BOLETIM   CULTURAL   E   RECREATIVO   DO   S.E.U.C.  -   J.  ESTÊVÃO


PÁGINA 1
Editorial
Alcino Carvalho
PÁGINA 2
Um presépio humano
Bartolomeu Conde
PÁGINA 3
Contos tradicionais portugueses
PÁGINA 4
A reforma do
SEUC
João Paulo
PÁGINA 5
Isto de Tradi-
ções e...
Henrique Oliveira
PÁGINA 6
Cenários de
Violência
Isabel Bernardino
PÁGINA 7
Plantas carní-
voras
João Paulo
PÁGINA 8
Receitas para
o fígado

H.J.C.O.
PÁGINA 9
Sebastião da
Gama
Paula Tribuzi
PÁGINA 10
Aveiro, de vila
a cidade
Claudete Albino
PÁGINA 11
Hora do
Recreio
PÁGINA 12
Fac-símile da 1ª página
 

Receitas para o fígado II
                                                                              Henrique J. C. de Oliveira

Quando, no número anterior do “Alternativas”, incluímos esta rubrica, houve quem considerasse as histórias que respigámos dos nossos registos antigos como... 

Não vamos aqui repetir os comentários, mas antes as observações pessoais que anotámos. 

Omitidos os qualificativos, alguns no estilo de «brejeirice», «histórias maliciosas» e alguns outros, a verdade é que esses qualificativos foram rapidamente relegados para segundo plano.

E aqueles que mais «chocados» pareciam ter ficado, se é que chegou a haver «choque», foram também os que mais alargaram as comissuras labiais, repartindo com vizinhos e amigos o momentâneo prazer decorrente da leitura. E com esta tiveram uma atitude positiva, cujo saldo acabou por anular com grande margem os ditos e comentários, na medida em que contribuíram para o bem-estar de outros.

Como dizia um dos maiores apreciadores do humor e da boa pedagogia subjacente a uma obra que aparentemente tinha como objectivo distrair os leitores, «rir é próprio do homem». E o rir, desde que não alarvemente e denotante de uma certa insanidade mental, é uma atitude saudável, bem mais agradável que o chorar, apesar desta última poder também assumir uma função importante na «psique» humana, na medida em que uma dor chorada é uma dor aliviada.

Já agora, porque empregámos uma frase que não é nossa, mas que apropriámos e consideramos como rigorosamente certa, convém lembrar aquele que primeiro a proferiu e que é uma ilustríssima figura da literatura europeia. Estamos a referir-nos a um padre francês que, além de tratar das almas dos paroquianos, procurava também distraí-los e ensiná-los, desde que tivessem o cuidado de fazer como os cães, que um sábio da antiga Grécia considerava como o mais filósofo dos animais. E sabemos que o cão era considerado o mais filósofo dos animais graças a Rabelais, porque é deste célebre escritor que estamos a falar. Na introdução daquela obra extraordinária que dá pelo nome de «Gargântua e Pantagruel», aludindo à sua gigantesca criação, onde o humor e, por vezes, sequências de palavras que as senhoras de bem corariam se tivessem de as pronunciar, Rabelais diz-nos que rir é a atitude mais saudável que o Homem pode assumir. E, por isso, na sua gigantesca obra, as pessoas não devem coibir-se de rir, sempre que as situações disso sejam dignas. Mas acrescenta que a sua obra é muito mais do que isso. Acrescenta que o leitor não deverá ficar-se pelo riso e pelo divertido das situações que nos narra. Ele deverá também fazer umas pausas e seguir o exemplo dos cães, quando têm a felicidade de agarrar um suculento osso. E chama-nos a atenção para o sábio e paciente comportamento deste animal. O que é que ele faz quando encontra um bom osso, que não seja excessivamente duro de roer? Agarra-o na boca. Procura um lugar onde possa estar sossegado e não seja incomodado por outro que lhe cobice o osso. Parte o osso em bocados, utilizando a paciência e a força das suas poderosas mandíbulas. E, pacientemente, procura extrair-lhe a substantífica moela, que é como quem diz o tutano.

Quando lemos as aventuras, por vezes grosseiras e obscenas, mas bastante hilariantes, daquela família de gigantes, especialmente de Gargântua, não nos devemos ficar pelo riso, mas antes deveremos procurar extrair os ensinamentos subjacentes à obra. E eles são muitos, inclusive de índole pedagógica. Além de criticar pelo ridículo e absurdo o ensino universitário da época, antecipa-nos, em muito no tempo, os ensinamentos divulgados por Rousseau, especialmente no Emílio. E as teorias pedagógicas presentes nestas obras continuam a manter-se válidas no nosso tempo, apesar de todas as inovações tecnológicas de que o ensino actual pode dispor como instrumentos de aprendizagem.

Uma das melhores formas de aumentarmos os nossos conhecimentos reside na observação directa dos próprios factos, na sua reflexão ponderada e também na experiência reflectida dos muitos ensinamentos que a própria vida nos vai fazendo adquirir. E é precisamente isto que o protagonista é levado a fazer. Viaja pelo mundo e adquire conhecimentos pelo contacto directo com a realidade. É uma viagem que, no fundo, não passa de uma visita de estudo de longa duração.

Se a boa disposição e a vida no-lo permitirem, falaremos um pouco mais alargadamente acerca disto num próximo número do “Alternativas”. E na companhia do próprio Rabelais, procuraremos dar a conhecer um pouco da vida da gigantesca família, onde o humor e os ensinamentos se cruzam.

Mas onde é que já vamos?! Era suposto esta rubrica de «receitas para o fígado» ser um espaço de boa disposição e a continuação do número anterior. E está-nos o seu autor para aqui a arengar com umas tretas sobre pedagogia e literatura e a falar-nos de um padre francês de antanho que não temos sequer o prazer de conhecer.

Têm os leitores toda a razão. Por isso lhes pedimos que nos desculpem. E, se tiveram paciência de lerem até aqui, acabem o resto da leitura em boa disposição, porque vamos respigar mais umas histórias engraçadas dos nossos registos. Por enquanto, ainda temos muitas e boas receitas para o fígado na compilação que começámos a elaborar, in illo tempore, no tempo em que começámos a ser estudantes e numa altura em que andávamos com a veleidade de elaborar uma compilação de textos divertidos, alguns forjados por nós, outros recolhidos aqui e além e produzidos por autores anónimos, que preferiram ficar no esquecimento.

— Chiça! Este tipo nunca mais se cala. Saia lá a história e deixemo-nos de conversas. — estão vocês a pensar e com toda a razão.

Então aqui vai ela. Vai, e vai muito bem! E nem vai ela, porque, desta vez, vão elas. Vamos transcrever dois textos autênticos. Foram recolhidos há muitos anos, éramos nós ainda uma criança despreocupada e alegre, mas já em idade escolar e não desprovida do sentido de humor e do prazer de umas boas gargalhadas.

Os textos que se seguem datam da década de 1950. São textos produzidos por alunos que fizeram o exame da quarta classe em Pombal. Vão transcritos tal como nos chegaram às mãos.

A REVOLUÇÃO DE 1640

A Revolução de 1640 foi descoberta no reinado de D. Filipe III. A Revolução de 1640 foram os portugueses que a descobriram. Nós devemos respeitar a Revolução de 1640. A Revolução de 1640 durou muitos anos, porque estiveram debaixo dos Filipes. Filipe III descobriu a guerra da independência. Eu gosto muito da Revolução de 1640. A Revolução de 1640 deve-se para descobrir o Miguel de Vasconcelos que estava num armário de papeis.

 

A PÁTRIA

A Pátria é a nossa terra onde se criam os nossos pais, os galos e os nossos irmãos. A Pátria é que nos dá os nossos pais, que lá criam. A Pátria é linda e queridinha dos portugueses e dos nossos antepassados e dos nossos irmãos e nossos tios e avós. A Pátria é uma terra enorme e tem lá muitas ingrejas e capelas e tabernas e lá vivem muita gente como a Serra da Estrela. Eu não fui lá à Pátria.

 

Dissemos que eram só dois textos. Mas não resistimos à transcrição de mais um, com uma história pitoresca. É uma história engraçada, que até poderia ser aproveitada com objectivos pedagógicos. Poderia muito bem ser explorada para ensinar as regras da pontuação e o discurso directo, sem falar de outras questões linguísticas, como o problema da ortografia e da adequação dos registos de língua às situações de comunicação. Mas vamos à transcrição do texto, que se faz tarde.

 

O RATO E O SAQUISTÃO

Era uma vez um rato que costuma xatiar o saquistão um dia o saquistão disse deiche estar que eu ei-de te matar um dia em que o padre estava pronto o saquistão foi-se no boraco onde ele saiu com a canita para matar o padre disse “Omnia Bispo” e o saquistão vai assim ora porra que já me espantou o rato.

 

E por aqui ficamos por agora, com a esperança de que as receitas tenham resultado, quanto mais não seja, para quebrar a monotonia do dia e aliviar o stress.

Henrique J. C. de Oliveira


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5 Tradições e S. Martinho  -  6 Cenários de Violência  -  7 Plantas carnívoras  -  8 Receitas para o fígado
9 Sebastião da Gama  -  10 Aveiro, de vila a cidade  -  11 Hora do Recreio  -  12 Fac-símile


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