto que falta na pág. 325),
encontramos explicada a razão da necessidade de sangrar a tarefa e uma
explicação para o escaldar do azeite. Segundo o informador, além de
facilitar a depuração do azeite, a água quente permite que ele fique
mais bem apaladado, perdendo o gosto ao verde.
Outra explicação pormenorizada sobre a utilização da vareta nos lagares
com tarefas de barro foi-nos dada pelo informador do Dianteiro, P. 256,
no concelho de Coimbra. Já anteriormente transcrevemos parte do diálogo
aqui travado, quando vimos a explicação sobre a maneira como ele
desviava o azeite e as águas que escorriam das seiras para uma ou outra
das duas tarefas de barro (vd. págs. 329 a 331). Agora, para terminarmos
este capítulo, vamos transcrever outro excerto onde nos é explicada a
maneira como o mestre sangra a tarefa, explicação que vem reforçar a que
ouvimos no lagar de
Souselas.
Intencionalmente, a transcrição inicia-se na parte final da explicação
dada pelo mestre sobre a maneira como são caldeadas as seiras:
«(...)
É precisamente qu'i a gente põe águ'à freber p'ra depois a
águ'à freber escald'àquilo tudo, puxa, as olhas pegam log'a cair
aqui no alguerbi para ir p'à talha. E depois da talha, 'stá
o mestre im cima c'uma piquena vareta a desconhecer a água do
azeiti, porque dá um sinal.
– Não fica misturada a água com o azeite?
– A água fica com azeite. O que é, água é mais pesada, bai pó fundo.
E o azeite é mais lebe, fica por cima.
– Separa-se?
– Justamente. Inquié a gente conhece c'um a bareta, porque adonde
for, a gente peg'àssim na bareta, a procurar. Adonde for azeiti, é mais
lebi e q'ando chegamos abaixo à água a bareta prende. É ness'altura que
a gente conhece onde é qu'está a água. Depois, há aqui im baixo um
torno, o senhor está a ber aqui? O tipo está aqui assim, o mestre
agarra nesta bareta, peg'assim, peg'à cair. E [o mestre começa a
fazer um movimento com a vara, em cruz] a gente pegamos assim. De
maneira que isto aqui é muito mais largo do qu'é p'ra baixo, porqu'isto
p'ra baixo bai instreitar. É um cântaro, é um funile. Depois a gente
peg'à prucurare. Se aqui a gente, o azeite instando isto cheio aqui, é
claro, nós temos ter um meio de basar. Porque se nós...
– Tirar-lhe a água?
– Pois, mas s'a gente, porqu'acolá cuntinua sempr'a correr. E isto
enche. P'r'ond'é qu'à dir? A gente tem aqui baixo um torno,
aqui...
– Um torno?!
– Pois, aqui um buraco e tem aqui um torno; e a gente bai, impurra
p'ar dentro o buraco, o torno, e a água sai e caminha por a
ribeir'àbaixo. Tá compreender?
– Isso tem outra talha?
– Não senh... pois, tem uma talha, por baixo desta tem outra, mas,
mas isso não chega... isto aqui não é a base, isto aqui, isto aqui é
só... o que interessa ò senhor é preguntar o meio de vasar, num é?
– Como é que fazem, então? está o mestre aí?
– Não, o mestre 'stá aqui im cima. E o mancebo qu'está,
que é criado, chama-se criado [está em baixo, acocorado,
como se
documenta na figura 148]... O que é mestre está sempre assim aqui im
cim'à procurar... Bai procurando e bai bendo. Isto bai abatendo, bai
arriando porqu'istá aqui a sangrar. Está um aqui àbrir as goelas
a isto e a águ'à sair pru baixo, porqu'a água está no fundo do azeite e
o azeite 'stá por cima. E o mestre, qu'é mestre, chama-se mestre,
'stá continuando assim [a cortar o azeite com a vareta] a
procurar. Im vendo qu'está lá munto p'ra baixo, já a chegar, porque s'a
gente deixa ir o azeite p'r'àli [para baixo do colo da tarefa]
bai-s'imbora e a gente nunca mais o bê. Bai junto c'ua água. E é preciso
o mestre ter uma prática do qu'está a fazer. Conhecer a água do azeiti.
E p'ra isso mesmo como o mestre conhece o qu'está a fazeri, está a
mandar um que num sabe, que tem prática ali a empurrar o rolho e
tapari e puxari e tal, isso qualquer um. Agora o qu'está aqui im cima é
que tem o segredo, porque se deixa ir p'ra baixo munto pó sito, cumbém
sempre deixar a talha, eu não sou mestre, mas no meu azeite ninguém cá
mexi. (...)» (Dianteiro, P. 256, freg. Torres do Mondego, conc. e
dist. Coimbra). |