Acesso à hierarquia superior.

Henrique J. C. de Oliveira, Gramática da Comunicação, Col. Textos ISCIA, Aveiro, FEDRAVE, Vol. I, 1993, 311 pp., Vol. II, 1995, 328 pp.


IX

Tipologia das Mensagens Verbais

Os Diferentes Tipos de Discurso

 

Breve reflexão acerca dos diferentes tipos de discurso: algumas propostas de classificação.  A carta comercial. Algumas regras e conselhos importantes.

 
 

Perante a elevada multiplicidade de tipos de textos existentes, torna-se extremamente difícil elaborar uma classificação tipológica das mensagens verbais. Por muito cuidado e minúcia que se tenha na elaboração de diferentes classificações segundo diversas perspectivas de análise, qualquer uma delas ficará sempre incompleta e susceptível de críticas por este ou por aquele aspecto. A sua elaboração leva-nos a correr riscos de falharmos por inexactidão ou por omissão de elementos; mas a sua não elaboração acarreta-nos igualmente grave prejuízo, na medida em que nos impossibilitará de ficarmos com uma visão de conjunto dos diferentes tipos de textos, dificultando-nos simultaneamente o estabelecimento de uma sequência a seguir no estudo de cada um. Entre estas duas posições fazer ou não fazer , optamos pela primeira, com todos os riscos daí resultantes, mas certos de que alguma vantagem daí obteremos.

Tendo em conta uma tipologia de discursos com base na reflexão de Benveniste[1], poderemos elaborar um quadro de classificação com base nas pessoas intervenientes: discursos de primeira, de segunda, de terceira pessoa e híbridos. Daqui resultará um quadro de classificação idêntico ao apresentado na figura 73, quadro que seguramente estará incompleto, mas que nos permitirá ficar com uma ideia dos diferentes tipos de texto existentes, podendo ser posteriormente completado por qualquer um de nós. Convirá desde já frisar que, nesta classificação tipológica, não estão considerados os textos de carácter literário. Se o fizéssemos, teríamos de começar por considerar duas grandes classes de textos: os literários e os não literários. Interessa-nos agora considerar essencialmente o domínio do não literário, embora não nos possamos esquecer de que, por vezes, certos textos assumem uma posição intermédia entre o literário e o não literário, caracterizando-se por uma situação mista. Por exemplo, a crónica jornalística situa-se frequentemente numa posição intermédia entre o literário e o não literário. E quem diz a crónica, diz outros tipos de texto, cuja posição é quase sempre ambígua. Como classificar, por exemplo, as crónicas de Fernão Lopes? Não estarão simultaneamente no domínio da História e da Literatura? E as Confissões de Rousseau?

 

TIPOS DE DISCURSO

TEXTOS EXISTENTES

1ª PESSOA

monólogo não literário

diário

auto-biografia

2ª PESSOA

discurso publicitário

discurso argumentativo

sermão

discurso

convite

requerimento

3ª PESSOA

discurso de imprensa

notícia

reportagem

discurso historiográfico

biografia

ensaio

discurso «negotialis»

HÍBRIDOS

carta comercial

crónica

comunicado

entrevista

 
 

Figura 73: Classificação tipológica dos textos tendo em conta as pessoas accionadas no discurso.

 

Vejamos ainda outra classificação tipológica, esta tendo em conta o discurso de tipo negocial, as chamadas ­«mensagens negotiales», cujo tipo de discurso está já englobado no quadro da figura 74. Acontece que o discurso «negotialis» apresenta uma grande variedade de textos, de acordo com as funções desempenhadas por cada um.

Por «negotialis», do Latim NEGOTIU(M), entende-se um conjunto de mensagens que tratam assuntos objectivos, sem qualquer marca de subjectividade (ou pelo menos com esta reduzida ao mínimo), escritas numa linguagem concisa, clara e objectiva. Estes textos caracterizam-se por: 

► Considerarem aspectos concretos, tendo em conta as relações públicas e as actividades desenvolvidas no mundo dos negócios (actividades hoteleiras, turísticas, empresariais, etc.);

► Serem destinados a um receptor específico, restrito e bem definido;

► Exigirem grande cuidado e precisão na apresentação dos factos, obrigando à exactidão na terminologia e na descrição;

► Exigirem obediência a um plano rigoroso na exposição dos factos;

► Exigirem uma disposição específica (arranjo gráfico) para cada tipo de comunicação (cada tipo de mensagem tem as suas normas específicas);

► Exigirem uma redacção cuidada, com frases lineares, correctamente estruturadas e claras, com vocabulário denotativo, lógico e técnico.

 

Apresentadas as características, no geral, dos textos de tipo negocial, vejamos como poderão ser classificados, tendo como ponto de partida reflexões efectuadas por outros autores[2]

As mensagens ou textos «negotiales» podem ser divididos em duas grandes classes: os escritos científicos e técnicos; os escritos de acção, ligados a actividades ou sectores profissionais, tais como administrativos, comerciais, de actividades, empresariais, etc. A estas duas classes juntamos ainda aquele conjunto de textos de carácter burocrático, tais como pedidos de certidões, atestados, requerimentos, certificados, etc. Os escritos de acção subdividem-se ainda em várias espécies ou subclasses, tendo em conta os objectivos específicos das mensagens (veja-se o quadro da figura 73).

   
 

Figura 74: Uma das muitas propostas de classificação das mensagens negotiales.

 

Observando os dois quadros das figuras 734 e 74, seguramente incompletos, verificaremos desde já que há uma grande quantidade de tipos de texto. E dentro do tipo negocial, a variedade de produção textual é altamente elevada, indo desde a "simples" carta comercial as cartas «negotiales» , com grande quantidade de variantes, até ao requerimento, à acta, ao relatório, ao «curriculum vitae», etc.

Mas a classificação tipológica dos textos pode ser estabelecida tendo em conta outros critérios.

 

TIPOS TEXTUAIS

CASOS REAIS EM QUE OCORREM

NARRATIVO

romance, novela, conto, relato histórico, narrativas publicitárias, cinema banda desenhada, episódios humorísticos, anedotas, relatos orais

DESCRITIVO

surge em várias situações: integrada em textos narrativos, inventários, dicionários (enciclopédicos), manuais de instruções, etc.

EXPLICATIVO

textos didácticos e científicos

ARGUMENTATIVO

discurso oratório, discurso publicitário, etc.

IMPERATIVO

manuais de instruções, receitas culinárias, textos publicitários, etc.

PREDITIVO

profecias, horóscopos, boletins meteorológicos, previsões eleitorais, etc.

CONVERSACIONAL

entrevista, situações de diálogo

RETÓRICO

poema, prosa poética, canção, slogan, provébios, ditados, máximas

 
 

Figura 75: Classificação tipológica textual elaborada com base no artigo de Jean Michel Adam.

 

Se consultarmos o trabalho de Jean Michel Adam[3], verificamos que ele nos apresenta cinco tipos textuais clássicos de base o tipo narrativo, o descritivo, o explicativo, o argumentativo e o imperativo , aos quais se podem juntar ainda o tipo textual preditivo, um tipo textual conversacional e um tipo retórico, constituindo, no fundo, uma base tipológica com oito categorias.

No tipo narrativo, que se caracteriza pela apresentação de um ou vários factos inseridos num conjunto de parâmetros espaciais, temporais e causais[4], incluem-se diversos géneros, literários e não literários, tais como o romance, a novela, o conto, o relato histórico, a parábola, narrativas publicitárias, relatos políticos, a banda desenhada, o cinema, anedotas ou episódios humorísticos e relatos orais.

No tipo descritivo incluem-se aqueles textos ou sequências textuais cujo objectivo é o de apresentar as características inerentes a uma pessoa, a um espaço, a um objecto. Estes textos ou sequências textuais geralmente caracterizam-se por apresentarem a palavra ou tema gerador seguido da expansão ou definição desse elemento pela enumeração das suas características. Recorde-se o que se disse acerca da descrição no capítulo VII e leiam-se, a título exemplificativo, os diversos textos aí apresentados.

O tipo explicativo é um tipo de discurso que tem por objectivo levar à compreensão de determinado conceito ou de determinado facto. É o que encontramos nos chamados discurso didáctico e discurso científico.

No tipo argumentativo pretende-se convencer, persuadir, levar o receptor a reagir de determinada maneira. Encontramo-lo, por exemplo, nos textos publicitários e nos discursos políticos. É um tipo de texto que pode apresentar um raciocínio de acordo com a seguinte estrutura:

 


1º - TESE;  2º - PREMISSA;  3º - ARGUMENTOS;  4º - CONCLUSÃO
 

 

No tipo imperativo procura-se igualmente exercer influência no receptor, levando-o a agir de determinada maneira. Encontramo-lo em vários textos como, por exemplo, quando apresentamos o «modus operandi» de um aparelho, uma receita culinária, uma informação oral a um pedido de informação (por exemplo, como quando perguntamos onde fica determinado local e nos são fornecidas as correspondentes informações, o interlocutor diz-nos: «Siga por ali, vire à  esquerda no primeiro cruzamento, ...), quando damos uma ordem, etc.

O tipo textual preditivo encontramo-lo, por exemplo, num boletim meteorológico ou num horóscopo. Nele procura-se efectuar uma previsão, uma profecia.

O tipo textual conversacional corresponde às situações correntes de diálogo entre dois ou mais interlocutores, estando pois documentado, por exemplo, na entrevista.

O tipo retórico engloba vários tipos de texto: o poema, a prosa poética, a canção, o «slogan», etc.

Embora a classificação anterior seja útil, temos, no entanto, de ter em conta que, frequentemente, um mesmo texto pode apresentar características comuns a mais do que um tipo. Daí que no quadro da figura 36, por nós elaborado com base no artigo de Jean Michel Adam, apresentemos por vezes os mesmos exemplos em mais do que um tipo.

Mais rigorosa nos parece a classificação tipológica proposta por Maria Teresa Serafini[5] que, considerando apenas quatro tipos básicos a descrição, a narração, a exposição e a argumentação , nos apresenta uma lista de géneros textuais. Estes encontram-se subdivididos em quatro grupos. Consulte-se o quadro da figura 37, no qual se indica a presença frequente do tipo básico de prosa, assinalado com um quadrado preto, e a presença rara do tipo básico, assinalada com um quadrado branco. Para cada um dos quatro grupos, a autora indica as capacidades básicas requeridas para a produção dos respectivos textos.

   
 

Figura 76: Tipos básicos de prosa nos diversos géneros textuais, segundo M. Teresa Serafini (■ - Presença frequente do tipo básico; □ - Presença rara do tipo básico)

 

Os quatro grupos, seguindo a ordem apresentada no quadro, são: I - grupo dos escritos expressivos; II - grupo dos escritos informativo-referenciais; III - grupo dos escritos criativos; IV - grupo dos escritos informativo-argumentativos.

Para cada um dos grupos são necessárias competências básicas por parte de quem produz os textos, que passamos a indicar de maneira esquemática:
 

Grupo I - escritos expressivos

Requerem duas capacidades básicas: saber exprimir-se, nomeando correctamente os objectos de que se fala e empregando correctamente o código linguístico, e saber reproduzir trechos do discurso oral tal como, por exemplo, os diálogos.
 

Grupo II - escritos informativo-referenciais

São mais difíceis de realizar que os precedentes, na medida em que requerem não só capacidades de tipo expressivo, mas também objectividade e imparcialidade. Requerem cinco competências básicas: saber sequencializar, isto é, dar sequência lógica aos factos tendo em conta os referentes espácio-temporais; saber sintetizar; saber definir, apresentando os dados de modo rigoroso, preciso e não susceptível de mais do que uma interpretação; saber explicar; saber documentar-se, isto é, saber como obter a necessária informação, ter conhecimento das diferentes fontes de informação e saber organizar e utilizar uma bibliografia e uma base de dados.
 

Grupo III - escritos criativos

Exigem de quem os produz imaginação e capacidade de expressão num estilo pessoal, original e inovador, aliado a uma adequada competência linguística.
 

Grupo IV - escritos informativo-argumentativos

São os mais complexos e difíceis de realizar. Exigem o domínio pleno de todas as competências anteriormente referidas. Como competências específicas, exigem de quem produz escritos deste tipo que saiba: 1 - defender uma tese, conhecendo as técnicas da argumentação e da lógica, as técnicas da persuasão e esquemas do raciocínio dedutivo e indutivo; 2 - determinar relações de causa e efeito; 3 - confrontar e classificar, isto é, apresentar não só as ideias próprias mas confrontá-las com outras.

 

Por tudo quanto foi dito, verificamos que é possível elaborar diversas classificações tipológicas de texto, tendo em conta os mais diversos critérios. Por outro lado, verificamos também que a variedade de géneros textuais é elevada, tornando-se difícil decidir quais os géneros que deverão ser privilegiados e por onde começar o seu estudo. Maria Teresa Serafini, no trabalho citado, páginas 137 a 144, debruça-se sobre este problema, num capítulo intitulado «Como construir um currículo de aprendizagem da escrita». Depois de referir as diferentes capacidades requeridas para cada tipo, a que já fizemos referência, apresenta um gráfico que permite traçar uma sequência pedagógica e elaborar um currículo de aprendizagem. Segundo ela, o currículo consistirá «em abordar por ordem os seguintes géneros textuais: carta, diário, autobiografia, relatório, artigo de crónica, conto, anedota, apontamentos-plano, telegrama, poesia, provérbio, resumo, definição, lei, ensaio, editorial, comentário.»

Dada a elevada quantidade de géneros textuais, torna-se aqui praticamente impossível analisá-los todos. No nosso caso pessoal e não menosprezando a sugestão anterior, e até porque há aspectos já anteriormente por nós abordados em capítulos anteriores, seguiremos um percurso diferente, tendo em conta um critério mais prático: a necessidade de conhecimentos básicos de produção textual em diversas áreas da actividade profissional. Começaremos a nossa reflexão pelo discurso de tipo negocial e, dentro deste, pela carta comercial.



[1] ─ Recorde-se a rubrica «O discurso segundo as pessoas intervenientes na comunicação», no cap. VI.
 

[2] Acerca desta matéria, consulte-se a obra de JOÃO DAVID PINTO CORREIA, Introdução às Técnicas de Comunicação e de Expressão, Col. Biblioteca prática do professor, nº 3, Lisboa, Livraria Novidades Pedagógicas, 1978, pp. 110-113. O quadro da figura 35, embora sugerido pela leitura do citado trabalho, é da nossa autoria. Consideramos que a informação jornalística é um domínio específico, cuja inclusão deverá ser efectuada num sector específico. As notícias devem ser incluídas num sector próprio o discurso de imprensa , que engloba vários tipos de texto. Veja-se o quadro da figura 73.
 

[3] ─ JEAN MICHEL ADAMS, "Quels types de texte?", in Le Français dans le monde, nº 192, Abril 1985.
 

[4] ─ Leia-se o capítulo III deste volume, pp. 128-130 e 179 a 205, em que se analisa a narração bem como as diferentes categorias da narrativa.
 

[5] ─ MARIA TERESA SERAFINI, Como se faz um trabalho escolar. Da escolha de um tema à composição do texto. Col. Textos de Apoio, nº 15, 2ª ed., Lisboa, Editorial Presença, 1991, pp. 126-136.

 


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