Não me encontrava minimamente vocacionado para desenvolver uma
actividade profissional em Aveiro. A cidade era muito “apertada”, pouco
aberta, e havia falta de meios e empregos. Para não perder a veia
artística que estava latente em mim, passei alguns meses em casa a
pintar, fazendo uma exposição de pintura no Teatro Aveirense com o amigo
Jaime Borges. Na livraria deste amigo nasceram muitos eventos culturais.
Ele era um dinamizador para muitas realizações. Nesse espaço, os amigos
juntavam-se para trocar impressões. Alimentávamos o sonho de Paris e
seus artistas. Com ele combinei a minha primeira exposição no Salão
Nobre do Teatro Aveirense, em 1963. A exposição foi muito participada
pela elite aveirense. Ficaram patentes ao público uma vintena de quadros
a óleo e a pastel e idêntica quantidade do Jaime em ferro, óleos e
guaches. |
“O violinista”, óleo – 1959 |
/ 23 / Em 1964, este amigo inaugura a primeira galeria de arte em Aveiro e
uma exposição de pintura escultura e desenho denominada "nove
artistas de Aveiro" em que também participei. Esta galeria realizou
quatro salões de arte conhecidos pelos salões de Aveiro, onde obtive
dois segundos prémios de pintura nos anos de 1965 e 1966.
Neste contexto, o Dr. Vasco Branco foi para nós uma referência cultural;
amigo e pessoa muito viajada, transmitia-nos novos conhecimentos e
falava de novos artistas. Creio que foi através dele que ouvi falar de
Picasso, o artista que colocava um olho em cima e outro em baixo. Era o
modernismo a bater-me à porta. Era um jovem curioso sedento de
novidades. Cá tudo chegava muito tarde e a más horas.
Catálogo da Exposição |
Experimentei os
meus primeiros desenhos e pinturas abstractas. Com ele nasceu o grupo “Círculo de Artes Plásticas do Clube dos Galitos”. Embrião de expressão
artística que veio mais tarde, em 1971, a dar origem à fundação do grupo Aveiro-Arte,
do qual sou sócio fundador. Foi formado o Circulo Experimental dos
Artistas de Aveiro com dezasseis artistas, entusiastas e activos,
que deram origem a este movimento, cujo objectivo era a união dos
artistas plásticos naturais da região de Aveiro ou nela radicados
que revelassem nítida tendência para a experimentação, para a
criatividade e modernidade com inequívoca qualidade estética. |
Este grupo participou em inúmeras iniciativas cívicas e
exposições, viajou pelo país e estrangeiro, levando a nossa arte ao
conhecimento de milhares de pessoas e instituições, divulgando a cidade
e a cultura de Aveiro. A nossa presença no Parlamento Europeu, em 2008,
foi o maior acontecimento vivido pelo nosso grupo. É também de referir a
atribuição pelo Município de Aveiro da medalha de mérito municipal em 12
de Maio de 2001.
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Nessa altura o meu irmão Manuel tinha regressado do Brasil e arranjado um
trabalho na Agência de Publicidade ZEIGER, em Lisboa. Ficou lá alguns
meses, decidindo voltar ao Brasil por incompatibilidade com o meio
lisboeta. Foi ele que me indicou ao seu patrão, empresário alemão, para
me admitir nos seus estúdios como designer. Ainda trabalhei com ele um
mês antes da sua saída. Neste atelier de trabalho conheci
Manuel Lapa,
o mestre e professor da Escola das Belas Artes de Lisboa, excelente
artista e de grande elevação moral, com quem trabalhei em vários
projectos artísticos. Na mesma empresa era meu colega de trabalho o
grande e saudoso poeta Ary dos Santos – irreverente, genial e um
declamador de excepção. Nessa altura publicou o seu primeiro livro de
poesia; almoçava connosco quase diariamente, contava histórias e
declamava poesias para os colegas nas horas de repasto, inflamando tudo
e todos à sua volta.
“Mulheres do mar”, óleo
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"Pescadores com redes", óleo
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Fiquei a residir num quarto alugado na Rua Viriato n.º 5, perto da
Maternidade Alfredo da Costa. A minha “suite” era uma pequena dispensa
onde eu mal cabia e onde passei três difíceis e penosos meses. Em
seguida, arranjei um outro quarto, em casa de um colega, fotógrafo de
profissão, na Rua de Entre Paredes ao Campo Pequeno, tendo por perto a
antiga e animada Feira Popular. Era uma família simpática que me tratava
com respeito e amizade. Foi uma fase profissional muito intensa e
instável, com mudanças frequentes.
A minha adaptação à cidade de Lisboa não foi nada fácil: novos hábitos,
horários, maneiras de ser e de estar; na verdade era um novo país ao
qual me fui adaptando, contornando provações e dificuldades.
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Saí dos estúdios ZEIGER para fazer uma sociedade com dois colegas de
profissão. Criámos o nosso próprio espaço, um atelier onde se fazia
fotografia industrial, serigrafia e outros trabalhos gráficos. |
Cartaz que obteve o 1.º Prémio num Concurso Mundial de Cartazes –
Tóquio, 1967 |
Como designers trabalhávamos muitas horas para ganharmos esta aposta
profissional. Alugámos um andar na Rua Actor Isidoro, junta à Alameda D.
Afonso Henriques. Penso que corria o ano de 1964 e eu deambulava pelas
ruas de Lisboa cantarolando as músicas dos Beatles.
Com o escultor Francisco Simões, no seu atelier em Sintra – 2009
Meses depois, fui convidado para trabalhar no Comissariado Nacional de
Turismo, no Palácio Foz, aos Restauradores, na área do turismo gráfico.
Fazia cartazes, desdobráveis, capas de livros, tudo aquilo que exigia
intervenção gráfica.
Essa fase profissional da minha vida foi muito importante, porque acalmei
aquele mar revolto dos meus primeiros anos na capital. Nesses serviços,
em parceria com José Carrasco, fiz a concepção gráfica de um cartaz que
representou Portugal num concurso
mundial de turismo em Tóquio, obtendo o primeiro lugar.
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Foi meu colega de estúdio aquele que é hoje um dos grandes nomes da
escultura portuguesa – Francisco Simões. Assisti aos seus primeiros
trabalhos. Éramos confidentes em todas as horas, jovens artistas que
tudo faziam para acompanhar o progresso e a revolução cultural e social
da época. Estávamos nos anos 60. Nas ruas de Lisboa fervilhavam
experiências e as nossas actividades culturais eram constantes. Tínhamos
/ 28 / amigos excelentes com quem partilhávamos as nossas ideias, relações com
poetas, artistas plásticos, profissionais da Rádio e da Televisão. Tempo
que não esqueço e uma amizade que perdura. |
No Parque dos Poetas, Oeiras, junto à estátua de
Alexandre O’Neill |
Mudei para um quarto na Rua da Verónica, no bairro da Graça, junto ao
Batalhão de Sapadores Bombeiros.
O meu chefe nesses serviços, Licínio de Melo, foi exercer funções noutra
empresa e convidou-me para o substituir nos dois part-time que ocupava.
Assim, passei a exercer só de manhã no turismo, em vez do dia todo; e, de
tarde, ingressei na Agencia de Publicidade Sonarte, cujo patrão era o Sr.
Artur Agostinho, locutor e figura conhecida que não precisa de
apresentação. Tive com ele uma relação profissional excelente, de
respeito e estima. É um amigo que nunca esquecerei. Foram anos de
aprofundamento artístico e contactos excelentes. Convivi com colegas de
enorme capacidade intelectual, com quem privei diariamente, como Fernando
Pernes, critico de Arte, Raul Calado, expert em Jazz, e homens da
televisão como Jorge Alves e Fialho Gouveia, com quem mantinha conversas
nos intervalos de gravações de rádio que eles vinham fazer à nossa
Agência. Tive o privilégio de trabalhar numa campanha de publicidade com
o insigne poeta surrealista Alexandre O’Neill que me visitou em trabalho
por diversas vezes.
/ 29 /
Tudo quanto acontecia em Lisboa em exposições eu acompanhava. Havia
aquela exaltação de nos afirmarmos. Nas aulas pintei um nu a óleo que o
mestre Gil Teixeira Lopes fez questão de mostrar aos seus outros colegas
professores da escola. Fiquei sensibilizado.
“Evocação de Aveiro”, Hélder Bandarra – Segundo Prémio de Pintura
Nesse tempo João Hogan, Fausto Boavida e Francisco Simões eram
companheiros da “bica”. Em Aveiro decorriam os salões de Arte Aveiro I e
Aveiro II onde fui premiado com dois segundos prémios de pintura.
/ 30 /
De novo mudei de residência passando a morar no Bairro das Colónias, na
Rua do Zaire, n.º 40-2.º Dt.º, onde aluguei um apartamento para viver
sozinho. Finalmente tinha o meu atelier, onde podia, à vontade, espalhar
os materiais de arte que preenchiam o meu sonho de jovem artista.
Era a realização da minha vocação de sempre. Matriculei-me nas aulas
nocturnas da Sociedade Nacional de Belas Artes onde permaneci três anos
e tive como professores, no desenho, Hélder Baptista, e na pintura, o
grande mestre Gil Teixeira Lopes. Foi
mais um arranque importante na minha carreira. Com colegas excelentes
mantínhamos tertúlias de café e convívios; com os mestres trocávamos
conhecimentos, processos e técnicas. |
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Retrato de Graziela Correia – Porto |
Casei em 1967 e ainda vivi em Lisboa até ao fim do ano de 1969 na Rua
Alexandre Braga, junto ao Jardim Constantino. O meu filho Alexandre
tinha acabado de nascer e, em 1970, quando ele tinha um ano, mudámo-nos
para o Porto, onde fixámos residência / 31 / em casa dos meus sogros ao Carvalhido, na Rua 9 de Abril, 179. Foi mais
uma mudança na minha vida que ditou outras obrigações familiares e
profissionais. Nesta casa, onde vivi, arranjei um espaço para pintar e,
nos meus tempos livres, fui fazendo desenhos e pinturas diversas que me
mantinham numa certa regularidade artística, podendo participar em
algumas exposições.
Esta minha mudança de percurso teve a ver com a possibilidade de poder
trabalhar numa litografia do Porto, a Empresa Poligráfica de Armando
Ribeiro onde dirigi a parte gráfica. Vivi entre as máquinas de
impressão, as tintas, as aflições dos impressores, as urgências de
entregas de trabalhos. Era toda uma organização completamente diferente
das agências de Lisboa. Em simultâneo, trabalhava com outros colegas
numa secção de desenho, concebendo e executando maquetas de cartazes,
livros desdobráveis, expositores.
Foi um tempo de grande produtividade gráfica e com deslocações
frequentes a clientes para consulta e aprovação de trabalhos. Aí
permaneci até 1980. Entretanto, decidi sair da empresa porque comecei a
ter a certeza que poderia trabalhar por conta própria e libertar-me
daquela enorme responsabilidade.
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“Operários”, óleo |
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“Mãe e filho carregando lenha”, desenho a lápis |
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/ 32 / As exposições de pintura colectivas e individuais iam-se processando e a
minha valorização na expressão plástica ia-se cimentando. As relações
profissionais eram cada vez melhores e o meu campo de manobra foi-se
expandindo.
O Rui Alberto, o António Rei e eu com o meu filho ao
colo
O Grupo Colectivo de Artes Plásticas do Porto foi formado na década de
70. Nasceu da paixão de artistas – o Rui Alberto, o António Rei e eu –
quando trabalhávamos nessa litografia do Porto. Depois do trabalho,
fazíamos encontros em minha casa no
meu atelier e começámos a produzir obras para exposições.
Tínhamos um grande entusiasmo em experimentar novas técnicas trocar
pontos de vista e fazermos leituras. Realizámos muitas exposições pelo
norte e centro do país. Fomos um grupo de intervenção cultural e
tínhamos como objectivo fazer encontros
com as populações rurais, trabalhadores e cooperativas.
Lembro-me de fazer uma exposição na antiga fundição Paula Dias em Aveiro
e outra em Macedo de Cavaleiros. Muitos destes eventos fazem parte do
meu arquivo. Como éramos também artistas gráficos, fazíamos os nossos
próprios cartazes com técnica de Graffiti, que resultavam muito
interessantes e dos quais guardo alguns originais. |
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Cartaz com intervenção manual graffiti |
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1973 foi o ano do amigo José Sacramento abrir ao público a sua galeria
“GRADE”. Foi um acontecimento importante, uma lufada de ar fresco que
veio dinamizar e entusiasmar os artistas da terra. Meses depois, vieram
os anos difíceis e conturbados da revolução de Abril, “a fogueira” das
politicas e a instabilidade das pessoas, empresas e instituições.
Estudo - caneta sobre
papel (A4) |
Sempre apoiámos a dinâmica da GRADE com colóquios, happenings, convívios
com música ao vivo, exposições. Por lá passaram muitos e bons artistas.
Participei em várias exposições individuais e colectivas e, com esta
galeria, cresci bastante no meu percurso artístico. Aveiro, através
deste espaço cultural, tornou-se mais conhecida em todo o país. Ao José
Sacramento vai o meu reconhecimento e estima pela sua excepcional
actividade. |
A partir dos anos 90, estruturei um Atelier de Ensino de expressão
plástica, de ocupação de tempos livres, em V. N. de Gaia, para iniciação
ao ensino de adultos, nas modalidades de pintura e desenho. Este espaço
de arte é uma actividade à qual me dedico,
dando assim oportunidade às pessoas de poderem também usufruir de
conhecimentos artísticos e de realização pessoal, de saudável convívio e
de uma acrescida relação humana. |