XI –
Porto industrial.
O desenvolvimento industrial do Distrito, posto em relevo no
começo deste trabalho, explica a reserva de um sector da laguna
destinado à movimentação de produtos industriais e a atender às
necessidades das zonas de produção que o porto serve.
Um índice significativo deste
desenvolvimento está no aumento contínuo do tráfego que passou de
7.000 toneladas, números redondos, em 1966, para 83.200 em 1965
(6); e no número de navios entrados, que passou de 101 em 1956
para 154 em 1965.
Estes e outros dados estatísticos
a que nos temos agarrado, ajudam-nos a compreender e a interpretar
o fenómeno do crescimento económico regional. Os factos e a
simples observação quotidiana demonstram que o desenvolvimento do
porto processa-se de um modo positivo, que se reflecte na
estrutura económica da região aveirense. Basta atentar no que se
passa na cidade. Há mais movimento, mais vida, mais riqueza, mais
ocupações, melhor retribuição do trabalho, melhores salários, mais
automóveis, mais prédios bons, melhor nível de vida.
Revertendo ao porto industrial,
situado na Mó do Meio, já conta com reservatórios metálicos,
construídos em 1957, com a capacidade para 22.000 m3 de
combustíveis líquidos.
A expensas da Junta construíram-se
cubas de cimento, um armazém e um terminal, embora provisório,
para a exportação de vinho a granel. O primeiro carregamento de
vinho da Bairrada, /
23 / destinado a Angola, faz-se pelo vapor «Leneo», em
1965.
Um pouco mais tarde, a firma União
de Indústrias de Produtos Resinosos construiu um armazém para
exportação de aguarrás. O primeiro carregamento deste produto
industrial foi feito no vapor «Lindesingel», em 1965, com destino
a Antuérpia.
Aquela firma prevê que possa
carregar 300 toneladas por hora com as presentes instalações.
Em 30 de Janeiro do ano passado,
entrou no nosso porto o vapor «Ophélia» de 2 200 toneladas, 79
metros de comprimento e um calado de 19 pés (cerca de 5,80
metros). Trouxe adubos químicos e saiu em lastro. Pouco tempo
depois, demandou a barra o maior navio mercante entrado há mais de
um século na laguna, o «Almenara» de 2 663 toneladas, 90 metros de
comprimento e 19 pés de calado. Saiu também em lastro.
Não se compreende bem que os
nossos industriais deixem de aproveitar as viagens de retorno
destes barcos, sempre mais em conta. Parece dever atribuir-se esta
abstenção a uma deficiência da iniciativa particular do nosso
meio.
Há necessidade de sair da rotina,
de fazer propaganda, de incitar as diversas actividades económicas
do Distrito a exportar os seus produtos pelo porto de Aveiro. Só a
Celulose está nesse caminho.
Sabemos perfeitamente que o porto
será tanto mais procurado quanto melhores forem as suas
instalações, o seu equipamento, a capacidade de tráfego, a rapidez
e facilidade de carga e descarga, o volume das mercadorias a
importar e a exportar. Mas todos devem compreender que um porto
não se faz de um dia para o outro. Estamos no início da exploração
de um elemento de riqueza que não está completamente estruturado
e, por isso, apresenta muitas deficiências. Além disso, o porto
não tem história, nem tradições, e até nem é bem conhecido do
movimento marítimo internacional.
Basta dizer que a carta de fundos
da barra-canal em poder do Almirantado Britânico, está francamente
desactualizada. A navegação marítima, na generalidade, desconhece
as facilidades com que se faz o acesso à laguna de Aveiro.
A instâncias do actual capitão do
porto, Comandante Agostinho Simões Lopes, que tem prestado
altíssimos serviços à Junta Autónoma e à cidade, o Ministério da
Marinha enviou alguns técnicos para procederem ao levantamento da
carta de fundos da entrada da barra
(7).
XII –
Porto comercial.
Munida com os esplêndidos resultados das obras do porto exterior,
ponto de partida para a montagem de todas as secções do porto
interior, a Junta Autónoma, com a aprovação do Governo, enfrentou
a construção do porto comercial cuja inauguração se prevê para
1967.
O cais acostável, em adiantado
estado de construção, compreende, na primeira fase, 240 metros de
extensão e dará espaço para nele acostarem dois barcos de noventa
metros de comprido. Os fundos irão a - 8,00 m.
Dada a falta de equipamento do
cais, o movimento de mercadorias tem-se realizado, com carácter
provisório, na zona do porto bacalhoeiro.
Apesar das deficiências apontadas
e que a Junta procura obviar - não lhe cabe culpa alguma na demora
-, mesmo assim, o movimento do porto processa-se progressivamente,
embora em ritmo lento. No último decénio o movimento foi o
seguinte:
|
TONELAGEM E VALOR DAS MERCADORIAS
DE 1956 A 1965 |
|
|
Anos |
Tonelagem |
Valor das mercadorias |
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
1963
1964
1965 |
6.932,732
9.134.463
26.791,893
46.778,896
51.150,034
58.180,657
63.935,066
71.830,856
96.630,333
83.157,454 |
15.039.810$00
14.595.380$00
87.4 75.094$00
99.091.489$00
103.749.614$00
125.238.423$00
115.867.066$00
149.520.567$00
169.897.371$00
156.355.838$00 |
|
|
Nas mercadorias importadas em
1965, predominaram: chapa e artigos de ferro, gesso cru, bacalhau
e derivados, gasóleo, petróleo, atum congelado e diversos. O valor
das importações ascendeu a 75.722.259$00.
A exportação, no mesmo ano,
abrangeu apetrechos náuticos, madeiras, óleo de fígado de
bacalhau, pasta de madeira, vinho a granel e aguarrás. O total das
exportações atingiu 40.039.035$00.
/ 24 / Finalmente, a cabotagem transportou cimento, gasolina pesada, sal e
pasta para papel, tudo no valor de 209.380$00.
Comparando os valores das
mercadorias importadas e exportadas na área do porto de Aveiro,
pequena parcela do território nacional, verifica-se um deficit da
ordem dos 35.000 contos.
No dia 16 de Setembro findo, a fim
de inaugurar carreiras regulares quinzenais entre o Funchal e A
veiro com baldeação de carga em Lisboa destinada aos Açores,
demandou a nossa barra o vapor português «Gorgulho», de cabotagem,
da Empresa lnsulana de Navegação. Este pequeno barco com pouco
mais de mil toneladas, com acomodações para doze passageiros em
2.a classe, carregou produtos cerâmicos, mobiliário metálico
hospitalar e escolar, aço e vinhos da região bairradina.
A «Sociedade de Navegação Ancora»,
à qual o «Gorgulho» veio consignado, pretende incrementar as
transacções comerciais entre Aveiro e o Arquipélago da Madeira. Do
Funchal receber-se-ão grades com bananas e outros produtos; de
Aveiro irão faianças, produtos cerâmicos, vinhos e objectos
manufacturados.
Em qualquer caso, é mais um
instrumento ao serviço da economia aveirense que poderá prestar
contribuição relevante no crescimento económico da região.
XIII –
O porto interior nunca poderá ser
desligado do porto exterior, de que é complemento, nem de outros
objectivos de natureza económica como a pesca longínqua, a pesca
costeira e de arrasto, a pesca da Ria, o comércio de mercadorias,
as indústrias regionais, as secas, os estaleiros. Há uma
interdependência entre todas estas actividades.
As pescas ocupam milhares de
pescadores; as secas e a lota absorvem centenas de mulheres; os
escritórios das empresas dão que fazer a dezenas de empregados; os
estaleiros dão trabalho a muitíssimos operários. Sem o porto, nada
disto poderia existir.
É, ou não, uma realidade o porto
de Aveiro? Na zona central do porto interior há cinco estaleiros:
dois situados na margem direita da Cale da Vila, quase defronte do
cais acostável comercial, em construção; dois incrustados no porto
bacalhoeiro; e um em S. Jacinto.
Os quatro primeiros dedicam-se à
construção de traineiras, arrastões costeiros, pequenos atuneiros
e barcos de recreio; o último, constrói navios de ferro até 3.000
toneladas.
Estas actividades, filhas da vida
do porto e dele se alimentando, contribuem para o bem-estar
social. No fundo, é o homem o principal factor do progresso
económico e com ele há que contar.
A variedade de indústrias do
Distrito e a sua pujança dão-nos seguras indicações sobre a
importância presente e futura do nosso porto, fulcro da vida
económica da região. Há uns bons quarenta anos, a economia de Aveiro era débil e tímida; actualmente é florescente e arrojada.
Não são hipóteses, são certezas.
Já pensaram quantos navios podiam
ancorar na Ria se houvesse fundos suficientes. se houvesse
dragagens em extensão e profundidade?
Já pensaram no desenvolvimento que
poderá atingir o porto de Aveiro no dia em que se tornar
complemento do porto industrial de Leixões?
Nos quadros seguintes, referentes
apenas à pesca de arrasto, de traineiras, da Ria, podemos comparar
a evolução do movimento da pesca no nosso porto com a de
diferentes portos afins.
I
II
/
26 / Somando a estes números
o valor da pesca longínqua (bacalhau), os índices são mais
significativos, como se verá no quadro inscrito adiante.
Os inimigos do porto de Aveiro
continuarão na sua propaganda, manifestada sob vários aspectos. Não
querem ver. Estão de costas voltadas para a maior riqueza da região.
A fobia é de tal ordem, que um
determinado cronista, naturalmente com a inteligência em férias, não
admite que o porto, com mau tempo, feche à navegação.
De resto, sabe-se que o nosso porto
é modesto, não aspira a receber cargueiros-gigantes, nem
transatlânticos luxuosos. Contenta-se com navios até 3.000 toneladas.
Ignora este amigo de Peniche que isso acontece em muitos portos do
mundo.
A insinuação malévola de um certo
cronista de que o Governo «tinha gasto nisto (nisto era o porto de
Aveiro) dezenas de milhares de contos (fortes!)», desfaz-se ante os
números que conseguimos alinhar neste trabalho. Ignora este
cavalheiro que os investimentos que o Estado aplicou no nosso porto
são reprodutivos, isto é, rendem ao Tesouro verbas que, de ano para
ano, são cada vez maiores
(8)
Tomando por base a pesca total
(arrasto, traineiras, bacalhau e pesca local) verifica-se a posição
relevante do porto de Aveiro em relação a outros congéneres
(9).
|
MAPA COMPARATIVO DO
VALOR, EM ESCUDOS, DA PESCA TOTAL NOS SEGUINTES PORTOS |
|
|
Portos |
1961 |
1962 |
1963 |
1964 |
1965 |
Lisboa
Matosinhos
Peniche
Figueira
Aveiro |
130205314$
291 915 672$
66 559 803$
41 857 382$
122 377 660$ |
117759939$
178 444 801$
55 600 968$
38 060 711$
1215713 483$ |
148465582$
293 708 965$
45236 929$
66 206 596$
140099459$ |
149079126$
321 818 159$
70742 392$
77 046 411$
04567204$ |
131173 328$
270422241$
60 693 455$
73 625 048$
133610971$ |
|
|
Por meio de notícias falsas ou
deturpadas, de boatos de difícil verificação e que passam de boca em
boca sem sobre eles incidir o mais leve raciocínio, vai-se criando
um «mercado negro da opinião pública», como o caracterizou o Sr. Dr.
Marcelo Caetano, prejudicial à reputação do nascente porto de
Aveiro.
É assim que se gera uma atmosfera de
descrédito em torno de um empreendimento.
Sem preparação, na grande maioria
dos casos, para conhecer o fundamento das questões e poder
distinguir o falso do verdadeiro, grande parte das pessoas fixa o
que ouve ou lê e não pode, por inibição de conhecimentos, formular
um juízo seguro sobre o que se passa. E assim se forma uma opinião
malfazeja. O nosso porto não está ainda completamente estruturado;
apresenta falhas inerentes a toda a obra no início do seu
desenvolvimento. Esta afirmação não tem o carácter de novidade. É do
conhecimento de todos. Todavia, temos de continuar a desfazer a
propaganda contra o porto.
Quando, em 15 de Setembro do
corrente ano, naufragou no sítio do Areão, entre Vagueira e Mira, o
iate «Favorita» que, dizia-se, pertencera ao rei Faruk, o jornal de
maior circulação do País encimava a notícia com o seguinte título:
«Encalhou à entrada da barra de Aveiro um luxuoso iate que foi
propriedade do rei Faruk».
Num jornal informativo de tão grande
projecção custa a desculpar um erro tão grave, que afecta o nome de
um porto. Pois por estranho que pareça o mesmo periódico, no dia
seguinte, repetiu o mesmo título. A insistência no erro já custa a
admitir. Parece um propósito obcecado de prejudicar um porto ainda
incipiente. Ora, o sítio do Areão fica seguramente a 20 quilómetros
de distância da barra de Aveiro, numa zona marítima que está sob a
jurisdição da Guarda Fiscal da Figueira da Foz. O erro teria sido
intencional?
O jornal não se deu ao trabalho de
rectificar a notícia nem pensou nos prejuízos que ela pode causar.
Lançar o descrédito sobre o porto é afastar a navegação que demanda
esse porto. Se se tratasse de desacreditar um Banco? Já pensaram no
prejuízo que uma falsa notícia pode acarretar?
A confusão, nos nossos dias, deixou
de ser um sinal de incultura para se transformar numa táctica
demolidora. Por isso, convém esclarecer a opinião pública, repor a
verdade dos factos. E essa tarefa cabe à entidade responsável pelo
bom nome do nosso porto.
É evidente que quem lesse a notícia
do naufrágio até final e soubesse um pouco de corografia de Portugal
metropolitano, verificava que a Vagueira e Mira são praias muito
distantes da Barra; mas como muita gente, nesta vida apressada em
que nos gastamos dia a dia, só lê os títulos do noticiário, alguma
coisa ficou da atoarda.
Que interesse oculto haverá em
lançar o descrédito sobre o nosso porto?
É lamentável que a opinião pública
seja tão mal informada e mais lamentável ainda que
/ 27 / não se
pondere nos prejuízos que uma notícia deturpada pode causar a
terceiros.
XIV –
Antes de terminar este
insignificante trabalho, queremos prestar homenagem ao Sr. Coronel
Gaspar Ferreira, que, durante mais de 30 anos, desempenhou
proficientemente o cargo de presidente da Junta Autónoma do Porto de
Aveiro.
É pura justiça reconhecer que o
nosso porto deve assinalados e prestimosos serviços a esta
individualidade, que ocupou diversos cargos públicos do nosso meio.
Como zeloso administrador da Junta, como porta-voz das aspirações e
anseios de Aveiro junto dos poderes constituídos, o Sr. Coronel
Gaspar Ferreira merece o reconhecimento e a gratidão de todos os
aveirenses.
*
* *
As páginas que acabámos de escrever
não tiveram a estulta pretensão de deslumbrar ninguém nem de trazer
novas ideias ou sugestões sobre o porto de Aveiro. O nosso propósito
foi o de pôr em relevo a formidável importância desta fonte de
riqueza, a sua enorme potencialidade, o seu valor económico.
Limitámos o nosso modesto trabalho,
com o sentido de divulgação, a historiar, embora sucintamente, a
evolução das obras de construção e melhoramento da barra a partir de
1802; a relatar as diferentes fases por que passou o porto até
nossos dias; a destacar a acção e a influência deste fautor do
progresso sobre o crescimento económico da região; finalmente, a
alinhar índices significativos, mapas estatísticos, isto é, a
escrever a história do porto de Aveiro em números expressivos. Nada
se afirmou sem corroboração das estatísticas.
O seu progresso não oferece dúvidas.
As suas actividades específicas intensificam-se de ano para ano; as
relações comerciais vão progredindo gradualmente na mira de levar
atéonde for possível os produtos desta região fortemente
industrializada, os seus vinhos, os seus artefactos, tudo enfim
quanto possa obter colocação noutros mercados.
Como se viu no decorrer do texto que
aqui fica arquivado, trata-se de uma história de século e meio de
existência que se encontra muito dispersa por jornais, revistas,
opúsculos, preâmbulos de leis e decretos governamentais, pareceres
da Câmara Corporativa, relatórios anuais dos presidentes da Junta
Autónoma e dos directores do porto. Ê uma história de difícil
sistematização, tão descompassadas e fragmentadas foram as
vicissitudes que a informaram.
É muito possível que num futuro
próximo ou distante o porto de Aveiro venha a experimentar profundas
alterações na sua estrutura, principalmente na Mó do Meio, a fim de
o aparelharem para sucedâneo da zona industrial de Leixões, quando
esta estiver completamente saturada. Também se prevê que na ilha da
Mó do Meio vá terminar a testa de ponte S. Jacinto-Aveiro, que daria
passagem ao tráfego pesado proveniente das vilas de Ovar, Oliveira
de Azeméis, Feira e S. João da Madeira, grandemente
industrializadas, e destinado ao porto industrial.
Mas tudo isto são hipóteses. E como
o nosso estudo foi verdadeiramente objectivo, estas hipóteses não
cabem dentro do historial do nosso porto. Interessa-nos o que está
feito, o que está concretizado.
Procurámos ser fiel à verdade.
Estamos certos de que nunca dela nos desviámos. O reconhecimento
deste propósito, por parte dos leitores, será a única recompensa a
este modestíssimo trabalho.
AVEIRO, 20 de Dezembro de 1966.
____________________________
NOTAS:
(1) - «Correio do Vouga» de 23-7-1965.
(2) - Balanço Governativo - Discurso
de 27 de Abril de 1935.
(3) - Cinco meses, de governo - Porto,
1926.
(4) - A área da cidade foi alargada,
com a incorporação de parte das localidades rurais: Aradas, Quinta
do Gato e São Bernardo.
(5) - O edifício foi inaugurado em 18
do corrente; está dotado de «Fonia» e equipado com «radar».
(6) - Em 13 do corrente mês de
Dezembro, o número de toneladas atingiu 100.000, facto que foi
festejado pelas autoridades locais.
(7) - A barra acusava 21 pés na
baixa-mar, em 21-XII-966.
(8) - Há já 17 anos, isto é, em 1949,
o porto de Aveiro rendia ao Estado 2873 contos anuais. Actualmente
deve andar à roda das dezenas de milhares de contos.
(9) - Os portos de Matosinhos e
Peniche não possuem frota bacalhoeira. |