III –
Em 9 de Setembro de 1858, a
instâncias de José Estêvão, foi criada por decreto régio, a Junta
Administrativa e Fiscal das Obras de Aveiro, e a direcção dos
trabalhos confiada ao distinto Eng.º Silvério Augusto Pereira da
Silva. Em 1886 foi extinta esta Junta e a administração
/ 8 / das
obras transitou para o Estado. Durante 28 anos, que durou a
direcção dos trabalhos do Eng.º Silvério, houve um notável período
de renovação. O movimento marítimo animou-se, a indústria
salineira prosperou, a agricultura pôde desenvolver-se. Depois
daquela data, nada mais se fez de vulto, e o tempo encarregou-se
de arruinar o que estava feito.
Perante a comprovada falência da
administração do Estado, foi instituída, em 7 de Dezembro de 1921,
a pedido das autarquias locais, a Junta Autónoma da Ria e Barra de
Aveiro. Este organismo veio substituir a Junta Administrativa das
Obras da Ria e Barra de Aveiro, criada em 1898, mas que, por falta
de receitas e outras razões que não interessa averiguar, deu a
alma ao Criador sem deixar vestígios da sua passagem.
Em face do estado calamitoso a que
chegara a barra e o aspecto de ruína do molhe sul, as forças vivas
da Cidade, Câmara e Associação Comercial, iniciaram nova campanha
pela palavra e pela imprensa, campanha secundada por Homem Cristo,
Comandante Rocha e Cunha, Dr. Alberto Souto e o Eng.º Fernando de
Sousa (Nemo), a fim de chamar a atenção dos governantes para o
problema portuário de Aveiro. Isto passava-se em 1925.
O decreto-lei 12 767, de 2 de
Dezembro de 1926, mais conhecido por lei dos portos, primeiro
diploma legislativo do Estado Novo em matéria de política
portuária do País, embora incompleta sob certos aspectos, deixava
vislumbrar alguma esperança.
Em 1927, como consequência desta
lei, foi concedida autonomia, se bem que muito condicionada, às
Juntas Autónomas dos portos, mercê do decreto 14718, de 8 de
Dezembro daquele ano. O princípio descentralizador conferido por
este diploma foi benéfico e estimulante.
Em 13 de Abril de 1929, o decreto
16728 estabeleceu que o porto de A veiro, considerado de terceira
categoria, fosse classificado de 2.ª classe, o que lhe
proporcionava, de futuro, comparticipações para obras, por parte
do Estado, da ordem dos 40 a 60%.
Em 1930, uma grande comissão de
aveirenses, no número dos quais nos incorporámos, acompanhada do
Governador Civil de então, deslocou-se a Lisboa a solicitar do
Governo providências para que as obras do porto se iniciassem com
brevidade, porquanto o Estado havia concedido uma dotação de
21.000 contos pelo decreto 17 421, de 30 de Setembro de 1929, e as
formalidades burocráticas embaraçavam a adjudicação das obras.
Foi por essa época que surgiu uma
pendência entre os responsáveis das Juntas da Figueira da Foz e de
Aveiro. Houve remoques nos jornais, sessões de desagravo no Casino
Peninsular e no Teatro Aveirense, uma espécie de guerra do Alecrim
e Manjerona, provocada por um certo azedume ciumento. A Junta da
Figueira tinha então uma receita de 120 contos; a de Aveiro
arrecadava cerca de 1.000. E como a política dos portos se fez à
base dos imperativos económicos e não por simpatias de
localidades, o Governo entendeu auxiliar primeiramente Aveiro, e
esta preferência mais irritou os figueirenses. Veio a
verificar-se, já lá vão trinta e seis anos, que o porto da
Figueira não tem as possibilidades do de Aveiro. A decisão do
Governo estava certa. O ciúme da Figueira ainda perdura, mas não
tem o carácter explosivo do de Janeiro de 1930.
Em 1931 as obras do porto foram
adjudicadas à firma Valdemar Jara d'Orey, o que trouxe grande
regozijo à cidade.
A primeira grande batalha estava
ganha. O porto de Aveiro, embora regional, foi considerado dentro
da política dos portos; subiu de 3.ª para 2.ª classe; e as obras
do porto exterior foram iniciadas em 2 de Março de 1932.
Levou tempo a convencer certas
entidades superiores à abandonar o critério de valorizar os portos
principais – Lisboa e Porto – em detrimento dos portos
secundários, mas conseguiu-se.
Pelo decreto 17 954, de 18 de
Fevereiro de 1950, que revogou variada legislação portuária, a
Junta passou a denominar-se Junta Autónoma do Porto de Aveiro,
designação que ainda hoje mantém.
Em 26 de Maio de 1955, foi
publicado o decreto-lei 40 172, que promulgou a lei orgânica da
Junta Autónoma, na qual foi feita uma revisão das receitas deste
organismo. Pela portaria n.º 15061, de 8 de Novembro daquele ano,
foi aprovado o regulamento das tarifas do porto, que ainda
vigoram.
IV –
As receitas da Junta compreendem:
as arrecadadas pelo Tesouro, depois de deduzidas de 10% para o
Estado; as cobradas directamente pela Junta; as provenientes da
Capitania do porto; e os saldos das gerências.
/
9 / Em 1945 o Estado
concedeu uma dotação de 65.000 contos para a construção dos
molhes. Os aveirenses, por esse motivo, foram ao Governo Civil em
manifestação de reconhecimento pela concessão de tão importante
verba. Foram dirigidas palavras de gratidão ao Sr. Presidente do
Conselho e ao titular da pasta das Obras Públicas, então o
engenheiro Cancela de Abreu, filho do Distrito.
No plano intercalar do fomento
para 1965-67, foi atribuída ao porto de Aveiro a dotação de 30.600
contos, destinada à conclusão do cais acostável do porto
comercial, de uma doca seca e de equipamento. A Junta comparticipa
nestes encargos.
Em cinco anos as receitas
arrecadadas pela Junta foram, em milhares de contos, as seguintes:
MAPA COMPARATIVO DAS RECEITAS
ARRECADADAS PELA JUNTA DE 1961 A 1965
|
Proveniência das receitas |
1961 |
1962 |
1963 |
1964 |
1965 |
|
Cobradas pelo
Tesouro |
4.966 |
5.218 |
5.590 |
7.643 |
7.414 |
|
Cobradas
directamente pela Junta |
1.224 |
1.261 |
1.624 |
2.693 |
2.174 |
|
Cobradas pela
Capitania do Porto |
250 |
189 |
246 |
204 |
233 |
|
TOTAIS |
6.440 |
6.668 |
7.460 |
10.540 |
9.821 |
(a) |
|
|
|
(a) Como em 1964 foi necessário
incluir 550 contos para a construção de cubas de cimento no
armazém de exportação de vinho a granel, na zona industrial, na Mó
do Meio, as receitas sofreram uma retracção de cerca de 228
contos, mas a receita real não diminuiu, antes aumentou em cerca
de 31 contos, números redondos. |
|
As receitas da Junta apresentam
uma grande anomalia no que se refere ao imposto sobre o bacalhau.
Nos anos de 1964 e 1965 o imposto pago àquele organismo foi,
respectivamente, de 363.341$00 e 395.026$00; a pesca costeira
menos rica e volumosa, contribuiu naqueles dois anos com
422.009$00 e 363.243$00.
Nos citados anos, os valores do
bacalhau verde foram de 88.240.000$00 e 105.424.000$00
(computado o Kg. de bacalhau a
4$00 para efeito de despacho alfandegário); os valores da pesca
costeira foram apenas de 30.550.799$00 e 19.364.866$00.
Estes valores monetários fazem
grande diferença entre si. Não há dúvida que a disparidade é
flagrante. Há qualquer coisa errada na aplicação deste imposto. E
a injustiça é tanto maior quanto é certo a Junta Autónoma ter
melhorado o porto bacalhoeiro com dragagens, pontes-cais, uma
báscula, isto é, ter investido nestes melhoramentos avultadas
verbas e não auferir rendimento correspondente. É ainda devido às
obras do porto exterior que as empresas de pesca, cujos navios iam
aliviar a Leixões, poupam cerca de 200 contos por cada barco.
Compreendemos perfeitamente que a
iniciativa particular deve ser ajudada, amparada, estimulada como
factor de progresso que é, mas não estamos de acordo com o
princípio de quanto mais, melhor. Não. É claro que não.
Dizem os armadores que os maiores
lucros ficam nas mãos dos armazenistas. Se assim é, que se estude
o problema até ao cerne.
Esta modalidade da indústria de
pesca já goza de muitos privilégios. Nem paga à Câmara de Ílhavo o
imposto ad valorem!
É no campo do interesse geral que
devemos situar os problemas desta natureza e, nesse aspecto
fundamental, não supomos que a colectividade aufira vantagens das
prerrogativas concedidas a esta indústria. E por que não estender
esta protecção às outras pescas, afinal
menos rendosas do que a
bacalhoeira? Teremos de invocar o sapateiro de Braga?
Com parando as receitas da Junta,
em 1956, com as do ano findo, isto é, no último decénio,
verifica-se um progressivo aumento que dá ideia do desenvolvimento
do nosso porto.
Em 1956 a Junta arrecadou 4.423
contos
Em 1965
a Junta arrecadou
9.821
contos
Os números que acabamos de ler
dispensam comentários.
Era o porto de Aveiro um centro
exportador de bajunça?
Deve-se à rara energia de Homem
Cristo, que ocupou o cargo de presidente da Junta Autónoma de 10
de Janeiro de 1925 a 10 de Dezembro de 1930, a arrecadação normal
das receitas deste organismo. Ninguém queria pagar o imposto
estabelecido por lei. Houve reuniões nas Câmaras de vários
concelhos para reclamarem da nova contribuição, e houve até um
Concelho que ameaçou Aveiro de passar-se para o Porto. Foi uma
luta homérica.
Ainda não se fez a justiça devida
a este intemerato lutador. Se não fosse a argumentação lúcida, a
tenacidade e a energia de Homem
/ 10 / Cristo
aliadas à serenidade, à inteligência e ao saber do Comandante
Rocha e Cunha, talvez ainda não tivéssemos o porto que já temos.
Em Homem Cristo só notam defeitos,
que os teve como qualquer mortal; mas olvidam os méritos e que
eram muitos.
V –
As vicissitudes, e muitas foram
elas, que a barra e a laguna, isto é, o porto de Aveiro
experimentou, reflectiram-se não só na economia da região, mas
também no elemento humano.
Assim, em 1422, Aveiro contava
2.769 almas; mas já no primeiro quartel do século XVI, um dos
melhores períodos de prosperidade, a população atingiu 14.000
habitantes com 2.500 fogos.
Em 1685, como a abertura da barra
estava localizada muito para o sul da laguna, no sítio denominado
«Quinta do inglês», próximo da Vagueira, e não dava escoante às
águas interiores e era imperceptível o movimento das marés, a
população baixou para 10.000 almas, Em 1736 havia 5.300
habitantes; em 1767, baixou para 4.400, em 1797, caiu para 3.500,
e no princípio do século XIX atingiu o mínimo: 3;000 habitantes e
900 fogos. Era a ruína, o despovoamento, a miséria.
A partir do meado do século
passado, a curva demográfica, na cidade, subiu, ao mesmo tempo que
melhoravam as condições da barra.
A evolução da população citadina
de 1911 a 1965, foi a que segue:
Anos
—— Habitantes
1911 ——— 8.375
1930
——— 9.525
1940
——— 11.247
1950
——— 13.397
1960
——— 16.011
1965
——— 18.000
(4)
O acentuado decréscimo
populacional que assinalámos atrás (14.000 almas até cair em
3.000) tem a sua explicação na decadência a que chegou a laguna.
Com as enormes cheias de 1526, 1575, 1585, 1596, 1644, 1739 (uma
das maiores) e a de 1774, como a barra não dava saída às águas
represadas, surgiram epidemias que dizimaram a população. Por
outro lado, as marinhas ficaram arruinadas por tempos e a
agricultura paralisou. A Ria foi então, naqueles períodos, um
cemitério.
As pestes de 1469, 1479, 1485,
1524, 1569 e 1580, ilustram o estado calamitoso da região
aveirense. Verificava-se esta
coincidência: à medida que a abertura da barra se deslocava para
sul, as calamidades recrudesciam.
Em 28 de Fevereiro de 1937, já,
portanto, em nossos dias, houve uma grande cheia na Ria. As águas
passaram por sobre os muros do cais da cidade, invadiram ruas,
entraram nas casas e estabelecimentos comerciais.
Como as obras da barra estavam
adiantadas, o escoamento das águas interiores fez-se facilmente.
No século XVI o movimento do porto
era intenso. Aveiro aparelhava 150 navios do comércio e da pesca
do bacalhau. Foi um período áureo.
A partir de 1.600 a decadência
acentuou-se e veio a culminar no século XVIII, mais propriamente
no ano de 1756.
Os armamentos de comércio e de
pesca desapareceram; a navegação estrangeira foi rareando de ano
para ano até paralisar por completo.
O panorama, nesse século, era o
seguinte:
Anos Número de navios
1736
—1740
———
5
1741
—1742
——— 3
1743———————
5
1744———————
1
1745—1750
——— 0
Chegou-se à estaca zero.