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O Outono entrara já por Novembro
adentro e as suas cores mais características
coalhavam-se, agora, nos tons de castanho,
vermelho-ferrugem e amarelo. Uma suavidade dolente,
uma paz dulcificadora inundava-me os olhos e poisava
no meu interior, em fímbrias de felicidade. Foi
assim, com a alma revestida de oiro, que entrei na
Igreja da Misericórdia. Sentei-me. Progressivamente,
a visão bela dos azulejos vai-se-me impondo, na
semi-penumbra, com a frieza deslumbrante do seu
azul, matizado de branco e amarelo-torrado. A luz
coada das janelas começa a aquecer-me o olhar. E do
coro alto, onde a luminosidade é mais intensa,
saltam, abruptamente, e a galope, ondas sonoras que
enchem o espaço. É o órgão de tubos restaurado que
entra em festa. Surpreendido, concentro-me no seu
apelo. Não são melodias comuns, construções
harmónicas que todos ouvimos com frequências.
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São aglomerados sonoros que me
entram pelos tímpanos e, arrebatando-me me sugerem
manchas coloridas intensas, em tons de castanho
doirado, vermelho-ferrugem, amarelo, verde com
ouro…, como em quadro polifónico. Oiço e vejo ao
mesmo tempo. E contemplo imóvel, cerrados os olhos,
o interior todo a vibrar…
Abril 2008
Eugénio Beirão
Escritor, Professor, Militar,
Compositor |