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Isto
de tradições e...
São Martinho
Henrique J. C. de Oliveira |
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Os
restantes provérbios à volta do vinho constituem uma
espécie de convite à sua prova. Constituem uma
colecção de variantes em que a ideia é rigorosamente
a mesma, apenas variando a expressão circunstancial de
tempo, que ora explicita, ora omite a palavra dia: «No
dia de...», «No São Martinho...», «Em São
Martinho...» ou «Pelo São Martinho...».
A
variante mais simples refere apenas a prova do vinho:
«Pelo São Martinho, prova o teu vinho». Outras são
mais explícitas, referindo-se ao local da prova: «No
dia de São Martinho, vai à adega e prova o (teu)
vinho.» Outra variante deixa-nos intrigados, porque nos
diz que «No dia de São Martinho, fecha a adega e prova
o teu vinho». Fechar a adega para quê? Para poder
ficar mais à vontade, sem o perigo de alguém entrar e
o apanhar com uma valente piela, podendo assim
«entornar-se» sem impedimentos até que caia para o
lado? E se isto se tornar num hábito, nem será
necessário esperar tanto tempo para acontecer o que diz
o provérbio seguinte: «Pelo São Martinho, prova o teu
vinho; ao cabo de um ano, já te não faz dano».
O
grupo seguinte, constituído por 7 variantes, tem a
característica de aliar a pinga ao prazer dos magustos.
É altura de ir aos soitos, é altura de apanhar as
castanhas. E junto ao lume, se estamos em terras frias,
não há como um delicioso magusto na companhia dos
amigos. Se alguns provérbios se restringem às regiões
onde há castanheiros, outros abrangem qualquer região
do país, porque por alturas de Novembro, em qualquer
local de Portugal se encontram as castanhas. Até mesmo
nas grandes cidades ainda se podem encontrar os
vendedores de castanhas assadas e aquecer os dedos com
as deliciosas «quentes e boas», acabadinhas de sair do
assador.
O
primeiro provérbio do grupo diz-nos apenas: «Pelo São
Martinho, larga o soitinho». O que é que ele nos quer
dizer? A quem é que se destinará? Certamente que será
dirigido àqueles que possuem soitos e têm ainda o
hábito de apanhar as castanhas. Mas nada mais diz do
que largar o soito, ou seja, interromper o trabalho. E
para quê? Porque já chega de andar curvado a apanhar
as castanhas e a britar os ouriços? Talvez o provérbio
seguinte seja o desenvolvimento deste, porque é muito
mais explícito. Diz-nos ele que «Pelo São Martinho,
prova o teu vinho, larga o soito e mata o porquinho».
Quer isto dizer que começa a chegar o fim do período
da castanha e a aproximar-se a altura da matança?
Talvez! E talvez que devemos passar, também nós, à
análise dos outros verbetes? Sem dúvida que sim, mas
não sem antes aqui referirmos outras variantes, que nos
chamam a atenção para uma prática social bastante
agradável.
Estas
duas variantes são o mesmo provérbio: «Dia de São
Martinho, castanhas e vinho»; «Dia de São Martinho,
comem-se as castanhas e bebe-se o vinho». Com a segunda
versão, não há o perigo de beber as castanhas e comer
o vinho. Como nem todos são bons entendedores e as
palavras são baratas, não há como ser claro e
preciso. Os três verbetes finais em que se faz
referência às castanhas não são mais do que duas
variantes do mesmo provérbio. E dizem-nos: «No São
Martinho, lume, castanhas e vinho»; «Em São Martinho,
vai à adega, prova o teu vinho e faz um magustinho».
O
último grupo de verbetes, com 10 variantes,
caracteriza-se por efectuar uma referência a um costume
bem português, a uma actividade tradicional em que, com
a ajuda de amigos e vizinhos, se procede à matança do
porco. Sacrifica-se o animal no altar para gáudio dos
presentes, porque é dia de convívio e de umas boas
febras, além de que se enchem as arcas com a carne do
porquito e se obtêm os produtos necessários para a
constituição do fumeiro. Sem o sacrifício do animal
não se podem fazer as boas chouriças, as escuras
morcelas e as loiras farinheiras. E com o largo período
de frio e mau tempo, que impede o trabalho nos campos,
as lareiras ficam acesas dias a fio. Não há como
passar uns bons serões à lareira, com os enchidos
pendentes do tecto e, de vez em quando, na companhia dos
amigos, colocar umas chouriças a assar na grelha, ou
mesmo enfiadas entre as brasas, depois de
convenientemente embrulhadas numas folhas de couve ou,
na falta delas, em folhas de alumínio. E como também
há castanhas, é um convívio completo: castanhas,
enchidos e uma boa pinga ou jeropiga a acompanhar.
Passemos
aos provérbios, antes que comecemos a fazer
concorrência ao cão de Pavlov e fiquemos com água na
boca.
Subdividimos
os 10 verbetes em que se refere a matança em quatro
grupos. O primeiro, com quatro variantes, limita-se
apenas a dizer-nos: «Por São Martinho, mata o teu
porco e prova o teu vinho». Apenas muda a introdução
ao complemento circunstancial de tempo ou, então,
substitui-se o verbo beber por provar. Não é que beber
e provar seja bem a mesma coisa, mas... Apenas uma
variante amplifica a ideia, na medida em que nos diz:
«Em São Martinho, tapa o teu portalzinho, ceva o teu
porquinho e fura o pipinho». Estamos na presença de um
provérbio constituído por quatro segmentos frásicos,
que dariam uma quadra monórrima perfeita se a métrica
estivesse exacta. E esta nossa suposição não deixa de
ter a sua lógica, porque é possível obter uma quadra
em redondilha menor, sem grandes exercícios de
transformação: «Pelo São Martinho // Tapa o
portalzinho // Ceva o teu porquinho // E fura o pipinho.»
O
único problema na análise do provérbio reside, quanto
a nós, no portalzinho. A que se referirá este «portalzinho»?
Será ao portal com que se tapa o «aido», isto é, o
curral (1) dos porcos? Talvez! Porque é fechando o portal e
correndo a trabinca de madeira que se impede que o bicho
fuja ao suplício da faca no momento da matança. E esta
suposição não deixa de ter lógica, porque, das
poucas vezes em que assistimos a este ritual
«bárbaro», constatámos que, ainda no aido, já o
animal estava aos berros, grunhindo desesperadamente,
como que pressentindo o triste e doloroso fim que lhe
estava destinado, para gáudio da gula dos seus algozes.
Os
três verbetes seguintes fazem referência à matança,
mas convida-nos depois ao magusto junto do lume e com um
bom vinho para acompanhar. Como as três variantes dizem
praticamente o mesmo, transcrevemos apenas a versão
mais explícita, que nos diz: «No dia de São Martinho,
mata o porquinho, chega-te ao lume, assa castanhas e
bebe o teu vinho».
E
terminamos a nossa análise dos provérbios em torno de
São Martinho com dois que não vamos comentar. São
dois provérbios antagónicos, que espelham talvez a
maneira de ser de quem os proferiu: «Pelo São
Martinho, mata o porquinho, prova o teu vinho e não te
esqueças do teu vizinho.» - «No dia de São Martinho,
mata o porquinho, abre o pipinho, põe-te mal com o
vizinho.»
Henrique
J. C. de Oliveira
____________________ (1)
- Embora o termo mais generalizado em todo o País para
o local onde se encontram os porcos seja «pocilga», e
não a palavra curral que aqui empregámos, em algumas
regiões nortenhas tivemos oportunidade de ouvir e
registar a palavra «aido».
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