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Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

VIII

SISTEMAS DE DECANTAÇÃO

 

A DECANTAÇÃO OU DEPURAÇÃO DO AZEITE

Reduzida a azeitona a pasta ou massa, que é levada para a prensa para extracção do azeite, este escorre misturado com impurezas para recipientes próprios, de grande capacidade, nos quais se efectua a decantação. É a operação final do fabrico do azeite, a fase em que o óleo é separado das impurezas, durante a primeira prensagem, e da água com que é escaldado, nas prensagens seguintes.

A decantação é um processo físico que resulta do facto do azeite não ser miscível com outros líquidos, separando-se naturalmente deles quando toda a mistura se encontra em repouso durante determinado período de tempo. Devido à reduzida densidade do azeite, este vem à superfície, ficando os líquidos mais pesados no fundo do recipiente em que se encontram.

Se, nos lagares mais modernos, toda a operação de fabrico de azeite é feita de modo automático, desde a chegada e trituração da azeitona até à separação do azeite e sua recolha em recipientes apropriados, bastando um ou dois homens para o funcionamento do lagar e alguns minutos apenas para se obter o dourado líquido, nos lagares mais antigos a obtenção do azeite levava longas e trabalhosas horas, sendo necessário dar tempo a que os diferentes líquidos não miscíveis se separassem nas tarefas ou recipientes de decantação, exigindo, depois, cuidadoso trabalho por parte do mestre para separar o azeite das águas-ruças ou almofeiras.

Em Dezembro de 1995 tivemos a oportunidade de nos deslocarmos a um moderníssimo lagar de azeite, em Eiras, no concelho de Coimbra. Mais apropriado seria chamar-lhe uma fábrica de azeite, pois não tem qualquer semelhança com os lagares tradicionais que visitámos na década de 1960, nem mesmo com os mais modernos desse tempo. Com uma área relativamente reduzida, apenas tem de comum os aromas que se libertam do azeite. Em tudo o mais é diferente. Tulhas para conservar temporariamente a azeitona não existem. Não se vêem nem moinhos nem prensas, pelo menos no estilo dos que analisámos nos capítulos anteriores. Apenas uma máquina ensurdecedora efectua automaticamente a extracção do azeite. E um só homem é suficiente para efectuar todo o trabalho. No caso concreto desta oficina oleícola, além do próprio dono que, com protectores nos ouvidos, controla o funcionamento da máquina de extracção, apenas um ajudante colabora nas actividades necessárias, nomeadamente na descarga da azeitona e no transporte das pesadas vasilhas para armazenamento do azeite.

A azeitona chegada ao lagar é descarregada directa­mente para uma caixa de recepção, fora do edifício e ao nível do solo, onde é lavada e elevada para a máquina de extracção por meio de um parafuso sem-fim. As azeitonas entram na máquina e são trituradas por meio de um sistema de moinho de martelos e misturadas com água quente. Poucos minutos depois, noutra secção da máquina, sai para um lado o bagaço da azeitona; para o  outro, o azeite, automaticamente filtrado e recolhido em bidões ou bilhas metálicas, próprios para transporte e armazenamento. Com este moderno sistema, extrai-se provavelmente mais azeite numa hora e com esforço mínimo do que durante um dia inteiro, num lagar tradicional, à custa do enorme esforço de um grupo de homens.

Ao processo físico da decantação poder-se-ia também dar-lhe a designação de depuração. De facto, em alguns inquéritos por nós efectuados, pudemos verificar que os informadores empregavam, por vezes, o verbo depurar para designar a separação entre o azeite e a água:

«Conforme sai, a água... sai d'acolá água e azeite tudo misturado e depois é que depur' àqui...» (P. 118, Canelas de Baixo, conc. Arouca, dist. Aveiro).

«... depois no pote é que o azeite depura. A água bai ò fundo e o azeite fica na superfície...» (P. 117, Espiunca, conc. Arouca, dist. Aveiro).

 

 

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