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Animais incluindo o
homem, estrelas e outros astros vizinhos da Terra, músicos e “pierrots”,
danças e vira – ventos, barcos e balões, nichos de casarios, jogos de
máscaras, composições como se de uma festa se tratasse. Como se um
cenário se requeresse, eis o universo de Hélder Bandarra, de estirpe
lírica e surreal, que se escusou à simples transcrição do verificável.
Ele optou por uma narrativa onírica, sequenciada de quadro em quadro, numa
espécie de concerto policrómico com regência própria. E que, embora
luxuriosa de tons e de sons, tal narrativa e tal concerto não ficam
reféns do aparato garrido nem das lucubrações de infância.
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O resultado
da sua organização pictórica e dos seus organismos temáticos conduz-nos
o olhar para lá do arraial, para lá do Carnaval, do culto do empírico. Desocultam-se vários sentidos no feérico e no frenesim, no melancólico
viajar pelo quotidiano, no auto transporte às regiões e às razões
evasivas.
De resto os júbilos
são tão veneráveis como vulneráveis. Mesmo em Bandarra, que não pertence
à linguagem dos profetas sapateiros desta pratica por dez réis seduzida,
por dez réis perdida. Não sendo alistável em tal geneologia, o seu
guarda-roupa estético não se traduz em primário deslumbramento. Bandarra
reformula o vivenciado, defende-se do excessivo contágio dos grandes
nomes e das obras referencias. Ele supera esta dificuldade histórica e
psicológica através de um senso de medida do conterrâneo. Bandarra obtém
o seu nível e o seu nexo, a sua banda a sua margem de tumulto.
Diferença assente na
qualidade resolutiva da complexidade da cor e das suas ficções, de uma
intervenção lúdica e lúcida que se situa no proscénio e nos bastidores
da oficina.
Porque cada vez é
mais problemático descobrir a pólvora. Ser original deixou de ser uma
obrigação e decididamente não se sustenta numa vangloriação. Tudo já foi
experimentado por mestres e por discípulos. Bastará cruzar uma leitura
pelo mundo. No entanto, será suficiente, como média avalizadora,
detectar domínio de estrutura e conclusão interpretativa. Bandarra
escapou ileso ao atropelo dos materiais e personagens.
Alcançou o controlo
da ansiedade. Passo a passo nos foi tornando visitas das suas
representações, cada vez mais ricas de panejamentos e de pensamentos,
cada vez mais portadoras de uma estória para nos ajudar a escolher uma
série de espectáculos antes que os sinos dobrem e as sinas nos dobrem.
O pintor procura
redimir-nos pela imaginação, pelo multicolor. Pela possível inocência
dos desenganados pela consciência.
César
Príncipe
Jornalista e
crítico de arte, 1999 |