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Konrad Lorenz
deixa mensagem de optimismo
Tentando fugir aos
vícios resultantes duma herança idealista que
desvaloriza os factores naturais do homem (porque
exteriores), K. Lorenz, na obra A Agressão – uma
História Natural do Mal, vai reabilitar a dimensão
biológica do homem e demonstrar que também esta tem um
interior - os instintos - que determinam sobremaneira o
comportamento humano. |
Como esta dimensão tem
raízes profundas na hereditariedade, comungando das ideias
evolucionistas, o autor mergulha no abismo da filogénese em
busca dos alicerces da animalidade humana. O método utilizado
foi o estudo atento dos comportamentos animais e a
comparação entre essas observações e as da realidade
humana.
Assim, o título da obra
é consistentemente justificado pelo seu conteúdo. De facto,
a análise a que Konrad Lorenz submete as relações sociais
de homens e de animais desembocam nesse fenómeno - a
agressão.
Lorenz tenta demonstrar
como as pulsões agressivas estão presentes, quer nos
animais, quer nos homens, e que a sua importância é vital
para o seu desenvolvimento. A agressão foi e continua a ser
fundamental na evolução e conservação das espécies, pois,
no fundo, é ela que faz o indivíduo agir.
O autor prova ainda que
a agressão natural não é gratuita; ela serve objectivos
bastante concretos e essenciais, tais como, a defesa do
território, a continuidade biológica da espécie, a
obtenção de alimentos, entre outros.
No caso do homem, é a
agressão, na variante que o autor denominou entusiasmo
militante, que lhe permite realizar feitos civilizacionais,
isto é, criar. Pode dizer-se que o acto de criar
contém em si uma pulsão agressiva.
Contudo, se a agressão
é o motor do desenvolvimento humano, não deixa de ser
verdade que esta não se pode manifestar contínua e
indiscriminadamente. Para que o indivíduo não viva em
constante escaramuça e permanente perigo de vida a natureza
dotou-o de factores inibitórios.
Se nos ratos é o cheiro
característico de determinada comunidade que impede que os
seus membros se ataquem mortalmente, no ser humano, além dos
factores naturais, a cultura teve que acrescentar um
sem-número de variantes, ou seja, o conjunto de normas
e hábitos que regem determinado grupo. A agressividade
natural do homem é diariamente inibida através da
actualização desses factores, que consiste numa ritualização
necessária para manter e reforçar a coesão social. Quem
nunca se sentiu despeitado quando um conhecido não o
cumprimentou?
Na actualidade, esse
equilíbrio ideal entre as pulsões agressivas e os elementos
inibitórios corre o risco de ruptura.
Este fenómeno tem
explicações naturais e culturais: por um lado, os instintos
humanos impelem o indivíduo à agressão; por outro, as
normas sociais obrigam-no a retê-la. Acresce a isto o facto
de os valores culturais estarem em crise de o afastamento
entre as pessoas ser cada vez maior, apesar do incremento das
comunicações. Verifica-se a desagregação dos laços
criados pelo cerimonial de triunfo, que partilhamos com
os gansos. Com efeito, cada vez menos se reconhece o
outro como indivíduo, porque o conhecimento mútuo é
dificultado a vários níveis.
O facto de já não ter
que usar as suas pulsões agressivas contra a hostilidade
natural leva o homem a acumulá-las, sobretudo sob a forma de entusiasmo
militante. É por esse motivo que o século XX foi
pródigo em grandes movimentos de massas. Infelizmente, alguns
deles constituem uma memória pouco grata ao homem, como são
os casos das Guerras Mundiais e do Holocausto. A mobilização
das massas mais não é que a gestão e a manipulação
hábeis das suas pulsões agressivas.
Face a este cenário
preocupante da espécie humana, K. Lorenz propõe algumas soluções
para a sua conservação e evolução, que assentam na reorientação
da agressividade. Estas podem resumir-se no seguinte:
1. cultivar a
fraternidade entre os povos, num alargamento da necessidade de
encarar o outro como indivíduo e, consequentemente,
respeitá-lo;
2. promover a educação
média do ser humano; incentivar no ensino dos jovens o
respeito pelos outros e pelos outros povos;
3. fomentar as
competições desportivas entre nações (o desporto é um
escape para a agressividade e uma forma de intercâmbio
étnico-cultural);
4. estimular o acesso e
o gosto pela ciência e pela arte (receptoras de pulsões).
Em suma,
depreende-se da análise da obra referida, sobretudo,
uma mensagem optimista e de crença nas capacidades da
espécie. O autor defende que é necessário estar-se
consciente e alerta para os perigos da manipulação do entusiasmo
militante das massas e para a institucionalização
da violência. Afirma, por outro lado, que é possível
contornar as dificuldades provocadas pelos instintos
agressivos e aproveitar o seu potencial através da
reorientação dessas pulsões humanas para a criação
e para a defesa dos valores culturais que visem o bem da
Humanidade. |
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Isabel Tomás