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Boletim da Biblioteca    

 

 

Sorria com a Ria

Para dizer a verdade, não sei quem foi o padrinho que resolveu chamar à água salgada do Atlântico que namora com a água doce dos rios Vouga, Águeda, Antuã, Cértima e Mau, Ria de Aveiro! Os entendidos dessas coisas de nomes esquisitos, subsidiências e outras ciências e distinguem uma deriva litoral duma restinga ou de um delta, chamam-lhe outros nomes como Delta, Haff-Delta, Estuário e Laguna.

Muito embora eu concorde com Estuário, prefiro Ria, porque é feminino e é um namoro de muitos anos (Laguna também, mas…) e quem a navegar e se deixar abraçar por tantos braços, até mais do que a Deusa Chiva tem, fica com uma paixão e amor eternos.

É uma “Deusa” enorme com os seus quarenta e sete quilómetros de comprimento e imensos alfinetes de peito com jóia a que os artistas deram o nome de Ilha dos Ovos, Monte de Farinha, Tostada Amorosa e outras pequenas missangas.

Depois, aqueles brilhantes cristais que estão encastoados entre os caixilhos das marinhas e estas com as suas casinhas de brincar. E onde entre outros elementos está a bilha de barro que mata sedes ancestrais. Nos mencionados braços com nomes como Espinheiro, Cal do Ouro, Veia da Testada, Laranjo, Canal de Ovar, Canal de Mira, correm céleres as bateiras, os mercantéis e o símbolo mais belo que é o Moliceiro filho do casamento mar, ria. O mar queria tanto misturar-se com os doces rios que zangado rompia o hímen, ou seja, o cordão litoral, pois sabia que os homens e mulheres que labotavam pela sobrevivência dependiam física e economicamente desse casamento. Esse namoro prolongou-se ao longo dos séculos, pois em 1200 estendeu um frágil braço ali pela Torreira. Depois foi fazendo tentativas em 1500, 1584, 1643, 1737, 1756, 1762, 1778, 1802, 1838, até que o homem, munido de engenho e arte o ajudou definitivamente com proveito para as três partes. Finalmente, a 3 de Abril de 1808 celebrou-se o casamento indissolúvel e os burgos confinantes cresceram e olham fascinados os afilhamentos, produtos do matrimónio de uma “noiva” engrinaldada e um “noivo”, às vezes revoltado, mas que sem o seu trabalho incessante não lograria o sustento dos aveirenses, ilhavenses, vaguenses, murtoseiros e os outros mais pequenos irmãos nem permitiria rumar a outras paragens levando o que produziu e trazendo o que precisamos e, de há muito, desde o século XVI, o fiel amigo bacalhau.

Por tudo isto, proclamo, declaro e grito: “Abençoada Ria!” Quem me dera que sejas o ataúde dos meus sonhos, pois amo-te para além do último sopro.”

10-4-2008

João Pereira de Lemos

Escritor, Desenhador-Projectista, Pintor de azulejos

 
 

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