Acesso à hierarquia superior.

Agostinho Fortes, Nótulas acerca dum falar da margem esquerda do Guadiana, acompanhadas de algumas notícias folclóricas, Cadernos CA, N.º 4, 1ª ed., Lisboa, Casa do Alentejo, 2000, 80 pp.


A

B

C

D - E

F - G

H - J

L - M

N - O - P

Q - R - S

T

U - V - X - Z


ABALADA, partida para qualquer viagem. Assim é vulgaríssimo a expressão ir d'abalada ou estar d' abalada, para designar que uma pessoa está prestes a partir. Em sentido mais restrito e um tanto zombeteiro, ir d'abalada também retirar-se uma pessoa de qualquer lugar em que não se encontre bem. É substantivo derivado do verbo abalar.

ABALARI. Partir para uma viagem ou para uma jornada. Em Mourão não tem o significado de fugir ou ir com pressa, que se encontra em Cândido de Figueiredo. Ainda se emprega com o sentido de sair, retirar-se, mas sem a ideia acessória de pressa ou precipitação. António abalou isto é foi-se embora, saiu. Korting apresenta como étimo deste verbo, pallare a que juntou o a protético; dá-lhe pois a mesma etimologia de bailar.

ABONDO, adjectivo. Bastante, suficiente. Evidentemente este adjectivo tem relações íntimas com o verbo bondar, de que trataremos na altura devida.

ABETARDA, ave de arribação, mais corpulenta que o peru. A caça desta ave cuja carne é muito apreciada, é difícil por voar muito alto. As que aparecem à venda são caras e muito disputadas pela raridade. Ao lado desta forma encontra-se batarda. Deriva de avis tarda, para se dar a entender que das aves migratórias, é das últimas ou a última a chegar.

ABORRIDO, triste, melancólico, sem vontade de fazer qualquer coisa devido a tédio. A forma aborrecido também se emprega, mas no sentido de enfadonho, impertinente. Assim, João está aborrido, quer dizer está triste; João é aborrecido, significa João aborrece ou causa aborrecimento; é impertinente e inconveniente.

AÇUCARI e também AÇUCRE, açúcar. Qualquer das formas é corrente, embora a primeira mais, em quase todo o Alentejo.

AD, preposição que, como em latim, exprime termo de movimento e lugar onde. Assim, Maria foi ad Antónia, isto é, a casa de Antónia; Onde está o teu irmão? Está ad Manuel da loja, isto é em casa do Manuel da loja.

ADOBAR, cobrir de adobo o pavimento ou as paredes duma casa, não sendo estas de pedra e cal. / 12 /

ADOBO, espécie de tijolo empregado na construção de paredes de casas pouco importantes, como cabanas, palheiros, e ainda moradas baratas. Serve também par cobrir os pavimentos térreos. Tanto o substantivo verbal adobo como o verbo adobar são talvez de origem árabe.

ADREGAR, acontecer por acaso; sair um trabalho perfeito também por acaso e não por perícia de quem o executou. Karting, Lateinisch-Romaniches Warterbuch não dá notícia deste verbo nem do substantivo verbal adrego, que se me afigura derivarem do latim, ad rigare.

ADREGO, caso raro. É um adrego, é uma raridade; cousa que só excepcionalmente acontece.

ADÚA, lugar onde, durante o dia, se conservavam fora da povoação os cos de gente de poucos recursos, que não tem acomodações próprias para o gado suíno. A adúa é um terreno municipal, baldio, e o gado que nele vai alimentar-se é guardado por um homem, o aduéro, que recebe uma certa importância, pequena, por cada cabeça de gado. De manhã, quase pouco depois do romper do sol, de cada casa onde haja gado suíno, saem os porcos que vão juntar-se num determinado local, donde, a um sinal dado pelo aduéro, partem todos, em boa ordem, para a adúa. Ao cair da tarde volta o gado para o local onde ele de manhã se reunira, e, a um novo sinal feito pelo guarda com o cajado, a enorme vara dispersa-se e, correndo cada animal desalmadamente, dirigem-se todos para casa dos respectivos donos. Vão cegos na corrida e quem se não precaver nas ruas por onde passam, arrisca-se a ser derrubado por eles. Nem um só se engana na porta da casa a que pertence e quando, por acaso, a porta se encontra fechada, grunhem e dão trombadas até que a venham abrir. É que no quintal espera por eles a travia. Provirá o termo adúa de anúduva, como alguns etimologistas pretendem, mas se me afigura pouco provável, embora foneticamente seja facilmente explicável, ou, como me inclino a crer, do árabe?

ADUFE, instrumento muito usado para marcar o ritmo nos bailes populares das noites de S. João e S. Pedro, muito festejados em Mourão, onde a noite de S. António passa despercebida. É constituído o adufe por um cubo de madeira, de pouca altura, com bases cobertas por peles retesadas e ensebadas. As arestas são enfeitadas com fitas de cores variadas. O som obtém-se por percussão manual. Mas, alem deste significado que é corrente no país, em Mourão adufe tem o significado depreciativo de insolente, presumido, vaidoso, atrevido no trato com as pessoas. Assim as expressões: ora, o adufe! que tal está o adufe! significam 'ora o insolente! que tal está o atrevido!'

ÁGRIO, azedo, ácido: também se emprega, embora menos / 13 / correntemente, a forma agre com o mesmo significado. São termos de origem latina, agre de acrem, e agrio do comparativo acrius.

ÁGUA DE GASTARI, água não potável, que se aproveita todavia para lavagens e limpezas domésticas. À água potável dá-se a designação de água de beber.

ÁGUA MEL, mistura de água e mel, da qual se faz uso nas merendas, ensopando-se nela bocados de pão.

ÁGUA-RUSSA, a água proveniente da moedura da azeitona nos lagares de azeite.

AI! AI! Expressão exclamativa equivalente a basta! Assim quando se lança qualquer líquido num copo ou em qualquer vasilha e se quer dizer que basta o líquido já lançado, exclama-se aí! aí! o que aos graciosos dá ensejo para o trocadilho de dizerem, pois bé, é aí qu' é déto.

ÁLA! interjeição. empregada para dar o sinal de partida para uma jornada. Em ála, neste caso, há também a ideia de que Deus acompanhe o que parte. Assim ála exprime propriamente, vai, parte e que Deus te acompanhe! Isto leva-me a admitir a hipótese de que ála provenha do árabe Allah!

ALAVÃO, conjunto de operações para o fabrico de queijos de leite de ovelhas ou de cabras. Local onde se ordenham esses animais. É palavra de origem árabe.

ALBUFÉRA, depósito de águas represadas, que, em tempo de estiagem, são soltas para regar as terras. É na albuféra que as lavadeiras vão lavar a roupa, dizendo-se que vão ó rio e não à albuféra. Incidentalmente diremos que o Guadiana, rio que passa perto de Mourão, não é designado com rio, mas sim como ribéra, pelo que sem dúvida, Guadiana é do género feminino, dizendo-se em Mourão a Guadiana e não o Guadiana. Albuféra é de origem árabe.

ALCACÉRI, planta gramínea para alimentação do gado. Ceifa-se ainda verde. Suponho ser de origem árabe.

ALDIAFA, festa celebrada no termo dos trabalhos agrícolas mais importantes, especialmente no da apanha da azeitona. Os homens e as mulheres que trabalharam por conta do mesmo lavrador, terminado o serviço, organizam uma espécie de procissão, que se dirige do local onde se trabalhou, para casa do patrão. À frente vêm três mulheres, arvorando a do centro, à maneira de pendão, duas varas, em forma de cruz, com um xaile suspenso da vara horizontal e enfeitado / 14 / com ramos de oliveira. Atrás do pendão caminham homens e mulheres do rancho da azeitona, entoando cantigas, muitas vezes ao desafio, e não raro cadenciadas com palmadas. Chegado a casa do lavrador, o rancho canta algumas quadras em louvor deste, que na casa de fora, onde se encontra a chaminé, lhes oferece um jantar constituído por carneiro guisado ou ensopado, chouriço, toucinho, pão e vinho. Terminada a refeição, organiza-se um talho, em que se preponderam as danças de roda que, melhor que as outras, se prestam a novas cantigas ao desafio, quase sempre com alusões pessoais. O baile, por vezes, prolonga-se até altas horas da noite. Com a forma aldiafa concorrem no uso corrente, embora menos empregadas, as formas adiafa e diafa. A palavra é de origem árabe.

ALFIRME, corda pouco grossa, ou cordel de esparto. Cândido de Figueiredo, na edição de 1913 do Novo Dicionário da Língua Portuguesa, já inclui este termo como provincianismo. Não lhe indica, porem, a etimologia, que suponho seja árabe. Alfirme parece significar propriamente esparto, isto é, a matéria de que é feita a corda, pois que se, correntemente, se diz, por ex., dá cá o alfirme, também não é menos usual ouvir-se uma corda ou um cordel de alfirme.

ALMAIRO, armário. Móvel de madeira em que se guardam utensílios de mesa, pratos, talheres, toalhas, etc. A metátese do i e do a é de rigor, e assim, ao lado de almairo encontramos boticairo, mesairo, calvairo, em vez de boticário, mesário, calvário. A mudança do r em I será apenas a troca, muito espalhada em todo o país duma líquida por outra, ou haverá também a correlação com alma?

ALMÉCI, soro de leite de cabra ou de ovelha que escorre quando se fabrica o queijo. Juntando-se-lhe alguma nata e pouco leite, é levado ao lume do qual só se retira depois de haver fervido. Vende-se barato e é muito usado nas refeições da tarde, deitando-se-Ihe bocadinhos de pão. A palavra é de origem árabe.

ALMENTOLIA, forma corrente, de em vez de almotolia. É um vaso de lata, em regra de capacidade não superior a um ou dois litros, que serve para conter o azeite necessário ao gasto doméstico de dois ou três dias. É termo de origem árabe.

ALMÔNDEGA, fritos de bacalhau muito esfiado, envolvido em farinha e ovos batidos. Noutros pontos almôndega tem significado muito lato; em Mourão apenas designa os fritos a que nos referimos, e que constituem parte obrigatória de todos os farnéis quer para a viagem, quer para simples passeios ao campo. É de origem árabe e vem citada por Kõrting.

ALVOREADO, estúrdio, pessoa de pouco siso nas palavras e ademanes, incapaz de se conservar sossegado, amigo de se divertir e de brincar, mas sem gravame para ninguém, embora ligue pouca importância ao que faz ou ao que / 15 / lhe diga respeito. É, sem dúvida, forma divergente de alvorotado, de alvorotar, pôr em alvorôto, em desassossego, se bem que não se empregue em Mourão a forma verbal alvorear.

AMANHARI, consertar, reparar qualquer objecto estragado; por ex., os sapatos estão a amanhari. Não se emprega, como noutros pontos do país, no sentido de preparar as terras de cultura. O verbo amanhari, reflexamente, em sentido irónico, exprime também a ideia de arranjar complicações ou situações difíceis na vida, das quais podem provir grave consequências; assim, F. amanhou-se bem, quer dizer que F. está em situação difícil, resultante de quaisquer actos que haja praticado. Reflexamente, significa também ainda governar bem a vida, saber administrar os seus bens, como por ex., António amanhou-se bem, isto é, governa-se bem, vive desafogado. Desconheço a origem do vocábulo, proveniente, talvez, dum hipotético admanuare, formado de ad e duma forma verbal derivada do substantivo manus. De admanuare, viriam sucessivamente amanuare, amanare, amanhari.

AMANHO, substantivo verbal derivado de amanhari. Significa conserto, arranjo, reparação de qualquer objecto estragado. Tem emprego mais lato que o verbo de que deriva, pois exprime também trabalho na preparação dos terrenos de cultura e ainda os recursos de vida ou bens que um indivíduo possua, como, por ex., João tem um bom amanho, isto é, possui bens de fortuna regulares.

AMARUJARI, ter ligeiro sabor ácido, É termo aplicada à culinária, assim, o caldo hoje amaruja, isto é tem pequeno sabor amargo ou azedo; que não o estraga, antes lhe dá sabor muito apreciado.

AMO, dono da casa em que se prestam serviços domésticos. Os proprietários rurais ou os donos de casa de comércio para os respectivos serviçais ou empregados não são amos, mas patrões. O feminino ama não se emprega no sentido de mulher que amamenta filhos doutra, mas sim apenas no sentido em que se usa o masculino. A mulher que, por paga ou gratuitamente, amamenta filho estranho, é designada por mãe de leite.

AMOROSO, ameno, doce, temperado. Aplica-se ao estado do tempo. Ex., está um verão mun amoroso; está uma noite mun amorosa; isto é, um verão temperado, uma noite amena.

ANÁCO, chibata dum amo. Deve derivar do castelhano.

ANDÁÇO, epidemia, doença contagiosa. É corrente noutros pontos do país.

ANDÉS, ovo que se coloca em lugar certo para habituar as galinhas a porem os ovos num local certo. É forma divergente de indês, do latim indicem, com deslocamento do acento tónico. / 16 /

ANÓJO, bezerro dum ano. Emprega-se também na forma feminina anoja, bezerra dum ano.

ARENGA, substantivo verbal derivado de arengari. Fala fútil, palavrosa, destituída de sentido, por vezes com o sentido de iludir os ouvintes. Por alargamento de significado, causa ou acção sem valor, inútil. De origem germânica.

ARENGARI, dizer muitas palavras, sem tom nem som, com o objectivo de ludibriar quem as ouve.

ARENGUICE, dito estulto, cousa sem importância.

ARRABAÇA, planta aquática de folha larga e comestível. A esta planta encontra-se referência na quadra popular seguinte:

«Arrabaço co pé nágua

Sempre s. está bandeando

É comás meninas solteiras

Cando s 'estão namorando».

ARRAMADA, lugar ou espaço coberto de ramos secos suportados por quatro ou mais postes de madeira, onde as pessoas e animais se recolhem durante as horas de calor mais intenso. Por extensão aplica-se o mesmo termo a espaço coberto com telhas pouco unidas e assentes sobre ligeiro ripado.

ARREBINA! irra! apre!

ARREMATARI, concluir, por termo. Aplica-se principalmente à costura. Tem também, como noutros pontos do país, o significado de adquirir em lanço público qualquer coisa que vá à praça. Deve provir do substantivo arremate que significa fim, termo, conclusão.

ARRENCA-PINHÉROS, elefante.

ARRENCARI, é assim que se pronuncia em Mourão o verbo arrancar.

ARRENEGADO, zangado, irritado. Encontra-se com o mesmo significado noutras terras do país.

ARRENEGAR-SI, zangar-se, irritar-se. Só se emprega reflexamente; ex., F. arrenegou-se munto.

ASSOMARI, aparecer a uma janela ou uma porta. Emprega-se, em regra, reflexamente; ex., assomi-me à porta assomô-si à janela. / 17 /

Clicar para ampliar.

AVEJÃO, lobisomem; o indivíduo que, segundo a crendice popular, anda penando seus erros, ou é vítima do destino que sobre ele pesa, convertido, durante certas horas da noite, até ao cantar do galo, em animal irracional, especialmente cão ou burro. Pode contudo o avejão conservar a figura humana, enquanto anda cumprindo seu fadário; mas, neste caso, toma forma gigantesca. Da crendice nos avojões e do terror que estes inspiravam, obrigando toda a gente a recolher-se e a cerrar portas e janelas, se aproveitavam alguns espertalhões para realizarem aventuras amorosas ilícitas. Depois de alguns avejães terem sido regularmente zurzidos com um varapau, desapareceu essa crendice, e hoje todos se riem ao ouvirem falar deles.

AVENTARI, arremessar, deitar qualquer objecto para a rua ou para o quintal. Suponho este verbo derivado de ad ventum com o sufixo verbal -are, no sentido de atirar ao vento, e daí arremessar, deitar fora.

AVEZARI, ter, possuir normalmente e não por excepção. Ex., A. aveza dinhêro, isto é, A. tem dinheiro sempre.

AVIARI, servir o comprador; apressar. Ex., avie-me depressa a chita, / 18 / isto é, sirva-me etc.; avia-te, isto é, apressa-te, despacha-te. Sem dúvida provém de ad viare, isto é, mandar para a rua.

AVOIZEL, borboleta. Derivará de avicela?

AZADO, vaso grande de barro, de boca larga, com duas asas ou pegas na parte superior. Serve para ter nele a azeitona de conserva e ainda para guardar toucinho e carne ensacada de porco, depois de enxuta ao fumeiro.

AZELHA, de pressa, velozmente. Emprega-se com os verbos de movimento. Ex. Vão d'azelha, isto é, vão de pressa. Muitas vezes subentende-se que essa pressa é causada pelo medo.

AZETÉRA, utensílio feito de chifre de gado vacum para transportar pequenas porções de azeite.

AZOARI, incomodar, com sons repetidos e pouco agradáveis a quem os ouve; atormentar.

AZOICE, ruído, barulho, leviandade, acto de disparate.


A

B

C

D - E

F - G

H - J

L - M

N - O - P

Q - R - S

T

U - V - X - Z

Página anteriorInício desta páginaPágina seguinte