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Hélder Bandarra, O Percurso do Artista, Aveiro, Novembro 2010, 180 páginas.

4. Testemunhos – por Emerenciano

ABSTRACTO E/OU FIGURATIVO

Não estive lá, quando se deu o big bang, nasci depois, entre a necessidade da representação figurativa como aprendizagem e a abstracção que organiza o caos, lendo Kandinsky (Ponto e Linha Sobre o Plano e Do Espiritual Na Arte). Depois, na consequência da representação simbólica, vieram as palavras, que nesta circunstância permitem-me fazer uma aproximação à obra de Hélder Bandarra, a seu pedido.

Não sei se Hélder Bandarra esteve lá, na origem, mas a matriz fundamental da Arte, essa organização do caos, é factor de construção na sua obra, presença de uma geometria nem sempre secreta, seja quando o figurativo lhe interessa, seja quando se inclina para o abstracto, e o abstracto reside no figurativo. A generalidade da construção das obras de arte aproxima o figurativo e o abstracto, ambos os caminhos atravessam de um modo exemplar a Arte Moderna e Contemporânea, e referir Kandinsky é fundamental, mas é um dever lembrar também Mondrian, que entendeu melhor o cubismo do que os próprios cubistas, li em Gillo Dorfles, não sei em qual dos seus livros, sem esquecer Malevich, por causa da clareza musical minimalista. A música precisamente, a mais abstracta de todas as artes, perpassa na obra de Hélder Bandarra, silente, bem conseguida de um conflito não resolvido, ad aeternum dos elementos formais permanentes, a exemplo da vida. Na vida (um jogo) a bola passa de um lado para o outro, ou seja, a razão sobre algo não está sempre na mesma pessoa ou grupo, realiza-se a conversa que não admite desonestidades. Ocorre na Arte também esse princípio de honestidade, encontro e desencontro de enunciados enlevados das linhas e dos planos: a verticalidade não tem mais razão do que a horizontalidade, a obliquidade e a curva, e tem voto sobre a matéria também o governo da expressividade das manchas, no caso presente puro, contrastante e festivo de uma consanguinidade popular a exigir a racionalidade de outras variantes cromáticas. O que é primeiro e eterno é indisfarçável na presença das cores primárias, mas racionalizando, as cores secundárias, terciárias e outras, são envolvidas por efeitos bem conseguidos de um estilo peculiar, sobretudo no que é mais abstracto, conforme a linguagem da pintura.

Hélder Bandarra nasceu em Aveiro, na terra do barro e da cerâmica, terra do fogo e do sal, mas também dos povos que ocuparam lugares no rio Vouga, inventaram os barcos que ainda hoje deslizam no canal, dentro da cidade, e eu distingo os moliceiros com as suas velas desfraldadas pelo vento, raros hoje, vadiando por planos abertos das águas alargadas da ria, provocando ritmos curvilíneos dos pequenos tsunamis. A natureza da obra de Hélder Bandarra, procurada na cidade e região, não nos faz ignorar realidades distantes, num tempo e espaço sem fronteiras. Estamos em presença de um artista que encontra as suas motivações onde teve berço, onde estão as raízes familiares, e os afectos propiciadores de um colectivo cultural que em tempos me tocou e relevo, mas um artista pertence ao mundo, tem a responsabilidade de se diferenciar entre os seus pares do mundo.

Emerenciano

Artista plástico, Porto, 2010-07-21

 
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