Antecipei o meu serviço militar e frequentei o curso de
sargentos milicianos na Escola Prática de Cavalaria em Santarém. Era de
meu interesse cumprir o serviço militar para mais facilmente poder fazer
face ao mercado de trabalho e iniciar a vida profissional. Pairava-me na
cabeça a ideia de partir para o Brasil.
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Sem que contasse, fui para Goa, “Estado Português da Índia”, onde
cumpri cerca de dois anos de serviço. Nas horas livres, fiz alguns
retratos de amigos e colegas, que achavam que para tal tinha jeito, o
que me ajudou a passar o tempo. Foi em Pangim que comprei os meus
primeiros óleos. Tive algumas encomendas para realizar a nível militar,
como decoração de quartéis. Fiz um estudo de baixo-relevo para uma
fachada de colégio e grandes quadros de Vice-Reis da Índia. |
Esq. Cavalaria 4, Bali – Goa -Índia, 1961 |
Pela selva de Goa, percorri caminhos e picadas. Encontrei aldeias
indígenas do interior. Convivi e troquei experiências com pessoas
maravilhosas. Conheci a manga, o caju, a jaca e outros frutos
maravilhosos; vi macacos, cobras e muitas espécies de aves; aprendi a
comer o caril e o xacuti nos bares mais típicos de Goa, assim como a
tomar chá com leite. Encontrei, em locais isolados, pequenos santuários
hindus e budistas com toda a tradição de recolhimento. Observei,
desenhei e pintei os nativos das aldeias. Foram dois anos de emancipação
e reflexão cultural e de crescimento interior. / 16 /
Em Dezembro de 1961,
quando da invasão de Goa pelas forças indianas, fui feito prisioneiro de
guerra. Estive alguns meses numa condição extremamente precária, em dois
campos de concentração de Navelim e Pondá. Conheci bem de perto os
horrores da guerra, assistindo à morte de um amigo por rebentamento de
mina anti-carro. O preconceito pátrio e uma política errada ultramarina
conduziram as nossas forças militares a uma humilhação sem precedentes –
uma retirada e rendição em condições desonrosas e desumanas.
1960 – Os meus primeiros trabalhos a óleo – Goa, Índia
Em Navelim, primeiro campo de concentração, e depois em Pondá, só tinha
um cantil de água para beber durante todo o dia. A roupa era a mesma que
trazia no corpo quando fui preso. Durante aproximadamente seis meses de
encarceramento, dormi no chão em cima de dois assentos de jeep, sob um
tecto escaldante de um parque aberto de viaturas militares. Estive com
outros colegas numa formatura em frente de um pelotão de fuzilamento no
campo de Pondá. Não seria oportuno contar aqui os porquês…
Nesta situação difícil, ainda era obrigado a trabalhos forçados no
exterior com outros amigos, como desassorear pontes destruídas por
explosões; muitos dias ficávamos no meio do rio passando pedra a pedra
entre filas de colegas com água pela cintura. A alguns soldados
”simpáticos e inimigos” ainda fiz retratos a lápis; apesar de tudo, eles
tinham para connosco respeito e até compreensão. Nesta situação tão
difícil, consegui, por empréstimo, umas rupias; e pedi que me
arranjassem tinta-da-china, papel e uma caneta. Com esse material fiz
muitos desenhos sobre temas de guerra, o que me deu para ganhar algum
dinheiro e poder encomendar bens alimentares de primeira necessidade,
como arroz, batatas e óleo. Comer um bife às escondidas era um luxo.
Tinha alguns amigos que me ajudavam a vender os desenhos.
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Desenho
a tinta da china - Campo de concentração, Ponda
Não esqueço a amizade com o António Correia do Porto, que sempre me
acompanhou nestas aventuras militares desde a primeira hora. Pela vida
fora e ainda hoje continuamos amigos. Regressei a Portugal em meados de
1962, voando de Pangim para Carachi, no Paquistão, numa operação
complicada de repatriamento organizada pelos governos de Portugal e da
Índia. Embarquei no paquete Pátria com destino à metrópole.
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