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Agostinho Fortes, Nótulas acerca dum falar da margem esquerda do Guadiana, acompanhadas de algumas notícias folclóricas, Cadernos CA, N.º 4, 1ª ed., Lisboa, Casa do Alentejo, 2000, 80 pp.


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QUARTÃS, febres palustres cujos acessos duram quatro dias.

QUÊJÊRA, receptáculo de madeira em que se deposita o leite das cabras ou das ovelhas para se separar, por meio de cardo, o coalho com que se há-de fabricar os queijos. A coalhada aproveita-se também em Mourão e em muitas, senão em todas, as povoações do Alentejo para se fazerem queijadas.

QUÊMÁDA, queima de ervas nocivas e secas, em terrenos que se preparam para cultura. Às vezes as quêmádas estendem-se a grandes tratos de terreno e, como são feitas ainda no verão, a seguir às debulhas de trigo, produzem, por vezes, calor quase sufocante.

QUÊMÔSO, o que tem muito picante de pimenta. Ex., o caldo está quémôso; as sardinhas estan quémôsas.

QUITANGA, loja ou estabelecimento de venda pouco importante. / 58 / Mala em que os caixeiros viajantes levam as amostras das coisas que procuram vender.

QUÓRTILHO, quartilho, medida para líquidos equivalente a um quarto de canada. É ainda hoje uso corrente, embora as medidas em uso sejam as do sistema decimal.

- R -

RABINO, mau; desinquieto; turbulento. É biforme e aplica-se especialmente, a crianças.

RABISCO, apanha, feita por crianças e mulheres, de trigo, cachos de uva e azeitonas, que hajam ficado no campo depois de terminadas as ceifas, as vindimas e a apanha da azeitona.

RAMAGE, tecido de algodão com desenhos a cores, representativos de folhas e flores, que serve para cobrir arcas e caixas, e para fazer cortinas para portas e janelas. É tecido ordinário e barato.

RAMALHOS, pernadas secas de árvores, que se utilizam para o lume. Emprega-se também rasmalho, no mesmo sentido.

RANCHO, grupo de trabalhadores, homens e mulheres, ocupados na mesma tarefa agrícola por conta do mesmo patrão.

RASOIRA, instrumento de madeira, cilíndrico ou quadrangular, com que se rasam, ou põem ao nível dos bordos exteriores das medidas de madeira, os produtos agrícolas, como trigo, cevada, aveia e feijão.

RECHINA, cozinhado feito de fígado, bofe e coração de porco, logo a seguir à matança deste.

REGRADO, papel pautado; pauta; linhas de papel de escrever.

REGUÊRA, o meio leito da rua, mais baixo que as partes laterais, para dar vazão à água da chuva.

RENTAR-SI, não ligar importância; desprezar os bons conselhos; / 59 / não aceitar a preponderância que alguém pretenda exercer sobre nós: Emprega-se sempre reflexamente.

REQUÊJÃO, nata do leite, muito apreciada nas merendas.

RIBÊRA, o rio Guadiana. O termo Guadiana é feminino, dizendo-se vamos à Guadiana e não ao Guadiana. O meu ilustre amigo e colega, doutor José Leite de Vasconcelos, forneceu-me a quintilha seguinte, por ele encontrada num passo dum documento do século XV, em transcrição do XVI:

«Se tu vás por Mourão

Algu ora per a feira

Não hás-de por pé no chão,

Que metido num ceirão

Hás-de passar a ribeira.»

É prolóquio mouranense que quem beber a água do Guadiana não mais sairá de Mourão, ou nunca mais dele se esquecerá, tais são os encantos da terra e as saudades que dela ficam. Há, porventura, neste dizer resquícios da crença em rios cujas águas, como as do letes, traziam o esquecimento do resto do mundo. Desde o último decénio do século passado possui o Guadiana ponte magnífica; antes, porem, era atravessado em barca que, nas invernias grandes, não funcionava, pelo que Mourão ficava isolado do resto do país, mantendo comunicações apenas com a vizinha Espanha. De verão o Guadiana oferece passagem a vau nalguns pontos, conhecidos pela designação genérica de portos. O Guadiana é bastante piscoso e mais seria se não houvera o criminoso uso da Dinamite na pesca, que destrói muitas criações de peixes. Algumas espécies piscosas são muito saborosas e apreciadas, aparecendo, uma ou outra vez, peixes que pesam mais de dez quilogramas. Nas margens do Guadiana há uma planta, a erva da ribêra, muito estimada como tempero em muitos cozinhados de peixe.

RIGORI, fitas de seda, linho ou algodão, de cores diferentes, que, nas festividades em honra dos santos, são benzidas à hora da missa solene e vendidas na igreja ou no percurso da procissão, revertendo o produto para custeamento das despesas.

RIO, lavadouro de água corrente. A expressão ir Ó rio significa ir lavar roupa for a de casa.

RISCO, traçado ou plano de construção de prédio urbano.

ROLA, mentira; trapaça.

ROMÃO CEGO, termo obsceno designativo do órgão sexual masculino. / 60 /

RONCA, instrumento sonoro, feito com uma pele de carneiro, curtida, assente sobre uma armação de folha ou de madeira, que se percute para produzir o som.

ROSQUILHA, pão pequeno em forma de rosca. É de origem castelhana.

RÓTULAS, entrançado de madeira, que se põe nos postigos das portas ou das janelas para resguardar do ar e da luz intensa do sol, e livrar das vistas indiscretas dos transeuntes.

- S -

SALAMANTIGA, espécie de lagartixa. Creio ser termo de origem castelhana.

SANGRIA, refresco feito com vinho, açúcar, canela e rodas de laranja. É de origem castelhana.

SANJA, vaio, fosso aberto nas terras de semeadura para escoamento da água.

SAPATILHAS, chinelos; sapatos feitos de cordel. É de origem castelhana.

SARGENTEARI, passear; andar de um lado para outro sem fazer nada e apenas com o intuito de se mostrar, de se pavonear.

SARRABULHO, comida cozinhada com sangue de porco cozido e depois temperado com azeite e vinagre. O sangue de carneiro também se aproveita para o mesmo efeito.

SARRAZINA, impertinente; o que insiste num pedido, perseguindo constantemente com palavras a pessoa de quem pretende haver qualquer coisa; enfadonho; teimoso.

SARRAZINARI, perseguir alguém com insistência para obter qualquer coisa; causar tédio pela insistência no pedir ou no falar.

SEBASTIANA, tremo obsceno, designativo das práticas sexuais contra / 61 / a natureza, o acto do onanismo.

SÉCIA, vestido novo e bonito. Como adjectivo significa mulher bem trajada, com luxo maior do que é dado à sua categoria. Neste último caso tem sentido um tanto irónico.

SÉJE, trem com cobertura desmontável.

SENTIMENTOS, condolências pela morte de alguém. É da praxe, constituindo grave afronta não o fazer, o ir dar os sentimentos à família do falecido.

SERMENHO, pêro silvestre ou bravo; pouco apreciado por ter sabor um tanto ácido. Usa-se também a forma seromenho.

SEROL, espécie de azeitona.

SOÁLHÊRA, sol de calor muito intenso. Assim diz-se F. apanhá hoje uma soálhêra que lhe fez mal, isto é, muito sol, quando este irradiava mais calor.

SOBRADO, pavimento superior das casas de habitação. Os lavradores pequenos ou seareiros utilizam, em regra, os sobrados para depósito dos cereais destinados ao consumo doméstico.

SOBRENFUSA, sopa feita com linguiça, vinagre e refogado de cebola. A linguiça pode ser substituída por qualquer outro condimento feito de carne de porco.

SOBRE LAJE, a divisão que fica para alem da loja, mas no mesmo pavimento, utilizada para depósito das mercadorias que se vendem ao balcão.

SOPAS, jantar; a refeição mais abundante do dia, outrora tomada ao meio dia, o que hoje só fazem os trabalhadores rurais.

SORRABURRA, cozinhado de miudezas de porco e sangue do mesmo, que se faz no dia da matança. Oferece-se, em púcaros de barro com o seu testo, e com todas rodas de laranja, às pessoas amigas a cujas casas se manda. É muito apreciada esta comida, e a sua não distribuição a qualquer família, com a qual se mantenham relações de amizade, representa agravo e tensão de relações afectuosas.

SÓTO, divisão interior das casas de habitação. Não recebe luz directa e serve normalmente de quarto de cama.

SOVA, pancada rija. É de origem castelhana.


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