Não estive lá,
quando se deu o big bang, nasci depois, entre a necessidade da
representação figurativa como aprendizagem e a abstracção que organiza o
caos, lendo Kandinsky (Ponto e Linha Sobre o Plano e Do Espiritual Na
Arte). Depois, na consequência da representação simbólica, vieram as
palavras, que nesta circunstância permitem-me fazer uma aproximação à
obra de Hélder Bandarra, a seu pedido. |
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Não sei se
Hélder Bandarra esteve lá, na origem, mas a matriz fundamental da Arte,
essa organização do caos, é factor de construção na sua obra, presença
de uma geometria nem sempre secreta, seja quando o figurativo lhe
interessa, seja quando se inclina para o abstracto, e o abstracto reside
no figurativo. A generalidade da construção das obras de arte aproxima o
figurativo e o abstracto, ambos os caminhos atravessam de um modo
exemplar a Arte Moderna e Contemporânea, e referir Kandinsky é
fundamental, mas é um dever
lembrar também Mondrian, que entendeu melhor o cubismo do que os
próprios cubistas, li em Gillo Dorfles, não sei em qual dos seus livros,
sem esquecer Malevich, por causa da clareza musical minimalista. A
música precisamente, a mais abstracta de todas as artes, perpassa na
obra de Hélder Bandarra, silente, bem conseguida de um conflito não
resolvido, ad aeternum dos elementos formais permanentes, a exemplo da
vida. Na vida (um jogo) a bola passa de um lado para o outro, ou seja, a
razão sobre algo não está sempre na mesma pessoa ou grupo, realiza-se a
conversa que não admite desonestidades. Ocorre na Arte também esse
princípio de honestidade, encontro e desencontro de enunciados enlevados
das linhas e dos planos: a verticalidade não tem mais razão do que a
horizontalidade, a obliquidade e a curva, e tem voto sobre a matéria
também o governo da expressividade das manchas, no caso presente puro,
contrastante e festivo de uma consanguinidade popular a exigir a
racionalidade de outras variantes cromáticas. O que é primeiro e eterno
é indisfarçável na presença das cores primárias, mas racionalizando, as
cores secundárias, terciárias e outras, são envolvidas por efeitos bem
conseguidos de um estilo peculiar, sobretudo no que é mais abstracto,
conforme a linguagem da pintura.
Hélder Bandarra
nasceu em Aveiro, na terra do barro e da cerâmica, terra do fogo e do
sal, mas também dos povos que ocuparam lugares no rio Vouga, inventaram
os barcos que ainda hoje deslizam no canal, dentro da cidade, e eu
distingo os moliceiros com as suas velas desfraldadas pelo vento, raros
hoje, vadiando por planos abertos das águas alargadas da ria, provocando
ritmos curvilíneos dos pequenos tsunamis. A natureza da obra de Hélder
Bandarra, procurada na cidade e região, não nos faz ignorar realidades
distantes, num tempo e espaço sem fronteiras. Estamos em presença de um
artista que encontra as suas motivações onde teve berço, onde estão as
raízes familiares, e os afectos propiciadores de um colectivo cultural
que em tempos me tocou e relevo, mas um artista pertence ao mundo, tem a
responsabilidade de se diferenciar entre os seus pares do mundo.
Emerenciano
Artista
plástico, Porto, 2010-07-21 |