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Hélder Bandarra, O Percurso do Artista, Aveiro, Novembro 2010, 180 páginas.

4. Testemunhos – por Valdemar Cruz

OS ROSTOS DAS MÁSCARAS

Uma das perplexidades maiores suscitadas pelo conjunto da obra de Hélder Bandarra residirá, não tanto no fascinante trabalho da cor, assumido como componente essencial de uma identidade marcada por contrastes que o vigor da festa pictórica agudiza, mas mais na constatação de que estes desenhos, estes quadros, aquelas pinturas, sendo deste tempo, estão muito para lá dos estreitos limites de tempo definidos por uma contemporaneidade simultaneamente avassaladora e redutora.

Expliquemo-nos. Num tempo de forçosas catalogações, Hélder Bandarra constrói um imaginário apostado em respirar para além das veredas ajustadas a discursos moldados pelo sopro dos ares que passam. Coma serena força de quem está porque sempre assim esteve, sem necessidade de se perder nos corredores de modismos circunstanciais, o pintor deixa-se mergulhar nas cenas de um quotidiano rasgado pelo mistério que sempre condiciona todas as inocências. A pureza do traço não é aqui o caminho mais fácil e directo para definição da imagem, mas antes um poderoso veículo de afirmação de uma linguagem estruturada e responsável por um discurso notável de coerência, em que o acessório jamais é confundido com o essencial.

Há uma audácia implícita nas dimensões destes desenhos, que nos remete para momentos grandiosos da arte através dos tempos. É impossível ficar indiferente à necessidade de estabelecer uma relação com outras etapas da expressão pictórica de Hélder Bandarra, de modo a podermos desaguar numa constatação incontornável: o seu universo é o da grande criação e o sujeito desse universo é sempre o Homem.

O Homem com as suas paixões violentas, seduções infinitas, alegrias contagiantes, choros envolventes. Há, por vezes, um delicioso sentido de festa a pontuar a universalidade destes desenhos incapazes de escapar à representação dramática do mundo em que nos movimentamos. A aparente contradição entre o sentido dramático da vida e retalhos de quotidianos festivos pontua os hiatos suscitados pela conveniência do ser e a inconveniência do estar.

Às vezes deixamo-nos arrastar por paixões imensas construídas de pequenos nadas, retratos a preto e branco de existências insubmissas, mas amarfanhadas no tempo.

Com estes trabalhos em grafite, Hélder Bandarra assume um retrato outro, porventura controverso, mas seguramente moldado por uma infinita paixão pelos corpos, pelos rostos, pelos sentidos, pelos olhares.

O olhar e o modo como se olha – a urgência estampada nos olhos que se contemplam – conferem a estes desenhos uma dimensão onírica. E, no entanto, há aqui uma imensa sobriedade, uma estranha forma de dar vida a seres sensíveis, apaixonados, seduzidos pelo longe espraiado em rostos afinal tão próximos.

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É esse o drama das sociedades contemporâneas. Tudo parece estar ao alcance da mão.

Tudo parece estar provocadoramente próximo. Tudo parece estar apenas à distância de um toque. E, contudo, vivemos longe. Tocamo-nos e não nos vemos. Respiramos o mesmo ar e não nos sentimos. A sombra dos outros jamais se confunde com a nossa própria sombra, porque os olhares – sempre os olhares – estão demasiados distantes para sentirem proximidade.

Os desenhos de Hélder Bandarra encenam esse paradoxo e esfacelam os contentamentos de consciências acomodadas. Estão carregados de emoções e estabelecem o contraponto sentido de quem vê os corpos como emanação de seres que se inventam no quotidiano fingimento de abraços despojados de sensações.

Nos desenhos de Hélder Bandarra, os rostos assumem uma neutralidade perturbante. Talvez porque às vezes os rostos parecem máscaras, ou, seguramente, porque as máscaras são a invenção dos rostos possíveis.

Valdemar Cruz

Exposição de desenhos de grande formato

Galeria Municipal de Aveiro, Novembro 1996

 
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