Acesso à hierarquia superior.

Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

IX

OUTROS ELEMENTOS DO LAGAR

 

OS QUARTOS PARA OS MESTRES

Durante cerca de um ano visitámos um elevado número de lagares em vários distritos da metade norte de Portugal. Compulsámos, lemos e seleccionámos uma grande quantidade de bibliografia relacionada com o tema que nos interessava. Nunca tivemos a oportunidade de encontrar qualquer referência a espaços reservados para descanso dos mestres e restantes empregados do lagar. Todavia, encontrámos uma construção peculiar, em madeira, destinada ao descanso dos trabalhadores, em três lagares tradicionais do distrito de Coimbra: dois no concelho de Penacova, em Ribeira (freg. S. Paio) e Varrelas (freg. Carvalho); um no concelho de Coimbra, em Pereiro, P. 262 (freg. Souselas).

 

 
 

Figura 155: Aspecto geral do lagar de Pereiro, P. 262. À direita, o moinho; em segundo plano, os fusos das prensas; a seguir, a fornalha, tendo de cada lado uma tarefa; ao fundo, encostada ao canto da parede, a zona de descanso dos empregados.

 

No lagar de Pereiro, do qual apresentamos uma panorâmica geral obtida a partir do largo portão de entrada, reproduzida na figura 155 , a zona de descanso do pessoal é formada por uma rudimentar plataforma de madeira, encostada à parede, ocupando o espaço entre as agulheiras ou sacos da vara da esquerda e o telhado. Por meio de uma escada de madeira é possível aceder à plataforma de secção rectangular, onde dois ou três homens podem dormir. Um frágil «corrimão» de madeira fixo aos lados da plataforma funciona como precária protecção, evitando quedas acidentais. Trata-se, pois, de uma tosca construção sem qualquer comodidade e isolamento, na qual os seus utilizadores ficarão expostos aos olhares indiscretos e às correntes de ar que se farão sentir através das telhas, uma vez que o recinto de laboração do lagar não está protegido por um forro.

 

 
 

Figura 156: Quarto para descanso dos empregados do lagar de Varrelas, freg. Cavalho, conc. Penacova, dist. Coimbra.

 

Maior conforto e isolamento é proporcionado aos mestres e ajudantes nos lagares de Ribeira e Varrelas. Nestes, os quartos são construções de madeira mais bem elaboradas e onde se pode descansar ou dormir longe de olhares indiscretos.    No lagar de Varrelas, o quarto, documentado na figura 156, fica situado a um canto da oficina. Está assente sobre uma viga de madeira, tendo uma extremidade encaixada na parede e a outra apoiada sobre um pilar de cimento de secção quadrada. O quarto ocupa uma área rectangular com três metros de comprimento por 2,4 de largura, ou seja, possui uma área de 7,2 metros quadrados. As paredes são formadas por ripas verticais de madeira com frestas de 2 a 3 centímetros que, embora encubram completamente o interior, permitem que possa ser visto o que se passa no exterior. Para maior conforto dos utilizadores, além de uma porta, visível ao cimo da escada, a parte inferior das paredes de ripas é coberta com tábuas dispostas horizontalmente, resguardando quem esteja deitado de eventuais correntes de ar. Deste modo, os homens estão protegidos enquanto dormem, havendo ao mesmo tempo ventilação. Como o quarto fica a uma razoável altura, ocupando aproximadamente a metade superior da parede do lagar, o acesso é feito por uma escada de madeira solidamente construída e da mesma largura da porta. Por baixo, ficam as tulhas do lagar, constituídas por caixas rectangulares com paredes de madeira.

 

 
 

Figura 157: Quarto para descanso dos empregados do lagar da Ribeira, freg. S. Paio, conc. Penacova, dist. Coimbra.

 

No lagar da Ribeira, antigo lagar com moinho hidráulico de duas galgas, três prensas de vara e cinco tarefas, o quarto de madeira, documentado na figura 157, fica também encostado a um canto da sala única, por cima do moinho. Com um formato rectangular, tem um comprimento de cerca de 3 metros por 2 de largura, estando dividido em duas partes: a primeira, junto às escadas de acesso encostadas à parede, é inteiramente aberta, sendo protegida por um resguardo formado por duas barras de madeiras pregadas em quatro suportes do mesmo material; a segunda, completamente fechada, possui uma área de cerca de 3 metros quadrados e constitui o quarto propriamente dito, onde descansam os empregados. A viga que sustém o estrado serve também como suporte ao eixo da árvore da dobadoira(10).

 

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(10) – Os diferentes elementos representados na figura 157 foram por nós rigorosamente medidos. Como complemento, fornecemos todas as dimensões obtidas. A plataforma total onde se encontra o quarto, que cobre toda a zona do moinho, tem as dimensões de 3 metros por 2, ou seja, uma área de 6 metros quadrados, o que significa que cada uma das zonas – aberta e fechada – apresenta 3 metros quadrados. A dobadoira, roda horizontal de madeira por cima do moinho, tem um raio de 1,35 m. O moinho tem um raio interior de 1 metro e um raio exterior de 1,26 m, donde resulta que o bordo apresenta uma largura de 26 centímetros. De fundura, desde o bordo à base, mede 83 cm, sendo as paredes internas oblíquas. As galgas têm uma largura de 29 cm e um diâmetro de 80 cm. A árvore que suporta a dobadoira tem uma secção quadrada de 25 cm de lado. A entrosga, roda vertical de madeira, ao lado da parede e que transmite o movimento da roda de água à dobadoira tem um raio de 76 cm. Cada dente (entrosga e dobadoira) tem um comprimento de 20 cm por 8 de largura. O eixo da entrosga assenta sobre umas chumaceiras de madeira de grande espessura, apoiadas sobre duas vigas de comprimento ligeiramente superior ao diâmetro da roda. A roda de balanço, nome dado no local à roda da água, situada no exterior e feita inteiramente de madeira, tem um raio de 1,73 m e 50 cm de largura, sendo a altura dos cubos de 20 cm. Ao canto do lagar, por baixo do quarto, encontra-se uma entrosga suplementar, possivelmente para funcionar como peça de substituição.

 

 

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